Quando eu contei para a minha avó qual era a minha primeira lembrança, ela disse que, no dia anterior ao da ginástica olímpica, ele organizou sozinho a minha festa de quatro anos de idade. Eu nunca lembrei desse detalhe, mas lembro muito bem do dia seguinte, óbvio. Por que me lembraria do afeto dele, se eu precisaria tanto das nossas brigas para ser quem eu seria no futuro?
Fui com meu pai para o centro esportivo onde ele treinava. Ele era maratonista e eu estava certa de que aquele seria o meu primeiro dia nas aulas de natação. O lugar era voltado para a preparação de atletas. Ou seja, mesmo escolhendo fazer natação, seria necessário ser escolhida por professores especializados em observar e escolher crianças que aparentassem algum futuro no esporte. Meu pai não me contou essa parte, essa parte eu deduzi sozinha vendo centenas de pais arrastando seus filhos entre a fila de uma modalidade e outra. Deduzi vendo a molecada chorar por não ser aprovada para aprender o futebol do pai ou o ballet da mãe. Lembro de ter visto essas cenas pendurada de cavalinho no pescoço do meu pai e de ter dado graças a deus porque seguíamos em direção a piscina.
Meu alívio não durou muito. Nos aproximamos da entrada para as piscinas, passamos a entrada, eu avisei meu pai que ele estava indo na direção errada, ele disse que pegaríamos um atalho, viramos a direita, meu sorriso começou a desmanchar, descemos uma escadaria, o atalho não existia, a piscina ficou para trás… Ficou junto com algum caminho que podia ter sido. Algum lugar com atalho, piscina e cavalinho de pai. Quando eu vi, estávamos no ginásio, na fila da ginástica olímpica, junto com o caminho que eu precisava percorrer, o caminho que o meu pai queria que eu percorresse.
Aquele foi, de longe, o maior escândalo que eu fiz na vida. Muito maior que a gritaria feita quando eu cortei meu dedo com uma faca de pão e achei que morreria porque, até então, nunca tinha visto meu próprio sangue. Muito maior do que os choros que eu choraria por traição, paixão e desilusão.
Não queria de jeito nenhum fazer ginástica olímpica. Meu pai sim. Ele devia ter algum complexo de Nadia Comaneci porque insistiu do começo ao fim. Ficou horas ignorando os berros mais estridentes do ginásio sob os olhares críticos dos pais que lotavam o lugar e, mesmo assim, continuamos lá. Ele estava tão obcecado em me ver dando saltos mortais, que não se preocupou com a fatalidade das suas próprias ações. Segurou meu braço e apertou firme. Firme o suficiente para que doesse, eu obedecesse, entrasse na fila e fizesse daquele dia a minha primeira lembrança.
Lembro de ter chorado com um pouco mais de maestria ao ser apresentada à coordenadora da equipe de ginastas (eu nasci sabendo representar…). Lembro também de ter parado com a choradeira quando ela trocou o meu ingresso na sua equipe, por meia hora pulando na cama elástica (eu nasci sabendo fazer bons acordos… ). Meia hora na cama elástica… Dá pra acreditar? Que tipo de criança troca o futuro por meia hora de cama elástica? Qualquer uma. Assim como qualquer adulto oferece doces em troca de tarefas (eu vou morrer acreditando nas pessoas…).
Deve ser muito difícil para pai e mãe, não jogar os próprios sonhos no colo de seus filhos. Os meus me ensinaram cedo que, infelizmente, filhos não nascem para fazer os pais reaprenderem a brincar, filhos nascem para aprender com os pais que a vida é um jogo sério. Um jogo de vida e morte. Um jogo onde está claro que a diversão deveria ser mais importante e gratificante, mas que a gente aprende a ignorar rapidinho, rapidinho.
Por mais garotinha que eu fosse, na minha cabeça, o que eu queria era transformar a minha vida em uma brincadeira e não em uma disputa de saltos mortais. Mesmo assim, fiz quatro anos de ginástica olímpica. Quatro anos seguidos de sintonia com o meu pai, participação nas paradas públicas de sete de setembro e quatro anos de professores nazistas gritando – três horas por dia – que eu precisava acertar os meus movimentos. Até que, um dia, minha mãe engravidou do meu irmão caçula e precisou de repouso absoluto – ela e eu. Nunca mais voltei para a ginástica, matei para sempre os meus saltos e vi a sintonia com o meu pai se transformar em silêncio. Mas, enfim, aos meus olhos, meus movimentos pareciam certos. Nunca mais brinquei em camas elásticas, nunca aprendi a nadar tão bem quanto eu queria e tentei extrair daquela época o que ela podia me dar de melhor. Bem ou mal, a flexibilidade contorcionista que meu pai e os professores nazistas queriam que eu tivesse, foi bastante útil no começo da minha vida sexual. Diversão e prazer… Tenho certeza de que por essa meu pai nunca esperaria. Pais acham lindo que as filhas abram espacate sorrindo, mas nunca as pernas.

Dia desses assisti um documentário sobre como alguns professores de ballet tratavam suas alunas. O programa mostrava uma das melhores e mais temidas professoras do mundo selecionando meninas de quatro a seis anos de idade para a sua escola. Qualquer palavra que saía da boca da mulher, era com o intuito de humilhar as crianças. Uma louca que justificava seu comportamento insano com a indisciplina daquelas crianças que, certamente, também trocaram meia hora de cama elástica por um alguns anos de sorrisos forçados e lágrimas em busca de perfeição e aceitação materna, paterna.
A foto abaixo eu vi por aqui em algum site. E ela, assim como este documentário que eu citei, apertam o mesmo nó na garganta que eu tenho amarrado as minhas lembranças que acabaram com uma parada de mão imperfeita. O nó do “e se…”.

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Escrito pela Alê Félix
6, agosto, 2005
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Cansadíssima. Apesar do meu ramo ser diferente, tenho tratado as empresas que contratam a editora, tão mal quanto o analista de Bagé tratava seus pacientes. O duro é que meu joelhaço não tem surtido efeito. Eles devem ser sádicos porque, mesmo com todas as patadas, não param de mandar coisas pra gente fazer. E sempre, óbvio, com prazos horríveis. Há meses que eu não tenho um mísero fim de semana de gente normal… Sabe lá o que é isso? Essa casa parece o Japão! Se vacilar, com linha de produção até no banheiro. Nunca vi coisa igual, juro.
Eu sei, eu não devia reclamar. Ainda mais com essa merda de medo que eu tenho de morrer pobre, louca e Maria dos Pacotes. Não, um medo só não me basta. Tudo que é coisa ruim, pra mim, vem em kit. Pra piorar, ontem, depois de um dia inteiro sem comer, fui jogar uns bolinhos de aipim na frigideira e o óleo quente assassino pipocou na minha cara. Eu sei, eu sei… Óleo quente e porcarias congeladas acabam no Hospital Defeitos da Face, eu sei. Segundo maridon, eu sou uma mulher de sorte. Mais alguns milímetros e, ao invés de mais uma cicatriz, eu teria perdido a vista direita. Como se a míope aqui tivesse vista direita! Como se a cota para cicatrizes já não tivesse extrapolado! Agora tenho que convencer o André Dahmer a fazer o lançamento dos Malvados em Setembro ao invés de no final de Agosto. Como é que eu vou sair por aí com essa cara de Bandit do Jonny Quest? Bah! Ódio. Alguém tem remédinho bom pra clarear (rápido!) cicatriz?

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Escrito pela Alê Félix
5, agosto, 2005
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Nem pra isso!
Se fosse um caso de vida ou morte, eu teria morrido. Espero que sintam culpa.



Escrito pela Alê Félix
4, agosto, 2005
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Semana retrasada, já por conta do tédio, reclamei com a terapeuta (junguiana) que a gente estava quase virando amigas e que eu estava pagando pra gente papear. Não que isso fosse ruim, mas eu queria um processo mais over, queria mudança de atitude. Ela, por sua vez, disse que, então, mudariamos a coisa toda pra terapia comportamental. Eu concordei e ela me deu duas semanas para que eu pensasse em três defeitos e três qualidades do meu pai e mais três defeitos e três qualidades da minha mãe, que eu identificasse em mim também. Parece fácil, não parece? Pois é, duas semanas se passaram e eu lembrei agora que a lição de casa é pra daqui uma hora e meia e eu não pensei em nada. Vocês não querem me ajudar falando sobre vocês, não? Digam aí os defeitos e qualidades genéticos que vocês têm. Eu vou colar.



Escrito pela Alê Félix
3, agosto, 2005
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É impressionante como, até hoje, aparece gente por aqui pedindo o final da saga… Eu agradeço, Silvana. De coração. É muito bonitinho da sua parte. Mas, me digam, que diabos vocês viram naquela história? Eu juro que não entendo. Aliás, deletem de suas cabeças o último post dela. Decidi parar de inventar história e contar o final como ele foi de verdade. Blá, blá, blá… Eu sei. Eu não ia contar o que aconteceu no final verdadeiro porque o final verdadeiro depõe contra mim. Sim, depõe mais. E eu não gosto de falar mal de mim quando o mal ainda mora dentro deste cérebro que me possui. Blogs costumam ser um filtro do que a gente tem de melhor e não uma vitrine para defeitos incuráveis como isso aqui se tornou. Bah! Vou terminar o raio da história. Em breve. Prometo.
Falando em prometer, estava agora pouco assistindo o depoimento do Zé Dirceu. Eu tenho uma simpatia tão grande por sotaque… Não sinto só simpatia, também sinto outras coisas por um bom sotaque. Por exemplo, o sotaque acaipirado do Zé me faz sentir confiança no que ele diz… Mas é claro que minha confiança não se aplica a políticos (independente de quem seja e de qual partido seja) porque eles falam vossa excelência demais e é impossível levar a sério alguém que diz vossa excelência, excelentíssimo e nobre fulano de tal. Se eu sofresse uma CPI e ficassem me chamando de vossa excelência, eu confessaria qualquer crime. Vossa excelência é o fim da picada! Nenhum ex-exilado merece mais tortura do que já viveu. Tadinho do Zé…
Mas, voltando a vaca fria, o resultado do concurso capa do livro Blog de Papel só será divulgado no dia do lançamento do livro, no local onde ele será lançado. Será a minha chantagem para fazer você tirar a bundaça da cadeira e ir até lá me dar um beijo. Beijo não custa. Não precisa ir e comprar o livro, só me dar um beijo, dizer que me ama, não vive sem mim e que, assim que deixar de ser pão duro(a), comprará os livros que publicamos porque eles são bons de fato e porque você confia em mim, mesmo eu não tendo sotaque caipira (sempre que eu morro de tédio eu fico assim carente). Aliás, eu não tenho sotaque nenhum. Paulista não tem sotaque. Paulista fala igual ao pessoal que apresenta telejornais. Podem dizer o que quiserem, eu não tenho sotaque.
Ah! Marcelo, desocupada é a vovozinha! Eu trabalho quinze horas por dia. Meu tédio é emocional. Ando com a vida toda certinha e acho isso um pé no saco. Tenho que ficar procurando sarna pra me coçar, nada de “do caralho” acontece, nada me sacode, nada revira meus pensamentos do avesso, nada – além de enfiar o dedo na tomada – me dá choque. Depois ninguém entende porque eu sou tão amarrada à adolescência. Se você tem menos de vinte anos prepare-se: a vida da gente acaba aos vinte e um. Minto. Tem gente que morre aos quatorze e passa o resto dos dias zumbizando atrás de brinquedinhos, colinho de mamãe, gangorras e palhaçadas. Outros, como é o meu caso, morrem com vinte e um anos e se tornam adolescentes insatisfeitos, irresponsáveis e inconseqüentes em busca de uma dose qualquer de adrenalina. E tem a galera que não morre, mas que nasce com setenta anos. Esses passam a vida com tudo sob controle e vivem velhos e chatos por toda a sua vasta eternidade. Não se iludam achando que existem variáveis nessa minha teoria. Ou você morreu com quatorze anos (segundo retorno de Saturno e fim da sua infância), ou com vinte e um (terceiro retorno de Saturno e final da sua adolescência), ou nasceu com setenta anos (fase onde o retorno de Saturno não acontece mais porque ele fica com medo de voltar e ser espancado pela rabugice) e está sentado com a boca escancarada de dentes esperando a morte chegar. Bem como dizia Rauzito que, certamente, também morreu aos quatorze.



Escrito pela Alê Félix
2, agosto, 2005
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Existe alguma droga contra tédio? Se alguém responder que coragem resolve o problema, terá o IP banido.



Escrito pela Alê Félix
2, agosto, 2005
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Neste domingo, no Guia Leia Mais que foi encartado na Folha de São Paulo e será distribuido em todas as livrarias da rede Siciliano, saiu, entre outros títulos, o livro
Balde de Gelo e o O Jogo do Eu.
Acabei de ver. Agora vou procurar uma outra matéria que, coincidentemente, falam do Marco Aurélio, co-autor do Balde de Gelo. Satisfação dupla.



Escrito pela Alê Félix
1, agosto, 2005
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O prazo para o concurso Capa do Livro Blog de Papel acabou. Obrigada a todos os participantes. Cada um de vocês ganhará um presente da nossa editora, independente do resultado do concurso. Para recebê-lo, basta me enviar um e-mail – ale@alefelix.com.br – com seu nome completo, endereço e telefone pra contato.
Quem perder, também não precisa desanimar. O livro Blog de Papel não deve parar por aqui. Outros autores virão e todas as capas dessa edição concorrerão ao concurso para um segundo livro que esperamos que aconteça. Se você não for o escolhido dessa vez, poderá ser na próxima.
A capa vencedora só será divulgada no dia do lançamento do livro em São Paulo. Antes disso, o único resultado que vocês terão acesso é o da enquete que preparamos. A escolha será feita através dos votos dos autores, o meu e o de vocês. Todos terão o mesmo peso, por isso pensem bem antes de votar. Estou confiando no olho de cada um. Domingo, às 22 horas, somaremos os votos. Depois disso, espero encontrá-los no lançamento.

CLIQUE AQUI, ESCOLHA SUA CAPA E VOTE!

Ah! Por favor, se puderem, gostaria que vcs divulgassem a URL da enquete em seus blogs e pedissem para as pessoas votarem. Assim, a votação será mais expressiva e menos tendencial. Obrigada novamente.



Escrito pela Alê Félix
29, julho, 2005
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