Algumas das lições que meus professores da época da escola tentaram fixar na minha mente foram:
1) vote
2) informe-se
3) questione
Mesmo quando a aula era de matemática, era essa a mensagem que recebíamos no final. Acho que isso aconteceu porque eu estudei, a maior parte dos anos, em uma escola estadual onde os professores eram extremamente politizados. Sendo assim, não tinha como ser diferente. Eles sabiam que, devido às limitações estruturais do ensino, o máximo que podiam fazer pelos alunos era ensiná-los a pensar. O resto dependeria de cada um.
Durante muitos anos eu segui as lições que me foram passadas. Até que um dia aconteceu da lição número três anular as duas primeiras. Isso aconteceu nas eleições de 2002 quando eu decidi não votar, não justificar e dar uma banana para o sistema eleitoral e político deste país. Na época eu já tinha um blog e lembro de ter feito vários posts falando sobre a farsa da obrigatoriedade do voto. Lembro de ter ligado até para o TSE e nem eles sabiam me dizer o que realmente acontecia com as pessoas que ignorassem as eleições. Desde então estou irregular com essa minha obrigação de cidadã e, garanto a vocês, que nenhum bicho papão me comeu. Com o benefício de que me sinto aliviada de saber que não contribuí com o plano de assalto à sociedade dos mocinhos e velhinhos que escolheram a política para se beneficiar do grande esquema da democracia, da grande ingenuidade do povo. Simplesmente não acredito mais na ladainha de que é votando que mudaremos alguma coisa neste mundo. Hoje em dia só acredito que poderá haver mudanças quando a lição número três anular a lição número um – e não somente na minha cabeça, mas na sua também.
A lição número dois foi mais difícil de ser anulada. Primeiro porque a informação mora na nossa casa, bem na frente do móvel que deveria servir para breves momentos de reflexão: o sofá. A gente chega em casa exausto, abre a porta pra ter o mínimo de paz, senta no sofá e, antes que seja possível organizar um tiquinho de idéias, ligamos a televisão, o rádio ou pegamos uma revista que nos bombardeia de informações. E isso não é ruim. Quer dizer, não deveria ser. Não deveria, se realmente os profissionais de comunicação se prestassem a cumprir os juramentos que eles, certamente, fizeram quando se formaram em jornalismo. Não deveria ser se eles não dessem tanta prioridade para as suas opiniões e se não existisse uma coisinha delicada e simpática que me fez desprezar a grande maioria dos meios de comunicação, assim que o descobri: o jabá.
O jabá nada mais é do que um presente, um mimo. Um agrado que as empresas mandam para os jornalistas quando querem induzí-los a escrever sobre seus produtos ou serviços. E como jornalistas – quase sempre – levam muito a sério ética e comprometimento com a verdade, os jabás – quase sempre – viram notícia. O jabá é um exemplo leve e que explica bem como funcionam as pessoas e os veículos de comunicação. Na verdade, políticos (todos) e jornalistas (nem todos) sempre me transmitiram, em essência, as mesmas características de personalidade. Ambos começam suas carreiras por vaidade, necessidade de poder e idealismo. E ambos se tornam facilmente corruptíveis a partir do momento em que o idealismo é obrigado a lutar contra dois monstros tão grandes como o poder e a vaidade. É claro que isto pode acontecer com qualquer profissão, mas neste caso basta um mensalinho aqui para o cara votar ali. Basta um presentinho aqui que alavancamos seus negócios ali. Os presentinhos, eu sei que funcionam muito bem com matérias sem grande destaque, mas sempre me perguntei que tipo de acordo, contato ou presente existe quando a notícia vira matéria de capa. Foi assim que comecei a cagar e andar para revistas, jornais, etc. Foi assim que quase tive um treco quando passei pelo caixa do supermercado e vi a capa da Veja dessa semana: “7 razões para votar NÃO”.
Praticamente nas vésperas do referendo das armas, a principal revista do país decide, ao invés de INFORMAR, colocar em negrito e letras garrafais a “sua opinião”? Fiz uma cara de asco, mas considerei a possibilidade de que já tivesse saído ou sairia na próxima semana uma edição com “7 razões para votar SIM”. Mas aí me perguntei se haveria matéria para tanto e achei que algo estava errado. Enfrentei a minha aversão aos grandes veículos e comprei a dita. Abri antes de chegar no carro, com a esperança ingênua daqueles que esperam o mínimo de decência das pessoas e empresas que acham que têm algum poder. Abri, fui até a página 77 e lá estava novamente: “7 razões para votar não na consulta que pretende desarmar a população e fortalecer o contrabando de armas e o arsenal dos bandidos”. Em seguida – o pior – a confissão cara de pau:
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Nas páginas seguintes, VEJA alinha sete razões pelas quais JULGA correto votar NÃO no referendo sobre o comércio de armas de fogo convocado para o próximo dia 23. O voto no referendo é obrigatório, como nas eleições. O Estado brasileiro vai fazer a seguinte pergunta aos cidadãos: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. VEJA ACREDITA que a atitude que melhor serve aos interesses dos seus leitores e do país é incentivar a rejeição da proposta de proibição. O sucesso de uma consulta popular deriva, antes de mais nada, da correção e da honestidade da questão a ser respondida pelos cidadãos. A pergunta que será feita no referendo das armas é um disparate. Ela ilude o eleitor. É uma trapaça, pois, mesmo que o SIM vença por larga margem, “o comércio de armas de fogo e munição” no Brasil vai continuar. |
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Grifos, negritos e maiúsculas foram feitos por mim.
Há uns dez anos eu tirava sarro da cara das pessoas que passavam a semana repetindo as notícias lidas durante o fim de semana. O assinante recebia uma VEJA da vida no domingo e saia repetindo as matérias para os colegas como se as opiniões dos jornalistas das revistas fossem dele, como se ele nunca tivesse visto aquilo escrito antes e como se tivesse pensado sozinho sobre todas aquelas questões. Era como se o cara carregasse uma faixa estampada na testa dizendo “Eu não penso, a Veja pensa por mim!”. Arght!
Ontem à tarde terminei de ler a matéria me perguntando quem é a “VEJA”; quem é a entidade “VEJA”, que acha que a gente precisa tanto assim de sua opinião; quem é a “VEJA”, que acha que sabe o que é melhor para o país. Quem é a “VEJA”? Ela é o jornalista Jaime Klintowitz, que assinou a matéria? É o senhor Eurípedes Alcântara, diretor de redação? Ou é o redator chefe Mario Sabino? Ou a “VEJA” seria alguém acima destes pobres funcionários com cargos bacanas? Nada contra essas pessoas, mas, se é pra eu levar em consideração a opinião de alguém, eu quero saber quem é a figura! Ou seriam as figuras? Figurões? Da editora Abril ou alguém de fora, interessado em continuar vendendo doces para as crianças? Quem é a “VEJA”, afinal? Quem é a “VEJA” que acha que deve opinar – ao invés de informar – em casos como este que são tão complexos? Se eu votar NÃO e um dia meu sobrinho morrer baleado pelo coleguinha da escola que encontrou a arma que o pai guardava dentro da gaveta, posso culpar a “VEJA” por ter induzido a população a manter armas de fogo por hobby? Quem é a “VEJA”? Por que eu devo acreditar que essa matéria está mais preocupada com a segurança da população do que com os cofres da indústria de armas? Quem me garante que esta matéria não é mais um tipo de acordo entre indústria e veículo de massa? Por que eu devo acreditar que há correção e honestidade nessa matéria? Quem será que está iludindo quem? Quem está trapaceando? Que interesses existem por trás de uma matéria tão explicitamente posicionada? Pelo menos uma resposta me parece clara: todos nós vimos, neste domingo, que revista e jornalistas não estão cumprindo com a ética e com o dever.
Engraçado, quem diria que a lição número dois me faria rever minha posição sobre a lição número um? Eu já estava em dúvida sobre a minha posição diante do voto nesse tipo de caso, mas, depois dessa, vou regularizar meu título de eleitor. Somente para este referendo, mas vou. O bom é que, quando eu decidi não votar mais, todo mundo me disse que eu pagaria uma fortuna em multas para regularizar meu título, além do mico e blá-blá-blá. Agora, pelo menos, vou poder contar para vocês como é simples não votar quando acharmos que não devemos votar e votar, quando acharmos que devemos votar.
Quanto à VEJA (quem quer que seja a “VEJA” e a quem quer que essa entidade se submeta), ou ela é uma revista burra ou deve achar que seus leitores são burros. Obviamente, a vaidade e necessidade de poder deles me faz acreditar que a segunda opção é a correta. Isso me faz lembrar de duas frases: “o problema de quem tem poder é achar que terá poder para sempre.”, dita por maridon. E outra que um dia eu emendei à dele: “é só a gente parar de pagar e comprar coisas dessa gente que esse tal de poder vai para o brejo rapidinho, rapidinho.”. Pobres assinantes…
Escrito pela Alê Félix
2, outubro, 2005
Geraldine namorou poucos rapazes, começou tarde. Antes dos dezessete anos usava aparelhos nos dentes, não tinha bom senso para vestir-se e não depilava o buço. Bigoduda, não havia garoto que ousasse imaginar seus lábios na hora do deleite manual.
Foi somente depois das férias com a tia Cacilda, que a garota descobriu-se feminina. Para a surpresa de todos, ela voltou da capital renovada, com requintes e gestos de mulher feita, a depilação em dia, a pele hidratada, os dentes alvejados e os cabelos ao vento. Não demorou muito para os rapazes da cidade começarem a cortejá-la. Aos poucos, Geraldine deparou-se com os homens, os prazeres e a realidade sobre o sexo e a vida: beijou o primeiro com a mesma emoção de um nascimento, namorou o segundo com a paixão ingênua dos adolescentes, transou com o terceiro com a insegurança romântica das grandes iniciações e foi traída pelo quarto namorado com a própria tia Cacilda, em sua própria casa. Experiência mais do que traumática para que a garota voltasse ao guarda-roupa ridículo e parasse de se torturar com a pinça e a cera quente.
Geraldine passou nove meses e meio odiando os homens e a natureza sádica que enxergava neles. Até que, um dia, conheceu Silmara, a dona do instituto de depilação a laser e especialista em anestésicos e mulheres que haviam perdido a fé na heterossexualidade. Depois de cinco sessões de extrações a laser, Geraldine descobriu que gostava mais de carinho do que de sexo, mais de conversar do que adivinhar, mais de fantasias do que de invasão, mais de confissões do que de segredos, mais de amor e, cada vez menos, de perder o controle sobre os seus sentimentos. Seis sessões depois, Geraldine e Silmara assumiram o namoro e viveram felizes e sem pêlos para sempre.
Escrito pela Alê Félix
29, setembro, 2005
Estacionei o carro em frente a casa da Marilu e toquei o interfone…
– Quem é?
– Eu…
– Já estou indo.
– Tá.
Mesmo depois da construção dos muros e das paredes internas, eu adorava aquela casa, minha segunda casa. Talvez, ela fosse a única coisa planejada na vida da Glória e da Marilu, o único lugar que fazia as duas refletirem e se unirem. Quando ela foi construída todos os cômodos eram abertos, só os banheiros tinham paredes e, mesmo assim, sob protestos da Marilu. Os muros altos da entrada foram levantados depois que a Glória e o Jorge se separaram. Surtado com a separação, ele tentou invadir a casa duas vezes. Como aquela não era mais uma época de paz e amor, Glória decidiu que era hora de estabelcer limites.
Os pais da Marilu eram hippies quando se conheceram. Foram apresentados em São Tomé das Letras, engravidaram em Arraial D’Ajuda, casaram em Trindade e pariram a Marilu no centro de São Paulo. Poucos anos depois, presos a realidade, eles se perderam. Seu Cláudio, o pai da Marilu, dizia que ninguém devia casar com o primeiro namorado, muito menos casar antes dos vinte anos. Não era difícil deduzir o porquê. Jovens, cheios de certezas e com um bebê não programado, eles fizeram o que puderam, mas não foi nada fácil. Pior ainda com uma filha como a que tiveram… Foram anos de rebeldia desnecessária tentando chamar a atenção dos pais, dos amigos, dos amores, de deus e o mundo. Ninguém era capaz de entender porque a Marilu se metia em tanta encrenca. Ela era forte, segura, bonita, inteligente, não precisava ter exagerado tanto. Quando o pai dela morreu, nós achamos que ela mudaria ou que, ao menos, pararia com as drogas mais pesadas. Foi uma pena o Cláudio ter morrido tão moço… Apesar das brigas, eu sabia o quanto a Marilu o admirava, o quanto precisava ter se entendido com ele. No dia do enterro, ela simplesmente desapareceu. Fez as malas e viajou sem avisar ninguém. Deixou apenas um bilhete colado na geladeira. Uma semana depois, tocou a campainha da minha casa aos prantos. Ela era assim… Precisava rodar o país pra conseguir superar suas angustias para depois voltar pra casa e chorar em paz as suas perdas. Desde a morte dele, tanto ela como a Glória haviam mudado muito… Elas e a casa que sempre fora o cenário perfeito para os melhores dramas da nossa adolescência.
Enquanto eu esperava minha amiga olhando aqueles muros altos e lembrando de tudo o que passamos juntas, eu me perguntava sobre os propósitos do destino de cada um de nós. E me deparava com o fato de que, talvez, fosse necessário alguém morrer para percebermos que precisamos aproveitar melhor nossas vidas. Talvez, todos os encontros e desencontros tivessem que ser vividos com mais tranqüilidade. Todas as separações, frustrações, todos os sentimentos de raiva, ciúmes, ódio… Nada daquilo deveria ser levado tão a sério. Talvez, o caos fosse necessário para que pudéssemos aprender a organizar as coisas na nossa cabeça, a nossa volta…
E eu só queria saber por onde começar… A impressão que eu tinha é que, quanto mais eu me mexia, mais estrago fazia. Não queria ter me separado do clone a poucos meses do raio do casamento. Odiava a idéia de que, se eu não tivesse insistido para o ex ir comigo naquela merda de festa, ele nunca teria conhecido aquela maldita flautista ajeitada. Como eu queria que, ao menos, ela fosse feia… Que, ao menos, tivesse uma profissão normal! Tinha que ter tantas afinidades com ele? Por que ela não era secretária, contadora, médica? Não, de jeito nenhum, tinha que ser musicista e, pra piorar, musicista de um instrumento fálico que devia causar curto circuito na cabeça pornográfica daquele imbecil do meu ex-namorado. Como eu odiava ainda pensar nele… Talvez, tudo aquilo servisse pra me levar a algum lugar melhor… Sim, melhor, bem melhor! Porque pior do que ter sido trocada por uma flautista, me iludido com um adolescente de tetas e rompido um casamento com aquele pão duro do clone, não era possível que ficasse.
– Alê!
– Iu! Onde você estragou esse cabelo?
– Em Roma, minha querida!
– Louca…
– Cansei da minha cara loira… Entra, vou pegar minha bolsa e a gente já sai.
– E aí você decidiu ter uma cara pink?
– Era pra ter ficado meio ruivo, mas eu errei nas misturas.
– E eu aqui pensando que a sua sanidade estaria sob controle…
– Caretice, caretice… Santa caretice! Você sabe que vai morrer com esse papo furado, não sabe? Você é o tipo de pessoa que poderia fumar, beber, cheirar, transar, se meter nas maiores roubadas que, mesmo assim, vai morrer careta. Não está na sua raiz compreender essas necessidades de mudança, Alezita.
– Eu transo…
– Bah!
– E desde quando essas coisas estão na cor do cabelo da gente?
– Se você não tem coragem nem para mudá-lo…
– Você ainda acredita no que diz?
– Até mudar de opinião.
– Hum… Poís eu acredito, sem a menor chance de um dia mudar de opinião, que rebeldia é não entrar na moda. É não precisar se melecar de tinta só porque todos estão se melecando… É assumir, curtir a raiz e não disfarça-la. Além do mais, embora eu esteja falando de rebeldia e não de couro cabeludo, você sabe muito bem que eu nunca faria o meu cabelo pagar o pato pelas minhas necessidades de mudança. Isso é coisa de mulherzinha desmiolada. Como você é, não como eu sou.
– Ai, ai… Saudade de você minha amiga careta. Foi uma pena você não ter ido com a gente.
– E deixar o meu trabalho milionário para passar um mês com você e a sua mãe embaixo do mesmo teto? Nem pensar! Falando nisso, cadê a sua mãe?
– Tomando banho. E vamos embora logo antes que dona Glória saia do banheiro e roube você o resto da noite.
– Saudades dela…
– Ah, não Alê. Hoje eu não quero ficar em casa não. Me ajuda a procurar a droga da minha bolsa e a gente sai de uma vez.
– Por que você sempre perde a sua bolsa?
– Olha só quem fala…
– Ok, ok… Apaga.
– E você? Me conta. Ainda na Teletel?
– Anran…
– Achei que dinheiro nenhum te faria acordar as seis da manhã…
– Eu também achava, mas descobri que a minha judia-pós-guerra é capaz de controlar até o meu relógio biológico.
– Esse seu medo de morrer pobre não tem o menor cabimento…
– Não é morrer pobre, é morrer na miséria. Já disse um milhão de vezes que a pobreza não me assusta. Acho até construtiva quando encarada como um estado temporário. Mas, enfim… O videotexto me trouxe muito mais problemas do que acordar cedo, ou ter que lidar com o meu inferno pessoal.
– Ainda viciada nesse negócio de conhecer gente sem cara pelo computadorzinho?
– Sendo gente…
– Até o dia que você encontrar um louco e…
– Achei!
– Anh?
– A sua bolsa, infeliz! Os loucos eu não preciso encontrar, eles estão por todos os lados.
– Que bom. Vamos embora.
– Vamos… Eu preciso beber alguma coisa.
– Que história foi aquela de casamento?
– Vamos, eu conto no caminho para o Tombaqui.
– Ótimo, assim você me conta do seu pedido de casamento e eu te conto do meu.
– O quê??
Digam o que quiserem, entre as mulheres, o assunto número um é a relação da vez, o assunto número dois é universo masculino e o assunto número três é fofoca sobre outras mulheres. Nem todas as mulheres são assim? Pode ser. As feias, as cansadas, as recém casadas e as mal amadas falam também da empregada, dos filhos, da vidinha profissional, da vidinha na faculdade e das coisas que passam na TV. Algumas, um pouco mais chatas, querem parecer inteligentes e passam a vida buscando assuntos diferenciados que giram giram e dizem mais sobre elas do que qualquer outra coisa que valha. Falar sobre os encontros e os desencontros é a diversão predileta de qualquer mulher. Principalmente das que sabem se divertir.
Esse era um dos discursos da Marilu… Um dos discursos que fazia com que as mulheres, normalmente, gostassem muito pouco dela. E, naquele momento, quando vi que a minha amiga mais solteira e mais adorável, podia casar, algo me dizia que, talvez, dali pra frente, nossas vidas nunca mais fossem as mesmas.
———————>> Continua.
Clique aqui para ler o Post I – O começo de toda a história do videotexto
Escrito pela Alê Félix
24, setembro, 2005
Eu andava me sentindo um trapo envelhecido jogado num baú de quinquilharias… Andava, estou sarando. Sabe aquela sensação de acordar de manhã e sentir vontade de quebrar o espelho? Não sabe? E aquela tristeza que a gente sente quando o ziper da calça não fecha mais? Também não sabe, ô magrela? Sensação de ter sido trocada (o) por uma pessoa ridiculamente mais feia que você? Também não sabe? E lá lá, que vida mais sem adrenalina… Dia seguinte do maior porre da sua vida? Lembrou? Você não bebe? Ai meu saquinho… O cabeleireiro fez merda no seu cabelo e você acha que ele nunca mais voltará a ser o que era antes? Não ainda? Putz! Oh gente feliz… Você tropeçou, caiu um dente da frente, você tem um encontro bacanão e a secretária eletrônica do seu dentista te informa que ele morreu há duas semanas? Azar demais? Caiu um dente e você está completamente arruinada (o) de grana? Hum, sei… Você não faz idéia do que é passar uma temporada com o pé na miséria? Rabo é rabo, não é mesmo? Deixa eu ver… Sensação de que você está tão visivelmente velha (o) que qualquer tiozinho desconhecido anda te chamando de senhora (o)? Anran, você tem menos de vinte anos é? OK, eu desisto de escrever o que eu ia escrever, voltei a me sentir um cocozinho. Ando sensível… Sensível, trabalhando como uma retardada na parte chata da editora e fazendo das tripas o coração para o Blog de Papel e o Malvados (parte boa da editora) estarem prontos no lançamento, dia 12 de Novembro, na Feira do Livro de Porto Alegre. É isso. Fui. Adeus.
Ah! Antes que eu esqueça, nada dessas coisas aconteceram comigo nos últimos dias (a não ser o fato de me sentir um cocozinho e ser chamada de senhora sempre que boto o nariz na rua), assim como eu não quis dizer que estava incomodada com o fato de ter um montão de pessoas na lista do orkut. Eu gosto que as pessoas que passam por aqui, estejam lá. Foi só uma pirada com essa coisa de não conhecê-las e de ter um pouco de dificuldade de estreitar essas relações. Ando confusa. Sempre fui, né? Ok. Ok… deixa pra lá.
Escrito pela Alê Félix
22, setembro, 2005
Não sei o que me deu ontem a noite… Eu estava no Orkut vendo minha lista de amigos desconhecidos e me senti extremamente ridícula. Eu sei que aquela quantidade de pessoas é fruto do blog e que isso é até legal, mas mesmo assim foi esquisito. Deu uma sensação de idiotice misturada com vazio, solidão. Quando eu vi, já estava me sentindo com uma placa de loser estampada no meio da testa, sabe? Tá, ok, eu sou encanada e tenho desses surtos que vão e vem. Sou eu que vivo afastando as pessoas, fazendo careta e dizendo que não gosto de ninguém. Eu sei… Mas, vamos cair na real, não há nada mais patético do que ter um milhão de “amigos”. Principalmente quando a gente não faz a menor idéia de quem eles são. Lembrei do Rube (maridon) dizendo que se a gente tem mais amigos do que dedos em uma mão, nós não temos nenhum.
No meio da paranóia lembrei do Clodovil e do que eu disse sobre ele há alguns bons anos. Para mim, era óbvio que uma pessoa arrogante e carregada de raiva existencial tivesse o comportamento agressivo que ele tinha. E também era óbvio que o final de alguém assim, seria se dar mal para aprender a pedir desculpas e dizer qualquer coisa que não fosse destrutiva. Lembrei do meu avô que morreu tentando resolver a relação com os filhos e da Yara que passou o resto dos seus dias, depois do câncer, correndo atrás dos amigos. Lembrei da minha avó de noventa anos que é forte como um touro, mas liga pra Deus e o mundo pedindo perdão – na véspera do aniversário – só porque ela acha, todo ano, que aquela será sua última comemoração. Detalhe: ela começou a fazer isto aos setenta e cinco anos, hoje em dia ela tem noventa e, mesmo assim, o ritual se repete anualmente. Lembrei do post abaixo, lembrei das pessoas que eu gosto sem que elas saibam o quanto eu gosto. Lembrei que, na semana passada, meu irmão me fez, sem querer, uma das declarações de amor mais bonitas que eu recebi na vida e que, ouvir aquilo, mesmo que eu tenha fingido que não ouvi, mudou a cor do meu vínculo com ele.
Com tudo isso na cabeça, acabei tendo a infeliz idéia de escrever testemunhos para as pessoas que eu conheço, gosto, para aqueles que eu sinto algum carinho, admiração e para os meus dedos da mão. E que coisa bizarra… Segui pelo alfabeto, ainda estou na letra G do raio da lista do Orkut, mas já estou morrendo de vergonha de ter começado com essa idéia babaca. Vou deletar tudo já já, eu sei. Definitivamente não lido bem com essas coisas de dizer o que eu sinto. Deletarei tudo, mas não antes de completar o alfabeto. Não vou fazer como o Clodovil, meu avô, minha avó e a Yara. Não vou esperar que a vida me faça tomar no cu para que eu abaixe a minha bola e seja menos estúpida. Na pior das hipóteses farei a contagem dos amigos de verdade… Ou não, se eles passarem de cinco.
Escrito pela Alê Félix
17, setembro, 2005
Eu e meu pai sempre discutíamos quando o assunto era política. Mais especificamente, Paulo Maluf. Semana passada, quando eu soube da prisão, liguei pra ele para sacaneá-lo. Liguei em casa, a Quitéria atendeu, eu perguntei se meu pai estava, ela disse que não, ela perguntou se eu queria falar com a minha mãe, eu disse que não, conversamos um pouco e, em seguida, desligamos. Minutos depois eu sai e só voltei no fim do dia. Quando cheguei, uma tonelada de recados dele e da minha mãe me esperavam na secretária eletrônica. Eu não entendi o porquê de tanto desespero e liguei de volta perguntando o que havia acontecido. Ele atendeu e parecia preocupado. Quando eu disse que só tinha ligado pra dizer que o Maluf tinha sido preso, ele disse que já sabia e perguntou se a ligação era só pra falar sobre aquilo. Eu disse que sim e senti um certo desapontamento no tom de voz. Ignorei o tom de voz e desligamos o telefone depois das perguntas e respostas de praxe.
Com o telefone no gancho, voltei a pensar sobre o tom de voz… Só então percebi que aquela era a primeira vez que eu havia feito uma ligação para falar com meu pai e não com a minha mãe, ou com os meus irmãos. Só então eu percebi porque ele havia retornado a ligação tantas vezes, se preocupado… Passei o resto do dia pensando sobre essas relações familiares que mantemos mal resolvidas por achar que ignorar é mais simples. Fiquei pensando sobre pais, filhos, identificação, aceitação, imitação de comportamento, rebeldia, sobre como deve ser a relação de pai e filho dos Maluf, me perguntando sobre o que os dois conversariam presos na mesma cela e sobre o que, eu e o meu pai, conversaríamos se, um dia, fossemos obrigados a passar mais do que alguns segundos falando sobre amenidades.
Como é que a gente constrói uma ponte entre duas montanhas que nunca sairão do lugar e que são separadas por um abismo tão grande?
Questionamentos à parte, como lá em casa a gente não perde a piada…
Henrique, meu irmão, sobre o caso Maluf:
Bem que o Maluf podia ter sido preso pela Rota.
Apresentação (espetacular!) do Marcelo Médici na Terça Insana, no Avenida, onde ele faz um ex-presidiário e comenta o que os detentos disseram quando o Maluf foi preso:
Hum, adoro comida árabe…
Escrito pela Alê Félix
15, setembro, 2005
Que a estrada seja longa,
Que a paisagem nunca deixe de impressioná-lo,
E que olhar pelo retrovisor seja sempre motivo de saudade.
Escrito pela Alê Félix
15, setembro, 2005
– Uma festa, oras bolas! Uma festa para comemorar o dia dos namorados.
– E quem aqui namora, eu posso saber?
– Acorda, Voadora! É por isso mesmo que vai se chamar festa dos incompetentes no amor. Uma festa para celebrarmos a liberdade, a amizade, a galinhagem e toda a nossa incompetência para namoros estáveis.
– Duvido que o seu Manuel libere o Fofão…
– Não agoura, Alê. Não agoura…
– Cara, ele tem que liberar! A festa já tem nome, mulheres… Só falta bebida e um lugar.
– Já vi tudo… Festa no Fofão era o que faltava.
– Que festa? Posso saber o que estão a tramar agora?
Seu Manuel nos pegou de surpresa e não estava para brincadeira. Também, não era pra menos. Seria pedir demais que, depois da presepada da delegacia, ele ainda fosse liberar as chaves da sucata de dois andares que ele mantinha escondida nos fundos da padaria. Ninguém sabia direito como diabos aquela imitação de ônibus inglês tinha ido parar lá. Zarolho contava a história de uma aposta entre o seu Manuel e o prefeito Jânio Quadros. Dizia que, graças a uma feliz coincidência e depois de um grande porre, o prefeito foi salvo pelo português de uma tremenda saia justa. Agradecido, ele o presenteou com seu maior sonho de consumo. Seu Manuel negava a história. Esbravejava dizendo que o ônibus era uma réplica montada a duras penas e que ele nunca na vida conhecera pessoalmente o prefeito. A construção da réplica seria uma boa desculpa se não fosse o fato de que ele escondia o Fofão como se fosse um cadáver no armário. Da noite para o dia o trombolho de dois andares apareceu no terreno que fazia fundos com a padaria, da noite para o dia os muros do campinho onde brincávamos foram levantados e transformados em uma garagem secreta. Seu Manuel bem que tentou escondê-lo de nós, mas com o Zarolho trabalhando pra ele e sendo nosso amigo, foi impossível. Depois de alguma resistência, o português acabou mostrando a relíquia pra nós, mas, por um bom tempo, fez um por um jurar segredo. O que nos fazia crer que, naquele mato, realmente havia coelho.
– Contem de uma vez! Que caras de palermas, são essas?
– Fala de uma vez, Zarolho…
– Sabe o que é, seu Manuel? A gente estava aqui pensando e… E sabe como é, né? Tem umas meninas novas por aí… E a gente estava pensando em uma festa…
– Não senhores. Não essa noite. Eu não sou pai de vocês por isto não vou aplicar nem sermão, nem chineladas que era o que todos precisavam. Mas, hoje, do bairro ninguém sai. Se quiserem ficar conversando no terreno atrás da padaria, tudo bem porque assim eu fico de olho em vocês. Caso contrário, esqueçam.
– Mas Seu Manuel… Ops, OK.
Às vezes não era necessário nenhum esforço pra convencer o seu Manuel…
– E sem “mas”. Vocês acham que são muito espertos, mas a mim vocês não enganam. Vocês deram muita sorte do delegado não prender o Oliveira por vandalismo, bestice, agressão e idiotice!
Seu Manuel devia ser a única pessoa do planeta que chamava o Zarolho por um dos seus nomes. Talvez porque “Oliveira”, fosse também um dos sobrenomes do português, talvez porque era o jeito dele de dizer que o considerava como se fosse um filho, talvez…
– Também não precisa humilhar, seu Manuel.
– Preciso sim! Você não é mais criança, rapaz! É um homem e tem que agir como tal. E vou dizer mais uma coisa: vocês podem ter escapado, mas não estão livres de serem punidos. Quero os cinco, às seis da manhã no refeitório do albergue. Estamos com mais quatro indigentes hospedados e a cozinheira terá que faltar amanhã.
– Seis da manhã! Pra fazer o quê?
– Criar vergonha nessas caras! Principalmente você, Alessandra. Depois do que você fez pela Maria deveria dar o exemplo e não estar em uma delegacia uma hora dessas.
– …
– E não me faça essa cara. Não foi culpa sua o que aconteceu com ela.
Que alivio… Era a primeira vez que ele falava comigo depois do sumiço da Maria dos Pacotes. Mesmo sabendo secretamente que ela nunca mais voltaria a vê-lo e me sentindo culpada por isso, o perdão dele já me confortava.
– Eu não tenho como ir não, seu Manuel. Amanhã tem muito pãozinho pra fazer porque é domingo e…
– E o senhor estará no albergue para preparar o café da manhã. Aqueles pobres são mais importantes do que o povo do bairro.
– Eu vou independente do horário. Pode contar comigo.
– Fala isso, porque você não dorme, Alê! Pó, eu tô acabadão. Foi um dia terrível… Puxado.
– Não quero conversa. Se estiverem cansados tratem de ir para casa e durmam. Não queriam ir a uma festa? Se estiverem dispostos para uma festa, precisam estar dispostos para o trabalho. Principalmente para o trabalho voluntário.
– Sermão…
– Vão, vão logo se divertir. Amanhã quero todos ajudando no albergue. E ai de vocês se atrasarem. O pai e a mãe de cada um vai saber o que aconteceu essa noite.
– Pai e mãe é sacanagem, português!
– A escolha é de vocês.
– A gente pode usar o aparelho de som do Fofão?
– Podem, mas já sabem: quero o ônibus encerado no dia seguinte.
– Uhu!
– A propósito…
O português abriu a porta do carro, abaixou-se até o porta-luvas e…
– Que diabos é isso, Oliveira?
Olhamos para a cara do Zarolho esperando uma resposta que explicasse o porquê daquele ovo preto que estava nas mãos do seu Manuel…
– Eu achei isto daqui lá nos fundos da padaria. O senhor pode me dizer do que se trata?
– Que desgraceira é essa, Zarolho?
– Desde quando galinha deu pra botar ovo crioulinho?
– Afe! Um ovo preto.
– É pintado!
Zarolho riu meio sem graça…
– É o ovo negro… Tá preto de canetinha preta… Mas eu juro que nunca fiz isso antes, seu Manuel! E não adianta vocês me olharem com essas caras de quem viu uma aberração! Podem dizer o que quiserem. Nos anos anteriores, no dia dos namorados, eu não saia pra tacar ovo em ninguém. Eu ia ao cinema, caramba! Eu juro!
– Então que ovo é esse Zarolho?
– É que na semana passada, no Dancing, eu pedi a Aninha em namoro…
– Aninha, a virgem?
– Dobra sua língua pra falar da Aninha, Voadora!
– Ei, relaxa! Vai ficar puto por quê? Ela está namorando o Ramon, seu filhote de cruz credo. Briga com ele e não comigo.
– Eu sei, eu sei… Foi por isso que eu deixei este ovo no sol. Pra ele ficar bem fedido e estalar na cabeça daquele banana antes que eles saíssem pra comemorar o dia dos namorados.
– Anh??
– Ah… Por isso que você marcou o danado com canetinha… Pra não misturar com os outros ovos. Entendi… Esse era o premiado… Meu querido, você é um gênio!
– Gênio uma ova, dona Marilu! Não quero vocês aprovando traquinagem um do outro. Você não tinha nada que fazer isso com o Ramon e com a Aninha, Oliveira! E eu já estou cansado dessas suas crises de rebeldia. Desse ano não passa a mudança do seu nome! Já falei com o advogado, mas ou você toma jeito ou não conte mais comigo nessa sua vida, rapaz!
Zarolho, o Um Dois Três de Oliveira Quatro, arregalou os olhos. Todos nós arregalamos os olhos… Enfim, o Zarolho mudaria o que mais lhe incomodava, o próprio nome.
– O senhor está falando sério?
Sim, ele estava. E, mesmo bravo com tudo o que havia acontecido naquela noite, ele sacudiu a cabeça afirmativamente, sorriu um meio sorriso com o canto dos lábios e tascou um peteleco na cabeça do Zarolho enquanto se abraçavam… Um abraço, um peteleco e uma ovada curtida no sol.
– Pô, seu Manuel! Logo com o ovo negro… Merda, meu cabelo vai feder durante um mês.
– Credo! Fedor…
– Melou seu esquema com as meninas do vôlei, hein Zarolho?
– Peraê, se o Zarolho não vai mais se chamar Um Dois Três de Oliveira Quatro, vai se chamar como?
– Vai se chamar Zarolho, ué!
– Deixa de ser ridículo, Ivo! Deixa o cara falar o nome…
– Eu conto pra vocês depois. Tem um nome que eu sempre quis ter. Vou pra casa tomar banho e vocês vão arrumando as coisas pra festa. Fui.
——————————–Continua.
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Escrito pela Alê Félix
13, setembro, 2005