Houve um tempo que eu só sabia perguntar o porquê. Não só por ter interesse sobre as coisas, mas pela vaidade de ouvir dos adultos que curiosidade era sinal de inteligência. Cresci enchendo a orelha do meu pai, quando a única coisa que eu precisava ouvir era “porque eu te amo, mesmo você sendo chata desse jeito”. Ok, a parte do “mesmo você sendo chata desse jeito” – naquela época – teria sido o primeiro passo para criarem uma boa serial killer, mas o resto certamente teria me economizado anos de terapia e convivência com os namorados errados. Entre ser amada e ser inteligente, óbvio que eu daria uma banana enorme pro meu cérebro. Inteligente eu nasci, dependia só de mim. Agora… amor? Esse sempre foi meu departamento mais complexo e nunca gostei dessas coisas que dependem de troca. Todo o resto: de onde viemos, pra onde iremos ou qualquer fórmula matemática, física ou mágica seria só buscar em alguma enciclopédia ou ter o mínimo de atenção sobre o que acontecia a minha volta, que descobriria entre os segundos da vida ou da morte. Com oito anos de idade posso garantir que já poderia dar aulas sobre isso, mas no que diz respeito a reciprocidade de afeto… Puta que o pariu, que busca de aceitação é essa que fazem a gente se meter?
Ainda hoje me sinto procurando explicações, teorizando emoções para compreender razões, buscando no amor um sentido maior para viver, mas… Quer saber? Eu cansei. Chega de culpa, de amar narcisos e de brigar comigo. Chega de querer que goste de mim quem não dá a mínima pra mim. Seja por identificação, desafio ou qualquer outro complexo trauma psicológico… Chega. Chega até de quem me dá a máxima! Ando de saco cheio de deixar minha vida passar mediocremente a espera do desejo e do tempo de qualquer amor mané ou do reconhecimento familiar ou da muleta oferecida pelos melhores amigos ou da dose bem servida e oferecida por qualquer criatura que eu ache divertida, desfrutável ou inspiradoramente inenarrável. Há outros prazeres lá fora. Tem que haver… E tá claro que a errada da história sou eu, já que também não há nada de amor no que ofereço. Não há paixão nenhuma por aqui, só obsessão. Não passo de uma obcecada, doente, intratável e consumida pela necessidade de experiências um pouco mais intensas do que as tradicionais rotinas oferecem. E, se é essa minha doença, chega de tratamento. Tá mais do que na hora de parar de bancar a controlada, equilibrada, a certinha, a boazinha, a bem comportada, a que coloca obstáculos para quem me diz sim e se arrebenta por quem me diz não. Mais do que na hora de tirar o pé do freio e enfiá-lo no acelerador, seja por quem for. Se vai doer em alguém eu não sei, mas chega de viver procurando respostinha em amorzinho daqui, vidinha dali, relaçãozinha de acolá, paixãozinha sem sentido pra lá e pra cá, sincronicidade sexual com ares de espiritual, um final sem garantia pra morrer sabe lá deus aonde. Há algo de muito maior lá fora… Eu sinto. E vai que zelar pela curiosidade seja realmente a opção mais inteligente? Não sei o que vou encontrar ignorando as histórias que construo no lugar que chamo de coração, só para privilegiar os meus olhos e a minha pele, mas vou me permitir descobrir. Que desperdício de vida, meu deus… Um choramingo por gente, queixas e cobranças e posses. Como se nossa vida não fosse só nossa! Como se tivéssemos tempo a perder ou outra vida pra nos salvar! Meio que já passei desse tempo, sabe? Tá começando a me parecer cafona e débil, tudo o que soava como o melhor do romantismo. Além do mais, de verdade? Dotada de toda a razão que um bom copo pode me dar, algo me diz que se eu procurar bem – preferencialmente bem longe da simplicidade babaca e confortável de toda relação equivocada pela cegueira da paixão ou da retidão – acabarei encontrando uma resposta decente para os meus porquês. E não vai ser uma explicação duvidosa e reticente, mas alguma poesia inexplicável e memorável sobre toda essa merda de vida. E o resumo do meu copo, nesse dia, será mais ou menos assim: chega de achar bonito ver as moças levando seus animais de estimação para passear no parque e os castrando em pet shop. Está aberta a temporada de caça e, apesar do meu amor aos animais, eu sou sniper e vou viver como tal.

* Se ela precisou de um mês pra se recuperar de um morteiro, não vai ser por amor que vou viver chorando.



Escrito pela Alê Félix
21, setembro, 2011
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Passei um bom tempo olhando firmemente nesses olhos e tentando me ver. Enxerguei um pouco, lembrei de mais um pouco, me encontrei em um lugar que sei que ela e eu desejamos, mas feito para que nos perdêssemos. Não sinto falta desse medo, não sinto falta da urgência de ir embora, nem da insatisfação. Sinto falta desse silêncio, mas foi ele que me contou que sempre fomos assim, tristes assim. E que a única coisa que aconteceu nesses anos todos é que aprendemos bem a mentir, a refletir e a pagar a conta para fugir. Olhar nos meus próprios olhos não tem me feito bem… Não tem.



Escrito pela Alê Félix
18, setembro, 2011
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Nunca – A Banda Mais Bonita da Cidade



Escrito pela Alê Félix
18, setembro, 2011
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Depois de um fim de semana único e indescritível pela ilegalidade de alguns momentos, ontem, uma amiga francesa que estou corrompendo os valores com um pouco de travessura, me mandou um torpedo dizendo – entre outras coisas lindas – que tem muita sorte por ter me conhecido. Hoje, um amigo argentino que morou os últimos dois meses aqui no Brasil e se tornou meu grude predileto e das criaturas que mais sinto falta, me mandou um email dizendo que sou um presente que a vida lhe deu e que não vai deixar que a distância nos separe. Agora, entro no Facebook e a prima do meu primeiro namorado (nem vou dizer quantos anos atrás pra não denunciar a idade) me diz que tá pra ganhar nenê, quer me ver e que nunca vou deixar de fazer parte da família…
Aí, venho aqui pro blog, escrevo um post, dou o link no Facebook e um psiquiatra conhecido, mas que sempre desejei ser mais próxima, me clica no “curtir” da nota, dando sinais de que eventualmente me lê. Fiz graça com o fato de que suas opiniões eram quase um laudo médico e ele me responde assim: “Alê, você foi a única que conseguiu soltar a camisa de força até hoje.”

Na boa? Isso é esquisito. Sem nenhuma falsa modéstia, é uma sequência de carinho um tanto quanto estranha. Ninguém merece tanto amor desse jeito, a não ser que esteja prestes a morrer e é isso que tô achando. Mais uma dessas e vou ter certeza de que tô pra morrer, com alguma doença terminal e tá todo mundo sabendo menos eu! Sério. Se ainda fosse na época do Orkut, que tinha aquela opção brega e necessária nesses tempos que precisamos de testemunho pra dizer o quanto amamos e admiramos alguém, ok. Mas, nesse caso, sem nenhum motivo e espaço pra afeto, só posso achar que é a morte chegando! Sabe como é? Aquelas coisas que acontecem sincronizadas com o universo e tal… Sabe? Pra fazer a vida parecer que teve sentido e tal… Nem careço! Podem parar já! Tô em paz. Tudo que faço, faço por mim e não por vocês. Quase nem dou a mínima pra vocês.
Sendo assim… Oremos para que eu esteja delirando e eles tenham desperdiçado a hora certa da minha declaração. Tenho fé de que ainda enterrarei todos eles mas, se eu der azar de ir primeiro, só digo uma coisa: quero a frase do meu amigo psiquiatra na minha lápide! É a coisa mais bonita que já me disseram, ele cravou no meu coração cada letra, assim que li. Favor não esquecerem. Na lápide! Grata.

PS – Paulo… 🙂 Sorrio toda vez que leio a frase. Depois dessa, cê ganhou um lote enorme no meu coração e na minha lápide, tá? Nem sei, viu… Coisa linda. Amei num tanto… Ainda mais você sendo psiquiatra, sabe? Mais ainda depois de ter dito que não é papinho de médico, que vocês não dizem isso pra todas… Olha, mesmo que tenha sido, a frase é minha e ninguém tasca. Bonito de verdade. Obrigada. Não vou esquecer nunca que foi você que me deu o melhor laudo médico que eu poderia receber na vida e depois da vida. 🙂



Escrito pela Alê Félix
9, setembro, 2011
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Não quero mais ter pressa. Pra nada. Nem para pagar minhas contas, nem para tirar minhas férias, nem para aproveitá-las o máximo possível tirando fotos pra dizer que vivi, nem muito menos para que a aposentadoria me traga a paz que eu mereço. Nada de pressa para esperar pelo amanhecer, muito menos pressa para amar. Quero respirar fundo e agradecer. Não quero mais viver correndo. Correr me fez esquecer. E eu nem vi. Como foi que cheguei aqui? Trabalhar para comer? Acelerar para evitar o medo? Buscar qualquer prazer para esquecer? Daqui a pouco chega o fim… E eu nem sei se quis que fosse assim. Gastei todo meu latim, desperdicei tanto nanquim, perdi toda minha forma tupiniquim e nem aprendi a sorrir para as rimas pobres, muito menos para as ruins. Quero ter tempo para ver a graça naqueles que erroneamente julguei sem graça. Quero dar meu tempo e meu beijo só para quem tiver paciência para aprender a gostar. Quero tempo pra intimidade, lealdade, para as verdadeiras amizades. Quero ouvir. Ler e compreender. Tempo para escrever e me corrigir. Saborear o que me for dado no prato e na boca pelo simples prazer de experimentar. Quero o tempo de aprender a me relacionar antes da fuga do ficar. Quero quem prefira se perder na cama e na estrada ao invés dos encontros a espera da morte que separa. Quero parar de olhar para o relógio… Feito boba atrás da felicidade como se ela fosse uma linha de chegada. Quero a serenidade para caminhar e parar pelo caminho, pedir mais uma e apreciar a paisagem. Não… Eu não faço a menor ideia de como foi que cheguei até aqui. Toda essa minha pressa, para onde ela me trouxe? Todas as minhas urgências, quem foi que resolveu? Todos os prazos, quando foi que acabaram? As cobranças, as emergências, as relevâncias. O caos que me arrastou pro vazio. Esse vazio que me levará doente pra cama, imobilizará meus músculos e me pedirá ironicamente para respirar mais um pouco no final… Respirar e olhar aonde foi que me meti. Tive tanta pressa… Pressa pra chegar em lugar nenhum. Pressa para entrar e sair de todas as minhas caixas, regras, vidas que circularam a minha. Pressa para ver os remédios fazerem efeito e me curarem da minha própria pressa. A pressa que vai me obrigar a ver a porta da morte bater diante do meu último piscar de olhos, sem que eu tenha entendido pelo menos um mísero segundo. Sem nem sequer ter compreendido e atendido os pedidos mais simples do meu corpo, do meu coração… Toda essa pressa, tanta pressão. Depressa só se desperta a merda da depressão. Ter pressa, seja para o que for, de um jeito muito sutil e traiçoeiro, só revelou minha falta de habilidade, minha falta de vontade, meu desespero para ir embora daqui. Pressa, é só pressa para morrer. E eu ainda nem sei se quero… Toda a pressa que nos desperta, toda a pressa que nos faz dispersar e desconectar… Da alma.



Escrito pela Alê Félix
5, setembro, 2011
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Acordei de regime! Cortei alguns defeitos como a arrogância, a teimosia e a minha inesgotável preguiça. Cheguei à conclusão de que preciso muito melhorar a aparência da minha personalidade.

A preguiça, por exemplo, tem sido de longe minha maior falha. Chego a ter preguiça até de conhecer pessoas, acredita? Se alguém não me desperta o interesse nos primeiros minutos, adeus! Não quero mais saber… E juro que nesse caso não tem a ver com a arrogância, nem só com o egocentrismo bocó que tento domesticar, mas com a mais pura e genuína preguiça. A pessoa começa com papinho, tédio. Começa com nhenhenhem, durmo. Demonstra não ter noção, morro.

Mas eis que o tempo vai, o tempo voa e sair, mesmo que por diversão, também tem me cansado. Não só mentalmente, mas também fisicamente. Cheguei a achar que o regime da personalidade precisava se estender pro corpitcho rechonchudo que deus me deu. Comecei a caminhar, cortar todos os excessos de coisas e alimentos que não preciso no dia a dia. Entrei numas de que quero optar por uma mente leve, uma vida leve, um corpo leve, gente leve, papo leve (algo dificílimo pra mim, que só sei falar de relação).

Uma hora andando, duas, três e tô viciada! Comecei até a achar que nasci pra fazer peregrinações! Só ando com receio desse negócio de ter que tomar água. Encanei que água é realmente uma parada que limpa. Dannn, eu sei, tô falando sério. Parece retardadice minha, mas é serio. Já ouviram falar de terapia da água? Gente que se cura bebendo água, que evita doenças e não sei o que mais só bebendo água de forma um pouco mais consciente do que o normal. Já ouviu falar? Tô achando que vou testar. Principalmente porque percebi que já fiz muita bobagem com o corpão de maria-parideira que deus me deu… Passei a vida tomando refrigerante no lugar de água e achando que pele de pêssego era fruto de creme de colágeno e mão de esteticista. Maluca e fútil, eu sei.

Aliás, por favor, me lembrem de aparar diariamente a futilidade, tá? O regime de construção do caráter agradece. Vou caminhar e tomar água diariamente. E fazer peregrinações, seguir em frente numa versão 2.0!

Mas aí eu pensei também… “Cara, mesmo caminhando, eu passo muito tempo trabalhando… Como é que vou fazer pra lembrar de tomar água, enfiada na internet o dia todo?”.

Plugada com o invisível que sou, eis que deus ouviu minhas preces e caiu na minha caixa postal o e-mail de uma agência de publicidade, me perguntando se eu não queria uma geladeirinha que tuitava e vinha carregada de água…

Dá pra acreditar? O universo conspira! 🙂 E o resultado dessa brincadeira toda de pensamentos e viagens na maionese é que quem acompanhar o meu perfil @AleFelix, receberá alguns tweets da mini-geladeira por alguns dias. Isso, além de conferir se a minha personalidade tá mesmo ficando bonita ou se vai continuar deixando a desejar…

A Bonafont, água da Danone, é a empresa que lançou a mini-geladeira que comporta 4 garrafinhas de água e tuíta! A Wundermn desenvolveu a tecnologia, inspirada na recomendação da Organização Mundial da Saúde, que orienta essa média diária de consumo de água. Digam o que quiserem, eu achei cabulosa!

E em breve vão rolar minhas peregrinações! Vou fazer o Caminho dos Jesuítas lá no Espírito Santo, assim que eu tiver uma brecha do trabalho. Aguardem aí!



Escrito pela Alê Félix
31, agosto, 2011
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Ignorei antúrios e copos de leite… Desprezei cravos e crisântemos. Fiz bem me quer e mal me quer com lírios e girassóis… Não reguei narcisos, nem jacintos… Nunca conversei com as rosas. Mastiguei amores perfeitos, assim como engoli uma e outra boca de leão. E hoje eu me arrependo… Só me arrependo. Caminhei brincando de chutar as pedras e, hoje, vejo que elas se espalharam e acumularam diante dos meus próximos passos. Arrependo-me com todas as lágrimas que poderiam ter banhado o resto de verde que restava na última curva… E me sinto atravessando um deserto sem o menor sentido, sem a menor graça, quase sem nenhuma esperança. Sem vergonha nenhuma eu volto atrás, assumo equívocos, tomo outro rumo, confesso minha culpa, prometo entrar na linha e te tratar como deveria. Mas você diz que é oásis e eu te imploro por água. Eu me arrependo… Digo e ajoelho, mas não tenho como deixar de repetir que nossa coragem para seguir em frente é desejável, a minha para o arrependimento deveria ser louvável, mas a sua para fugir de mim sempre foi detestável. Me arrependo, mas não entendo… Pra que tanto “não” depois de sabermos que os êxtases só precisam de “sim”? E lá vou eu vendo as pedras acumulando, acumulando, acumulando. As flores secando, secando e secando… Flores? Que flores, não é mesmo? Não chove, sinto frio, me alimento de cinzas orando por um pouco mais de cor. Não chove, mesmo que eu chore. E sigo achando que Deus não vai mais me ouvir, vai me punir com o seu não e mais alguns pedaços de concreto. Vai dizer que acostumei, já peguei o jeito e que, tantas foram as vezes que pisei sobre as flores do asfalto que só me resta a distração de colher as pedras pelo caminho…



Escrito pela Alê Félix
30, agosto, 2011
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Meu bisavô paterno era um grande sedutor… Das lembranças que tenho dele, a mais forte foi a que me levou até a Itália no começo desse ano. Não deu certo encontrá-lo por lá, voltei triste achando que ele não estava mais comigo e que toda a alegria repetida na memória, podia ter se perdido e me confundido com o passar dos anos.

Já bem grandinha, lá pelos meus quatro anos, quando eu chegava em sua casa, corria para o berço de balanço que ele havia feito pra mim. Qualquer pai e mãe ao ver o bisavô ter o trabalho de cortar madeiras e preparar um berço pra bisneta, devia achar que aquilo seria um presente pra casa onde o bebê moraria, mas não era essa a intenção do velhote…

O berço ficaria na casa que ele escolheu morar depois da morte da minha bisavó, uma que ficava em frente a uma praça sem flores, mas cheia de postes de luz que ele dizia serem casinhas de vidro que hospedavam gotas de fogo. Os dias dependiam do sol forte naquela rua, mas as noites eram sempre encantadoras mesmo que chovesse, fizesse frio ou calor. E ele me levava pra rua no mesmo instante que meus pais entravam na casa, pedia pelo amor de deus para deixarem ele ficar comigo um pouco, alegava que as moças da rua adoravam ver homem cuidando bem de criança. Era irresistível…

Todo mundo ria da sua veia galanteadora… Chegava-se a achavar que ele disfarçava o afeto que tinha por mim dando desculpas para paquerar na rua, assim não daria bandeira de sensibilidade familiar. Meu pai contava que a vida dele tinha sido uma enorme festa, que a vida de caixeiro viajante foi escolhida só para que ele não se perdesse da própria vida. Chegava nas cidades e, dizem, faziam festas para recebê-lo. Minha bisavó sempre querendo matá-lo, se matar ou matar meia duzia de mulheres que o rodeavam. Dizia que morreria do coração, morreu de velhice, minha nona… E pedindo que ele não demorasse muito a encontrá-la do lado de lá, pois tinha medo de não encontrar muitos motivos pra sorrir, fosse no céu ou no inferno. Todo mundo chorou ao ouvir o último pedido, ele fez o sinal da cruz.

E eu me amarrava naquele balanço do berço… Meu bisavô não carecia de grandes recepções ou comemorações pra se divertir. A festa era ele, a festa estaria onde ele estivesse, sempre. E o Dom Juan bigodudo me levava pra tomar sol ou lua na calçada, arrastava o berço no braço, me colocava no outro feito pacote de pão. Puxava uma cadeira, se ajeitava e começava a cantarolar suas músicas prediletas em italiano…

Eu não entendia nada, mas pulava sem parar dentro do berço. As senhoras paravam diante da cena rapidamente, rodeavam o berço tecendo elogios mentirosos sobre a fofura de criança franzina e quase triste que eu era, ouviam meu bisavô floreando palavras para presenteá-las, exibindo o berço feito pra bisneta e com as suas próprias mãos. As mãos grandes que surgiam enquanto ele dobrava os punhos da camisa, sabendo que detalhes e dedicação nunca deixariam de prender os olhos e o coração de uma mulher. E juntava uma, duas, três e ele partia para a cantoria, a voz mais adequada para os momentos que existiam mais mulheres a nossa volta, do que ele seria capaz de administrar através das suas próprias palavras.

Eu havia esquecido tanto dele… Lembrava do berço, das mulheres em torno de nós cantando em italiano enquanto eu me acabava de pular no pequeno colchão e de achar ele o cara mais atraente e divertido do mundo… Não lembrava das músicas direito, mas sabia que morreria sem esquecer do seu olhar.

Trinta anos depois, minha mãe me liga num domingo a tarde, com frio, chuva e sem nenhum som que despertasse a minha atenção. Queria saber se eu estava bem, saber porque diabos eu não apareço mais e dizer que meu pai anda impossível, não pára mais em casa, ninguém sabe da vida dele e blá, blá, blá.

Por via das dúvidas, liguei pro meu pai em seguida só pra saber se realmente ainda havia esperança daquele coração de setenta anos continuar achando que tem vinte. Ele atendeu cantando e continuou cantando, sem nem sequer me dar um “alô”.

“Sapete perché il mondo va? Perché intorno al mondo gira l’amore…
E allora com’è, oh mamma dimmi tu, che avevo un bel biondino e ora non l’ho più?”

– Que música é essa?
– Gigliola Cinquetti!
– Canta mais aí!

“Caro bè bè, tu non lo sai… Chi non ha soldi non naviga mai navega sempre. Caro bè bè, la verità… È una farfalla che viene e che va.”

Ele vai morrer achando que tem vinte anos…

– E onde foi que você aprendeu italiano pra cantar bem assim!?
– Você não vai acreditar!

Ele é empolgado pra caralho… Eu devia ter usado o Caps Lock pra escrever essa última frase dele.

– …Eu ouvi essa música esses dias! Do nada! Olha, tô quase acreditando que veio do além, sabe? Porque lembrei na hora de onde já tinha ouvido! Seu bisavô vivia cantando! Você lembra? Acho que você ainda não era nascida…
– Era…
– Ou era? Era!? Puxa vida… Então você também lembra!

Não… Ele não cheira. A única droga que ele usa na vida é banana com mel e aveia no café da manhã, antes do cooper matinal. Há quarenta anos…

– Fui atrás da música e achei! Demais esse negócio de internet, né!? Eu não sei nem ligar aquele computador, mas seu irmão gravou pra mim, mostrou como era e eu achei sensacional! Agora fico ouvindo o dia todo, não sai mais da minha cabeça…
– A mamãe tá achando que essa sua felicidade é mulher…
– E desde quando mulher pode ver homem feliz sem achar que é outra mulher?
– E não é?
– Não! Escuta essa música! Felicidade é essa música! Ouve! Ouve… Fica aí no telefone que vou pôr pra você ouvir. Olha só…

E aumentou o som do carro, e eu sorri e foi como se meu bisavô surgisse ao meu lado, com todas as moças sacudindo vestidos a nossa volta… Quase consegui cantar um pedaço junto com meu pai, sem fazer a menor ideia da pronuncia das palavras ou mesmo seu significado. Um instante de festa num dia frio, mesmo eu achando que estava completamente sozinha.

Velhote filho da mãe, meu bisa… Eu devia imaginar que ele nunca desampararia nenhuma das mulheres da sua vida, em momento algum.

“E ele me disse… Não pense sobre isso, menina. A vida é uma esperança que caminha. No coração deixei-lhe uma estrela. Caminha que a estrada é linda!”.

Gira l’amore (caro bébe)



Escrito pela Alê Félix
22, agosto, 2011
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