Minha vizinhança surtou de vez. Só porque nós acendemos a churrasqueira na sexta-feira santa, o
louquinho albino botou a cabeça na janela, sentiu o cheiro da linguiça no ar e comecou a gritar:
– Pagãos! Pagãos! Queima Jesus!
Por sorte deu uma garoada e ele voltou a se ocupar com a sua mania de espalhar baldes vazios pelo
quintal. Esse homem sempre me fez questionar se foi a altitude ou o excesso de antenas deste
bairro que danificaram suas idéias. Dessa vez, só não parei para fazer um sério estudo sobre a
influência das antenas nos cérebros dos moradores da região porque, pela primeira vez em trinta
nos, eu me senti uma completa ignorante por nunca ter questionado coisas muito mais importantes.
Como, por exemplo, porque cargas d’água as pessoas não comem carne na semana santa.
Decidida a me aprofundar nessa questão, obtive as mais interessantes respostas…
– A gente come peixe na sexta pra poder comer chocolate no domingo, oras! Redução de calorias,
amiga!
– Ah, nem me pergunte! Páscoa e carnaval são duas datas sem noção. Nem o dia certo do feriado a
gente sabe, quanto mais porque é que não pode comer carne.
– É lobby da galera que vende bacalhau, Alê! Maracutaia do povo da Noruega. Pode acreditar que aí
tem!
– Só sei que é pecado…
– Porque a pergunta? Você pode comer carne o ano todo. Um dia que é proíbido e você já está
reclamando? Custa deixar de comer uma vez na vida? Você é do contra mesmo, hein?
– Não pode porque não pode. E pára de ligar aqui pra fazer pergunta difícil!
– Pecado. Mas no seu caso, um a mais, um a menos….
– Sabe que eu não sei, menina? Mas eu só como o que me dão, mesmo…
– Tem um lance de pecado, Judas, traição, ressurreição, multiplicação de peixes… sei lá! Por
quê? Você não gosta de bacalhau?
– Porque eu não quero ir para o inferno.
– Porque é melhor assim…
Bom, eu ainda tenho a desculpa de dizer que não sei, porque não fui batizada, não tive educação
religiosa e só sei uma ou outra passagem da bíblia graças à sessão da tarde. Mas, é impressão
minha, ou a maior parte das pessoas não fazem a menor idéia do porquê não podem comer carne na
sexta-feira santa? Bando de loucos… Fazem tudo sem pensar e ainda metem o bedelho no meu
churrasquinho pagão.
Meu sobrinho deu de repetir tudo que é desgraça. E, como desgraça pouca é bobagem, o danado do
menino mora lá nos cofós do Guarapiranga, onde a vizinhança adora contar uma tragédia. Não
bastasse o problema de localização, o “repeteco ambulante” passa o dia sob os cuidados da minha
mãe. Eu sei que companhia de vó faz muito bem, mas não quando a avó é uma das três Marias do
bairro.
Na verdade, aquele é um bairro cheio de Marias, mas as mais famosas são a “Maria minha mãe”, a
“Maria Gil Gomes” e a dona “Maria Afanásio Jazadji”. O ponto de encontro das três é sempre na
cozinha da dona “Maria minha mãe” e, quando elas se encontram, senta, que lá vem causo: o Tony
Galinha morreu com não sei quantos balaços; o Bola Sete foi encontrado pela polícia lá no morrão;
seu João pescador matou a mulher e o açougueiro…
Como esse povo não costuma ter muita noção e a minha mãe acha que criança é surda, elas acabam
ignorando que tem gente descalça no meio da conversa. Meu sobrinho, por sua vez, ouve as bizarrias
locais e sai repetindo parte do que consegue captar de mais chocante. Daí pra frente são
necessários dois, três dias de contos de fadas para que ele mude de assunto. E, para acelerar o
processo de lavagem cerebral, eu tento mostrar outras paisagens para o guri. Como subir na laje,
por exemplo…
Pode parecer piada para quem nunca foi pobre na vida, mas uma laje é o sonho de consumo de todo
morador da periferia. Um pobre sem laje é um homem infeliz. Além de servir de lavanderia nos dias
úteis e ser um ponto estratégico para empinar pipas, é na laje que acontecem as festas e encontros
da família. A laje é o playground do pobre. E, quando o sujeito é um pouco mais endinheirado, pode
construir uma casa em cima da outra até ter várias casinhas de aluguel embaixo e a sua laje top de
luxo com uma vista bem boa lá no alto.
A da casa dos meus pais não podia ser melhor. Meu pai deu sorte de comprar um terreno perto da
represa do Guarapiranga. A vista é tão bonita que, quando eu e meus irmãos éramos pequenos,
achávamos que morávamos em uma ilha. Hoje em dia, raramente a laje é usada. Minha mãe comprou uma
secadora de roupas, eu e meus irmãos nos tornamos “gente grande sem tempo para soltar pipas” e a
paisagem bonita não se parece mais com uma ilha. As festas nunca mais foram as mesmas. Depois que
a gente cresce, fica besta e passa a alugar salões de festa. Mas eu insisto. Sempre que eu posso,
subo até o topo da casa com o meu sobrinho para que ele aprenda a apreciar os barquinhos que vão e
vem e, quem sabe assim, esquecer as fofocas das três Marias. A técnica sempre funcionou e teria
funcionado se eu não estivesse vivenciando a minha semana especial dos desastres aéreos.
Bem lá no alto do céu, há uma rota de aviões e o garoto é doido por avião. Ainda contaminado pelas
tragédias, ele perguntou:
– Tia Alê, o avião cai?
– Não, não cai. O avião pousa.
A mãe dele me mataria se eu contasse a verdade… Insisti que ele se concentrasse na contagem de
barcos a vela.
– Olha, Vi! Outro barquinho.
Barquinho vai, barquinho vem, minutos depois outro avião e a mesma pergunta e resposta foram
lançadas.
Eu não sei o que anda acontecendo comigo, mas estou começando a achar que é melhor eu passar uns
dias trancada dentro de casa. Ao todo, foram três aviões, três perguntas e três respostas iguais
até aparecer um ultraleve desgovernado. Até então, para o meu sobrinho, voou e fez barulho, ou é
avião ou helicóptero. Eu pensei em explicar a diferença para o menino, mas tratei de tampar os
olhos dele para que ele não visse o ultraleve cair e se esborrachar na água.
O ultraleve caiu… Caiu bem na minha frente, quatro dias depois do teco-teco despencar na rua do
minha amiga! E não adiantou nada evitar que o pentelho do garoto não visse a cena. Ele desviou os
olhos dos meus dedos e não só viu a queda do ultraleve, como está até agora repetindo…
– Avião cai, tia Alê! Caiu bem na água o avião! Caiu com tudo e o menino mergulhou bem fundo na
água e bateu a cabeça na piscina e veio um tubarão e comeu ele.
Não, nenhum dos dois tripulantes morreu e ninguém foi devorado pelo tubarão imaginário de água
doce. Mas adianta explicar? Eu desisto… Já basta a fama de B’52 que eu ganhei no bairro. “Maria
Gil Gomes” anda dizendo por aí que eu ando derrubando teco-tecos, ultraleves e zepelins da
GoodYear. Metade da rua quer me mandar para o Iraque e a outra metade quer que eu dê um pulo na
dona “Maria Filhinha do Passe Abençoado por Jesus Cristo Nosso Senhor”.
Juro! É assim que chamam a velhinha benzedeira lá do bairro.
Acabo de escrever sobre falta de solidariedade e recebo em seguida um e-mail de uma amiga que está
precisando muito de ajuda.
Conheci a Solange (não
confunda com a Solange do post abaixo) há mais de quinze anos em uma reunião da União da Juventude
Socialista. Nos vimos poucas vezes, mas eu sempre admirei os seus feitos. Palas histórias que me
contavam sobre ela, eu sabia que ela era uma moça forte, dedicada e que não se curvava diante das
injustiças desse mundo.
Dez anos depois da UJS nos reencontramos e nos tornamos mais próximas. Hoje, ela é um dos meus
melhores exemplos de sucesso suado, revirado e merecido. Uma garota que sempre agradeceu a mãe que
teve, por ela ser quem ela é. E que agora conta com a solidariedade daqueles que puderem ajudar,
para poder salvá-la.
E eu espero de coração estar enganada quanto a falta de solidariedade das pessoas.
Dona Lia, mãe da Solange, está com um problema na perna e desde a madrugada de quinta para
sexta-feira está internada no Hospital Bandeirantes. Ontem, pela manhã, os médicos avisaram à Sol
que será preciso amputar a perna e que serão necessários doadores de sangue para repor o estoque
do hospital (pode ser qualquer tipo de sangue). Quem puder colaborar, o endereço de coleta é
rua Galvão Bueno, 257 – Liberdade. É bem pertinho do metrô e funciona de segunda a sexta –
08h às 17h.
Importante: os doadores tem que dizer que estão lá em nome da senhora Maria Flora de Salles
Guimarães. Por favor, repassem este pedido para quem mais puder colaborar.
Obrigada, de todo o meu coração.
Ontem, assistindo a semi-final do Big Brother, respirei aliviada com o resultado, mas não deixei
de me sentir indignada. Não porque me simpatizava com fulana mais do que beltrana, mas porque –
dessa vez – este reality show está mostrando muito mais dos telespectadores do que dos
participantes.
É impressão minha ou o povo brasileiro abestalhou de vez com essa mentalidadezinha classe média?
Nunca imaginei que eu veria o que vi nos últimos dias. Foram demonstrações claras e sem o menor
constrangimento dos piores tipos de preconceito. Fiquei com a nítida impressão de que muita gente
fala e fala, mas na hora do vamos ver, só não discrimina pobres e negros se eles forem bonitos e
silenciosos. Não acho que uma pessoa mereça mais respeito e simpatia do que outra só porque é
menos favorecida, mas falar da ignorância da menina negra e pobre é ignorar a situação da maioria
das pessoas que vivem neste país.
Também não acho que pobreza justifique falta de educação, mas a moça podia ser o que for, tão
baixo nível quanto as brigas que rolaram nas madrugadas do programa foram os argumentos daqueles
que se enfureceram ao falar sobre ela. Muitas dessas pessoas, aposto que muito bem educadas.
Que sorte a dela ainda saber sorrir e cantar. Muitos de nós, engomadinhos educados em escolas
particulares, já teríamos amargado.
E não foram só adultos que falaram. Montes e montes de adolescentes dizendo bobagem. É fácil falar
da ignorância do outro quando se nasce com recursos para se ter uma vida decente. Burrice maior é
achar que o mundo gira em torno de um quarto quentinho com papai e mamãe no sofá da sala
planejando o futuro e pagando por ele. Eu suporto ver adultos cretinos, mas adolescentes, não. Se
aos quinze anos uma pessoa não consegue se indignar com as injustiças socias ou ao menos refletir
sobre essas questões, ela está condenada a ser um dos piores tipos de adulto.
O que eu vi, principalmente através da internet, foram demonstrações horríveis de preconceito,
maldade e falta de solidariedade. Na TV, vi o pobretão metido a besta querendo a qualquer custo se
relacionar com a turma classe média metida a besta, vi os super pobrinhos metidos a besta
se aproveitarem da situação para ganharem votos e vi a perua de Nova York ganhar milhões de votos
só porque ela era mais chique e metida a besta do que a babá feiosa. Solidariedade zero. E digam o
que quiserem, fiquei aliviada ao constatar que seis entre dez pessoas ainda são generosas o
suficiente para dar camarão para quem na vida só viu sardinha em lata e não para quem está
acostumado a arrotar caviar. Se a moça viajada fosse lá uma grande pessoa, ainda vá lá! Mas nesse
BB, aparentemente, ninguém cheira tão bem assim. Alias, aqueles que reclamaram do cheiro, deixaram
um odor nada agradável quando abaixaram suas máscaras e soltaram suas verdades.
Falando sério? Nunca vi tanto mala sem alça em uma casa só. E, sinceramente, eu adoraria saber
como a produção de um programa consegue ser tão incompetente a ponto de escolher tanta gente
desinteressante. Aliás, não sei porque eles insistem em manter esse sistema de escolha. Além de
extremamente fajuto, os dois finalistas do BB4 estão provando que deixar a seleção nas mãos de
Deus funciona melhor do que nas mãos dessa produção ou dos figurões da diretoria.
A coisa é tão bizarra, que eu me sinto mal toda vez que paro na frente da TV para assistir um ou
outro episódio. O único detalhe que me conforta é que o meu lado classe média metido a besta se
desculpa olhando o defeito do outro para aliviar o meu: “Pelo menos eu não sou trouxa de pagar
pay-per-view ou pagar para votar. Pagar para votar é ridículo. Que trouxas! Trinta centavos
vezes uma média de três milhões de babacas por votação… Eu hein! E o pobre coitado só ganha
quinhentos mil reais? Eu não pagaria nem uma ficha telefônica.”
Volto a dizer que não estou defendendo e nem aprovando a atitude de ninguém ali dentro. O que me
assusta é a agressividade, maldade, discriminação e a falta de solidariedade e bom senso dos que
estão aqui fora.
Os piores dias de insônia são aqueles que acabam às sete da manhã. Até às quatro, tudo bem. Tiro
minhas quatro, cinco horas de sono, acordo relativamente cedo e fico em paz. Às sete, não. Às sete
meu tempo de sono é reduzido pela metade e eu passo o resto do dia sonada.
Ontem foi assim. Por mais que eu me esforçasse para manter os olhos abertos, tudo parecia um sonho
com picos de pesadelo. Para piorar, eu tive que entrar na matrix e ir para uma reunião, bem no
começo da tarde.
Cheguei na distribuidora e esperei bocejando quarenta e cinco minutos, para a lesada da
recepcionista me avisar que o dono (que me deve há meses o valor de uma grande remessa de livros),
tinha saído e ela não havia percebido. Eu estava tão embriagada de sono que nem reclamei.
Aproveitei que estava perto da casa de uma velha amiga, pedi para usar o telefone por um minuto,
fiz uma ligação internacional para um primo querido que mora em Nova Guiné, deixei recado na
secretária eletrônica dele e fui embora. Do orelhão, do lado de fora da distribuidora, liguei para
minha amiga e combinamos de nos encontrar.
– Alê, quanto tempo! Onde você está?
– Aqui na Freguesia. Pertinho da sua casa.
– Passa aqui. Você almoça comigo e botamos o papo em dia.
Logo depois do almoço, pensei em ir embora – o sono estava apertando. Ela insistiu que eu ficasse
e começamos uma maratona de cafezinhos para que eu parasse em pé. Papo vai, papo vem,
desenterramos sacos de fotografias e histórias. Eu já estava mais esperta quando, de repente, um
barulho de avião irrompeu alto demais para acreditarmos que ele estaria no céu.
Saímos correndo em direção ao quintal. Por puro instinto de sobrevivência, minha primeira reação
foi querer me esconder embaixo de uma cama, mas minha curiosidade e sensação de que aquilo poderia
ser um pesadelo me arrastaram para o lado de fora da casa.
Ainda no corredor, ouvimos os gritos de uma vizinha…
– Ataque terrorista! Ataque terrorista! Ataque terrorista!
Já minha amiga…
– Puta-que-o-pariu! O avião! O avião! O avião!
Sempre que eu fico muito nervosa, começo a rir e a tremer como uma vara verde. Ver aquele
teco-teco atravessar a avenida diante dos nossos olhos, ouvir os gritos da vizinha apavorada como
se estivesse no Word Trade Center e ver a minha amiga bancar o Tatu da Ilha da Fantasia, me fez
perder o controle sobre os músculos da face e das pernas. Só recuperei meus movimentos porque
cismei que aquilo era um sonho e eu precisava ou aproveitar ou despertar.
Espremi os olhos e ergui os braços para voar e nada… Voltei para dentro da casa, fechei e abri
os olhos, procurei atrás da porta, e nada de me deparar com o Nicolas Cage… Nem sequer um
figurante de capa e máscara preta. Ao constatar que não era sonho, dei uma última saculejada no
corpo e voltei para o quintal onde estava a minha amiga. Estarrecidas, abrimos o portão e vimos o
monomotor pousar no meio da rua e dar de bico na porta de uma empresa a poucos metros de onde
estávamos. De olhos e bocas arregalados, seguimos em direção à nave e vimos o piloto e o co-piloto
saírem intactos e olharem para as nossas caras como se fossem o Picard e o Data dando um rolê pelo
Holodeck.
Em busca de socorro, minha amiga pegou o celular…
– Fiquem tranqüilos estou ligando para a polícia.
– Que polícia? Que mané polícia o quê! Tem que chamar o bombeiro.
– Mas não tem incêndio!
– É mesmo… Como pode não ter incêndio?
– Ele pousou! Ele pousou! Ele pousou!
– Então chama uma ambulância!
– Qual é o telefone da ambulância?
– Ah, daqui esse telefone que a minha mãe deve saber….
Ao telefone…
– Mãe! Sou eu… Mãe você não vai acreditar! Caiu um avião aqui na rua e…
– Alessandra, você não tem mais o que fazer da sua vida? Está na hora de você crescer e parar com
essa palhaçada de primeiro de abril. E vou dizer mais: Sua avó, me contou que você se matou de
novo no blog. Quantos anos você pensa que tem? Todo ano é a mesma coisa! Você não…
– Mãe, escuta: eu preciso saber o telefone da ambulância!
– Ah, vá! Como é que você diz mesmo? Lembrei! Escuta só a musiquinha – Tu, tu, tu, tu, tu, tu….
Não acreditei. A estressada desligou o telefone na minha cara, usando a minha técnica de desligar
telefone na cara. Me senti o pastor mentiroso da história infantil e me dei conta de que, se
dependesse dos meus conhecidos, o lobo estava prestes a devorar as minhas ovelhinhas…
– Alê, a ambulância! E a ambulância?
– Esqueça a ambulância. Não tem ninguém ferido aqui. Eu preciso é de um jornalista e um fotógrafo
que não saibam do meu passado e registrem o que eu estou vendo…
E você aí? Está achando que eu inventei essa história é? Vai procurar nos noticiários o que
aconteceu com o monomotor que pousou em uma avenida da Freguesia do Ó neste 1º de abril, vai…
Vai ver o que é bom pra tosse. E tem mais! Além disso tudo ter acontecido de verdade, eu, logo eu,
fui pega no pior primeiro de abril da minha vida. Mas amanhã eu conto o vexame. Agora eu preciso
dar um jeito de acordar desse pesadelo ou encontrar de uma vez por todas o Nicolas Cage vestido de
zorro atrás de uma porta… Com todo o respeito pelo senhor meu maridon… claro!
Buuuuuuuuuuu! :-oooooooo
Ufa! Achei que meu humor nunca mais voltaria ao normal…
Obrigada amorécos. Eu divirto vocês vez ou outra e vocês me divertem no meu dia preferido. Acho
uma troca justa. Além do mais, todo mundo que me conhece um tiquinho sabe que hoje é o meu ano
novo. Ou seja, a brincadeira só vale para os novatos e para o maridon, que é meio desligado. Para
os velhacos, eu perco a graça rapidinho.
Sim, sim, sim… eu tenho cinco anos. E normalmente eu só mato a mim mesma nos meus primeiros de
abril. Dessa vez, só matei o maridon porque vocês levantaram um bolão com essa suspeita.
Relaxem e gozem. A morte, seja ela o que for, deve ser uma piada de mau gosto tão engraçada quanto
a vida. O ano que vem eu morro de novo. Beijo na bochecha e até daqui a pouco.
Dia bom pra rolar um chat, hein? O que vocês acham? Por volta das onze da noite, se eu estiver
acordada, apareço. 😉
Ah! Lembrei. Quem quiser ler o primeiro de abril do ano passado (super original), clique aqui.
Acho que muitos de vocês já sabem o que aconteceu, por isto não vou estender esta mensagem. Nada
do que eu possa escrever amenizará a dor da ausencia da minha irmã e do meu cunhado. Também não
vou detalhar o que aconteceu. Vou fazer o que eu acho que a Alê queria que eu fizesse.
Há bastante tempo eu sabia que ela não estava bem. Piorou nos últimos dias devido a pressão que
estava sofrendo. Mas, mesmo assim, evitava escrever sobre porque ela escrevia para sorrir e não
para chorar. Difícil nessa hora é ver que eles pareciam saber o que estava para acontecer.
Estamos todos perplexos com tudo que aconteceu. A única coisa que nos fortalece, é a certeza de
que onde quer que eles estejam, estão juntos.
Henrique
Não adianta eu me esconder; o surreal me persegue. Passo o sábado em casa assistindo filmes, só
para não ver a cara do sol; deixo de ver pessoas para não causar maiores estragos; acabo
precisando sair de madrugada para comprar lâmpadas – porque a do quarto da frente decidiu brincar
de poltergeist – e, quando eu volto pra casa, o maior rebu no meio da rua.
Uma viatura da polícia estava parada em frente a nossa garagem. Maridon estacionou o carro na
esquina e caminhamos em direção aos oficiais. Na hora, ficamos preocupados. Alguns insones e o
chefe dos escoteiros do segundo andar do prédio da frente, conversavam com o policial. O problema
parecia ser a nossa casa, mas não havia nenhum sinal de arrombamento ou anormalidade que
justificasse a presença daquelas pessoas, às cinco da manhã, nos pés da nossa janela.
Agora, pensando bem, só podia mesmo ser coisa do escoteiro. Imagina se a magrela da ópera, a
velhinha dos pombos, o flautista bonitão ou o louquinho albino teriam tanta imaginação? De jeito
nenhum.
Antes eu fosse mais sociável e conversasse com os vizinhos. Assim, certamente, eles deixariam de
olhar pra mim com um milhão de interrogações no meio da testa. Mas não… Eu tenho que me divertir
com o grau de bisbilhotice deles. O assistente do mecânico que não retribui cumprimentos, foi o
único que conseguiu, em cinco anos, quebrar o silêncio. Há alguns meses deixei o carro pra
consertar e ele, xereta, perguntou:
– O que tem nessas caixas de jogo do eu que vocês carregam pra cima e pra baixo?
– São mensagens de extra-terrestres que tentam convencer seres humanos a virarem unicórnios depois
da morte. Mas se te perguntarem, diz que é um livro interativo porque isto faz ele vender mais.
– Anh?
– Chavara curiosidade dunata mata. Entende? É muito legal.
Segurei o riso enquanto fingia pressa e naturalidade…
– Você e seu marido não trabalham com computador?
– Sim. E fazemos despachos eventualmente. Mas eu só atendo de madrugada. Somos descendentes de uma
família de vampiros ninjas do começo do século vinte.
Achei que o papo dos vampiros não passaria batido. As palavras precisam ser ditas rapidamente para
que confundam. Mas ele nem riu. Me olhou boquiaberto e com olhar de espanto e continuou:
– O quê?
– Zafimeiros, zácoros da piripirioca adornada. Conhece?
– Anh?
– Moniccelli, meu caro amigo. Brinde! Quanto ficará o conserto?
– Cinqüenta reais.
– Beleza. Seja zaranoto levy fidelix obelix. Boa tarde para o senhor também.
Deve ter sido o suficiente para o sujeito espalhar para a vizinhança que nós éramos realmente
bizarros. Gente que mal sai de dia, trabalha em casa sabe lá deus com o quê e os dois com essas
olheiras… Vampiros ninjas na cabeça! Se é que este é um cruzamento possível.
Mas eu jurava que o escoteiro era um sujeito diferente. Ele não parecia dado a fofocas e
curiosidades. E, talvez, não seja mesmo. Mas, pelo visto, leva os ensinamentos de Baden Powell a
sério demais. Tanto é que, quando eu e maridon vimos ele conversando com os policiais e olhando na
direção da nossa janela, nos aproximamos deles e perguntamos:
– Algum problema?
O escoteiro respondeu sem olhar para nós…
– A lâmpada. A lâmpada esta piscando há horas. Alguém lá dentro está precisando de ajuda e…
Foi quando ele virou o corpo para nos dar detalhes e nos reconheceu…
– Vocês!
Saltou de susto, o lelé da cuca. Como pôde ser tão mané? Ficou lá com aquela cara de patso, na
maior saia justa. Um dos policiais ficou indignado quando soube que nós éramos os moradores da
casa e só tínhamos saído há algumas horas para comprar lâmpadas.
– Mas vocês saem e deixam a lâmpada piscando?
– Era pra parecer uma árvore de natal e não um pedido de socorro em código morse.
– E espantar os ladrões! Não atrair a policia.
– Árvore de natal? Estamos no fim de março!
Ao ouvir o questionamento do escoteiro se metendo na nossa conversa com o policial, não resisti…
– É que nós somos vampiros ninjas e comemoramos o Natal em…
– Alê, melhor não, melhor não…
Maridon tinha razão. Uma coisa é sacanear a vizinhança, outra seria perder a credibilidade com os
policiais da região. Que pena… Meu humor quase voltou ao normal.