Todo final de almoço dado no quintal da minha mãe é assim: a toalha é retirada, os homens vão para a sala morrer no sofá, e a mesa volta a ser rodeada pelas minhas tias, primas, irmã, mãe e avó. Normalmente, depois da sobremesa, não chega mais ninguém. Pelo menos, não alguém de casa…
A campainha tocou alguns minutos depois e, para a surpresa de todas nós, era o ex de uma tia. Um infeliz que no dia anterior tinha sido massacrado por todas nós.
– Falamos tanto do sujeito que o atraímos para a fogueira.
– Problema dele. Vai virar churrasco.
– Um ano depois da separação, só pode ter vindo pra contar vantagem. Ex só aparece por dois motivos: ou tá merda e quer voltar ou vem pra esfregar alguma merda de felicidade na nossa cara.
A Guida sempre acerta… Era um papo de grana pra lá, de carros pra cá, viagens, casa nova e… um filho. Ele e a atual namorada estavam grávidos e prestes a ter um bebê. Foi a gota d’água. Enquanto minha tia, dez meses depois da separação, ainda se recuperava dos estragos da relação, ele paria. Dez meses! Ela levantou da mesa com os olhos da Glenn Close em Atração Fatal. Na hora, eu pensei alto e escapou…
– Vixe, que vai ter morte.
Minha irmã ouviu e…
– A gente tem que fazer alguma coisa.
A Guida anda meio surda, então…
– Anh?
Minha irmã, surpreendentemente, embolsou meu celular que estava dando sopa sobre a mesa, saiu de canto, e ligou para o telefone fixo da casa que ela mesmo atendeu. Antes que minha tia pudesse dar o primeiro golpe no contador-de-vantagem, todos pararam para ouvir a “conversa” da minha irmã no telefone…
– Oi, Pedro! Tudo bem? Onde você está? Fala mais alto que eu não estou ouvindo… Ah, claro! Que bom que você vem… Ela está sim. Espera aí que eu vou chamar. Mi é o Pedro!
Tudo bem que todas nós sabíamos quem era o Pedro, tudo bem que todas nós sabíamos que de todos os ex da minha tia o que mais provocava ciúmes no contador-de-vantagem era o Pedro, mas daí para aquela mulherada inventar do jeito que inventou… Pareciam um time! Um único cérebro!
– Onde ele está?
– No aeroporto… Pega o sem fio.
Dai pra frente, foi uma seguida da outra…
– Por que ele adiantou o vôo? Não disse que só chegaria depois de amanhã?
– Deve estar com saudade…
– De todas nós!
E começaram a rir, e a falar, e foi tudo tão rápido que até agora estou impressionada com a agilidade para o mal dos genes que eu herdei. Todas elas, menos eu, entenderam (na hora!) que a ligação era forjada. E todas elas, como se tivessem decorado um texto durante horas, desataram a inventar uma história mais bem sucedida do que a outra sobre a minha tia. O Pedro virou o namorado da vez (há três anos ela não tem notícias do Pedro), a sandália do saldão de nove e noventa se transformou em uma ostentação de duzentos reais, o duro emprego de vendedora virou cargo de secretária e, entre outras trauletadas que elas dispararam foi a da minha avó que fez o moço ir embora…
– O Pedro é o genro que eu SEMPRE pedi a Deus.
Foi assim, com toda a delicadeza no “sempre”. Segundos depois dele fechar o portão, vovó acrescentou…
– Aposto cinqüenta reais que o filho não é dele. Quem vem?
Algumas famílias costumam se reunir para festejar, algumas só para enterrar os parentes e outras para jogar buraco. A minha perdeu o gosto pelas cartas quando minha bisavó morreu, mas nunca vai deixar de jogar, apostar e cobrar suas apostas.
Cheguei a pensar em passar a véspera do natal sozinha. Durou pouco. De repente me dei conta de que não nasci pra fazer tipo de “moça triste”, de que essa merda de solidão não tem a menor graça e de que virou papinho de gente chata e pouco criativa o discurso do “nunca gostei do natal”.
Antes que eu surtasse com o silêncio do banheiro, corri para a casa dos meus pais. Não havia banheira quente que desanuviasse o monte de neuras existenciais que poluiam a minha mente naquela noite. Eu precisava de tias, todas as minhas tias.
Horas depois, cercada pelas mulheres da minha vida, acabei reclamando mais do que devia e uma delas…
– Do que é que você está reclamando? Sua vida é exatamente o que você sonhou. Ao contrário das outras crianças, você não dizia que queria ser médica, mãe, feliz, essas palhaçadas todas… dizia que só queria ser independente. Completamente independente. Lembra?
Antes que eu desatasse a chatear falando sobre o quanto meus sonhos e crenças me traíram, minha sábia priminha, de uns dez anos, ia passando e…
– Você devia ter sonhado com todas as outras palhaçadas.
As pessoas precisam mudar o disco, tentar abraçar o papai noel de vez em quando, cair de boca no peru e parar de reclamar dos shoppings lotados. Virou moda reclamar das festas de fim de ano. Cansei desse papo.
Me sinto uma imbecil o tempo todo. Perdi o jeito com as pessoas, falo mais do que devo, falo quando não devo, falo bobagem, atropelo. Nunca mais deixei de machucar. Eu sei que todos machucam. Muitos nem se dão conta do quanto. Mas eu não sei mais me misturar. E nem gosto das misturas que vejo. Não suporto ouvir. Minha cabeça está me matando… Queria ser melhor, queria ser disponível. Nunca estou, não sou, não quero, não, não, não, tem sido somente não. Acho que o corpo perde o sentido quando não quer ir a lugar algum.
Sonhei que eu voava ontem à noite…
O primeiro ano desse blog só aconteceu devido a um ataque de nervos. Briguei com maridon por um motivo besta qualquer, peguei a grana de um negócio da china que podia ter virado aposentadoria, e jurei que não moveria uma palha durante 365 dias. Um mês depois eu tinha um blog, um projeto editorial para camuflar a preguiça e uma justificativa, para a minha falta de juízo, muito mais criativa do que um retorno de Saturno.
Dois anos depois, posso dizer com propriedade que manter um blog é um dos melhores exercícios de vagabundagem que eu já conheci. Pena que o que era doce…
Está impossível. Minha vida está um inferno. Achei que essa semana as coisas ficariam mais tranqüilas e eu teria algum tempo para o meu ócio virtual, mas nada mudou. Nada de e-mails, nada de blog, nada de comunidades orkutianas, nada de papo furado pelo msn e icq. Droga de vida sem drogas virtuais. Preciso de negócios da china que durem para sempre. Assim posso passar mais de um ano vagabundeando em frente ao micro. Como diabos alguém com mais de dezoito anos, contas pra pagar, vida sexual e emprego, consegue escrever? Como?
Preciso sair. A trabalho. Os dez minutos livres de obrigações acabaram. Me tornei escrava de mim mesma. Não me perguntem o porquê. Estou a meses tentando entender como foi que eu me meti nessa história.
O Balde de Gelo entrou essa semana no TOP 5 da Saraiva e ontem (domingo) foi capa do caderno de cultura do jornal O Tempo em Belo Horizonte.
Para as pessoas que escreveram perguntando onde comprar o livro aí vai:
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Você viu a febre de blogs de famosos que anda rolando no UOL? Claro que já. Não tem como não ver. Jogada de marketing. Tenho certeza. Eles convencem o empresário da figura de que o blog pode ser um bom negócio para o artista, o empresário convence o artista a transformar a sua agenda de trabalho em blog, o artista cai no papo do empresário e desembesta a escrever mais do que devia, e todos eles andam queimando seus filmes com a quantidade de bobagem escrita. Não vai demorar muito pra esse povo sentir a mesma coisa que eu sinto quando olho para os arquivos deste blog. Se vergonha matasse…