Aí ele olhou pra mim e disse: “Eu te amo, mas não sou mais apaixonado por você”.
Uma navalha cravada no peito doeria menos… Fiquei em silêncio enquanto ele falava que não podia abrir mão da paixão, que ele havia descoberto que amor e amizade são sinônimos, que depois de tantos anos era como se fôssemos irmãos.
Não abri a boca pra dizer palavra, não conseguia mexer um músculo sequer. Os olhos fixos na pia… No escorredor de louça, no jogo de facas que a tia Zulu me deu no Natal. Eu tinha acabado de tirá-las da maleta para lavar e guardar no armário da cozinha. Facas… Uma facada no peito, a dor das lembranças, da desconfiança que me atormentava nos últimos meses, a intuição do fim, o cheiro de uma nova mulher, a voz dele cortando em pedaços o meu corpo.
E ele não parava de falar, e de justificar, e falar, e falar, e falar. Quis que ele morresse… Enviuvar seria mesmo a melhor coisa. Queria o consolo da família dele, queria não precisar mudar novamente de endereço, queria a tristeza de um fim sem rejeição. Veneno… Só mais uns dias comendo da minha comida e bum!
Você acha que eu não teria coragem de matar alguém lentamente? Claro que teria. Meu único medo seria esperar pela autópsia, esperar pelo veneno certo, esperar alguns meses para me livrar das lembranças. Rastros, como é difícil não deixar rastros. Quis muito que ele morresse, você não imagina.
Sabe, eu acho que homem só fala demais quando não vê a hora de ir embora, quando tem culpa no cartório… Eu fui uma mulher exemplar pra ele. Não cometi metade dos erros que cometi com você. Não o traía, não o manipulava, não o imitava quando ele virava as costas. Não que eu o amasse mais do que te amei, mas ele não bebia como você, não me roubava. Achei que, depois do que eu vivi ao seu lado, nunca mais teria que passar por isso… Nunca mais me apaixonaria, nunca mais me fariam sofrer.
Você precisava ver a cara dele… E eu só pensava nas facas. E uma só bastaria! Uma só, enfiada naquela boca que não parava de me matar.
Lembrei de uma Kruki que você me deu de presente no nosso primeiro ano de casamento. Lembra? Nem pra dar presente você servia… Egoísta! Colecionava armas e me deu uma faca do Batalhão de Selva Gurkha de “presente”. Uma raridade que mal deu pra ajudar na mudança quando eu decidi sair dessa cidadezinha de merda. E eu não acredito que estou aqui de volta… Lâmina de aço carbono, alto teor de carbono! Bastante resistente, tanto para cortes de madeira como de ossos… Hahaha. Só rindo pra não chorar, não é mesmo meu amor? Sabe que senti sua falta esses anos todos? Não, ele não conseguiu fazer com que eu esquecesse você completamente. No dia a dia sim, mas na cama eu sempre lembrava de você. E aí, um belo dia, ele diz que não sente mais paixão… E desde quando ele sentiu? Frio, racional, contador! Desde quando contadores sentem paixão? Passou a vida contando dinheiro dos outros aquele infeliz… Se ainda fosse o dele! Anos vegetando naquele escritório de merda e, de repente, decide viver a vida intensamente. Idiota…
Eu queria ter tido filhos, sabe? Talvez, com filhos em casa, eu não tivesse feito o que fiz quando ele disse que ia me deixar… Talvez eu tivesse conversado, pedido mais uma chance. Mas só fiz deixar ele falar, falar, falar… Pensei nas facas, no veneno, pensei em fatiá-lo, cozinhá-lo, dar as entranhas pra cachorrada lá do sítio comer e enterrar o restante dele aqui, junto de você.
Não, eu não o trouxe comigo… Só consegui sair daquela cozinha no dia seguinte… Bem depois dele arrumar os trapos e ir embora, morar com a amante. Tanta coisa que eu podia ter feito e não fiz nada.
Foi você quem me tirou daquele estado de catarse, sabia? Eu poderia ter morrido naquela cadeira. Poderia ter passado dias ali, que ninguém sentiria minha falta. Enquanto estava lá, me dei conta de que eu não tenho ninguém… Nem família minha, nem a família dele que eu cheguei a acreditar que eu tinha ganho, nem amigos, nem nada.
E eu devia ter dado um lugar melhor do que esse buraco pra você, sabia? Nem ajoelhar nesses pedregulhos dá. Espero que me desculpe… Não dava pra enterrá-lo num cemitério, com cova certa, lápide… Mas que diferença faria? Você também não teria visitas.
Antes de vir pra cá eu pensei em trazer as facas que a tia dele deu de presente e dar fim na minha vida também, sabe? É que esse negócio de viver dói demais da conta. Dor de cotovelo, então… Vixe, como dói! Mas eu não queria morrer por morrer, sabe? Não sem dar um susto naquele infeliz… Pensei em escrever uma carta, contar pra ele de você e pedir que enterrassem nós dois juntos num lugar decente. Ele ficaria surpreso de saber que eu já fui casada, que já fatiei um marido, que nunca fui a santinha que ele achava quando me conheceu naquela fila pra tirar documentos. Seria engraçado… Mas aí eu lembrei que o tonto, por dó, deixou a casa pra mim. Quer saber? Eu já matei um, já fui traída por outro, cansei dessa coisa toda sanguinolenta que é o amor. Vou voltar pra minha casa…
Ouvi dizer que a escola lá perto vai abrir supletivo… Talvez, eu volte a estudar. Sempre sonhei em ser médica anestesista, sabe? Ajudar as pessoas…



Escrito pela Alê Félix
23, dezembro, 2005
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– Quantos anos de casada?
– Quinze! Dá pra acreditar?
– Hoje em dia é um caso raro…
– E fiel!
– Isso é realmente um caso raro. E os seus filhos?
– Lindos… São o que eu fiz de melhor na vida.
– Você é linda…
– Por favor, não me toque assim.
– Do que tem medo?
– Eu não sei… Eu…
– Relaxa…
– Mas e se…
– Não vai acontecer nada demais… Você mesma disse que seu marido também tem uma amante. Há quantos anos ele não toca seu rosto desse jeito? Seu rosto… suas mãos, braço, ombros, nuca…
– Pare, por favor. Ele nunca deixou que eu soubesse daquela mulher. Só soube porque mexo nas coisas dele, porque não consigo me controlar.
– Então… Vem aqui…

Saliva… Há tempos não sentia gosto de saliva misturada na minha. Ele beija bem… Tão bem quanto agarra na medida certa, entre a dor e o carinho. Minha blusa… Tão fácil tirá-la. Como ele consegue fazer isso? Qualquer um faria… Escolhi a dedo na loja: decote, zíper na frente para que ele se sentisse provocado pela facilidade; cor de rosa, porque meu marido um dia me disse que era o tom que melhor cobria a minha pele. O que é que estou fazendo com meu casamento? Merda… Merda? Quando foi que eu comecei a falar palavrões desse jeito? Merda não é palavrão… Deixa de ser pudica. Palavrão é caralho, buceta, porra…

– Como você é gostosa…

Deus do céu, se ele disser isso outra vez eu desmaio… O que está acontecendo comigo? O que estou fazendo? Meus filhos… Merda! Culpa maldita. O Roberto não merece isso… E eu amo aquele filho da puta. Ele também me ama… Nunca deixou faltar nada em casa, sempre foi bom pai, trabalhador… E trepa com aquela vaca! Vaca, vagabunda, sirigaita de uma figa! Ele merece sim. Não… não chora. Não vai chorar agora porque isso seria ridículo. As crianças entenderiam… Segura essa lágrima. Elas entenderiam que não estou fazendo isso por mal, que só quero me sentir mulher novamente… Mas por que essa necessidade depois de tantos anos? Ah, esse desejo todo que ele demonstra por mim… Ele… Mas quem é ele? Deus do céu, preciso de um tempo… As crianças entenderiam que eu mereço ser feliz. Mereço ser feliz, mereço ser feliz, mereço ser feliz…

– Não. Não posso… Pára! Desculpa… Eu não consigo. Não posso fazer isso com meus filhos, meu marido… Não posso fazer isso comigo mesma.
– Cala boca.
– Anh? O que…? Por favor, pára com isso. Eu não quero… Estou pedindo pra parar.
– Já falei pra calar a boca, vadia!

O medo que me excitava e deslizava sobre a minha pele, imobilizou o meu corpo. Os fluídos se transformaram em sons que ecoavam no silêncio da minha mente. Parei de pensar. Meu cérebro parecia ter expulsado as palavras e dado lugar a um flashback dos últimos dias. Me vi com raiva do meu marido por me deixar tão insegura. Com raiva por bisbilhotar a carteira dele com a certeza de que encontraria os rastros do caso que ele estava tendo com a chefe. Me vi sorrindo para o moço do táxi só para me vingar… Falei mais do que devia sobre a minha vida, me insinuei, marquei encontro para o dia seguinte. Vi minhas crianças dando tchau ao entrarem na perua escolar… O batom vermelho no espelho do banheiro. O cheiro de água de colônia quando entrei no táxi, a mão dele esbarrando no meu joelho, meu sorriso ruborizado no retrovisor… Vi a paisagem que admirávamos enquanto subíamos a serra e vi ele encostar o carro em um lugar que ele chamava de seu mirante secreto. Senti meus pêlos arrepiarem por não conseguir parar de pensar que faríamos amor no banco de trás. Me vi mulher bonita mais uma vez… A mulher desejável que não via há tantos anos. Vi ele parecer doce e ao mesmo tempo rude. Paciente e, de repente, estúpido e cruel. Meus pensamentos findavam ali. Ouvia somente o barulho das minhas lágrimas, do suor, do sêmen, da saliva, do sangue, do motor. Fechei os olhos… Abri enquanto caia da ribanceira.



Escrito pela Alê Félix
22, dezembro, 2005
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Tô sumida, né? Pois é… mais uma vez, a culpa é dessa minha mania estúpida de trabalhar demais. Andei até escrevendo umas coisas, mas ando encabulada de postar. Os posts andam meio picantes… E eu fico achando que só quem passa por aqui são adolescentes. Pior, pré-adolescentes. Todo mundo sabe que adoro ter um blog onde eu possa escrever minhas histórinhas teens, mas enfim… E agora? Faço o quê? Crio um blog secreto?



Escrito pela Alê Félix
21, dezembro, 2005
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Hoje, no caderno de TV & Lazer do jornal Estado de São Paulo, saiu a
matéria “Do Blog para o Papel” com referências a dois dos livros publicados pela
Gênese (eu bem que insisti para que eles falassem de todos, mas eles decidiram pelo Blog de Papel e Balde de Gelo), ao escritor Rodrigo Gurgel e ao Blônicas (leia!) que fiz questão de indicar a jornalista Julia Contier. A matéria está bem bacana e você pode lê-la através do site do Estadão solitando uma senha temporária caso não seja assinante do jornal.

E se você chegou aqui através da matéria e nunca tinha ouvido falar do Blog de Papel, o meu conselho é que visite também os blogs dos autores do livro (links no blog). Idealizado pelo Nelson Natalino, o livro foi escrito por quatorze autores e ilustrado por quatorze desenhistas/fotógrafos.
Sem o talento, dedicação e carisma de todos eles o nosso Blog de Papel não
existiria e eu não teria tido o prazer de publicá-lo. 

Depois da incrível receptividade do leitores nas cidades de Porto Alegre,
Santa Catarina, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia, estamos cogitando
seguir para a segunda edição do livro (sim, a primeira está nos últimos
exemplares) com mais festança em Belo Horizonte e Brasilia no começo do ano que vem. Fiquem de olho.

 



Escrito pela Alê Félix
18, dezembro, 2005
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Saiu hoje no jornal O Globo, na coluna do Gravatá, uma matéria sobre o lançamento dos livros Blog de Papel e Malvados. Corre lá. Ficou bem legal. Com fotos e fatos.
Agora, respondendo a pergunta do nosso querido Gravatá: quando alguém tem muita sorte a gente diz que a figura tem um tremendo rabo, não diz? Pois é… Tu acha que essa poupança enorme que deus me deu existiria só pra me caricaturarem? De jeito nenhum! 🙂
Mas falando sério: a resposta está dentro dos dois livros. O Blog de Papel foi escrito e ilustrado por pessoas muito talentosas e queridas. Eu também fiquei impressionada com o carinho que os leitores (em todas as capitais que estivemos) nos dedicaram. E o Dahmer… O Dahmer é um popstar que ainda brilhará muito além do universo dos blogs. Se deus quiser, com muita chuva ou muito sol, quem viver verá.
Coluna do Gravatá no O Globo

http://oglobo.globo.com/jornal/colunas/gravata.asp
Blog do Colunista

http://oglobo.globo.com/online/blogs/gravata
E, mais uma vez, obrigada Gravatá pela sua presença na Livraria da Travessa. Muito bom conhecê-lo pessoalmente. 😉



Escrito pela Alê Félix
12, dezembro, 2005
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Esqueci de avisar que saimos na Ilustrada de novo. Dessa vez, com o Dahmer. Clique aqui para ler a matéria.



Escrito pela Alê Félix
8, dezembro, 2005
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A Carol me acordou pedindo pra eu avisar vocês da palestra com o publicitário Lula Vieira (da VS Comunicação), a Vanisa Santiago (uma dais maiores autoridades em direito autoral no país) e com o Felipe Radicetti (músico e produtor musical). Eles vão falar sobre a música brasileira no exterior, mas não quem toca o que e aonde e sim, sob um aspecto de gestão da música, falando sobre as novas questões de direitos autorais (mp3 e etc), sobre a distribuição da renda das músicas pelos sindicatos autorais no mundo todo, enfim, tudo que diz respeito à gestão de música brasileira. O assunto é bem quente e interessante e as pessoas que vão falar são fantásticas.
A mediação da mesa será feita pelo Alexandre Negreiros, que além de ser produtor musical é também sociólogo.

Parece que este é o primeiro de um ciclo de seminários. A meta é fazer um a cada dois meses mas a Carol não sabe se logo no início eles conseguirão dinheiro porque será tudo gratuito, com direito a uns comes e bebes e uma atração musical. Quem banca a parada? O seminário é bancado pela revista Next Brasil, que é dirigida pelo De Masi e publicada pela Carol aqui no Brasil. Detalhe importante: o seminário é totalmente gratuito, mas você deve reservar a sua vaga através do email cognitiae@nextbrasil.com.br

Outra coisa: a atração musical não é a troco de nada, ela existe por conta da filosofia do Domenico De Masi de levar arte sempre que possível a executivos e professores. Todo seminário vai ter algo de música no meio, mas não necessariamente tratará de música na palestra. A direção musical é do pianista erudito Marcelo de Alvarenga.
Os dados mais objetivos seguem abaixo:

Pessoas envolvidas:

Lula Vieira
Vanisa Santiago
Felipe Radicetti
Alexandre Negreiros
Marcelo de Alvarenga
Nivaldo Tavares (o músico que vai tocar).
Carol
Seminário Cognitiae

data: terça-feira, 6 de dezembro de 2005
hora: 19:00
local: Senac – CasaShopping – Barra
cidade: Rio de Janeiro
LULA VIEIRA, VANISA SANTIAGO e FELIPE RADICETTI falam sobre a música brasileira no exterior (e seus desdobramentos tanto de mercado quanto de direito autoral).

O coffee break será musical, com Nivaldo Tavares tocando
. Ernesto Nazareth – Coração que Sente
. Ernesto Nazareth – Odeon
. H. Villa-Lobos – Valsa da dor
. F. Chopin – Mazurca op. 17 n. 4
. F. Chopin – Fantasia Improviso op. 66
. W. A. Mozart – Allá Turca

Mais informações clique em www.cognitiae.nextbrasil.com.br
Eu volto depois. Vou tomar banho e cair na real: acho que eu sou um gatinho (sobre os comentários feitos abaixo). 🙂
Fui.



Escrito pela Alê Félix
5, dezembro, 2005
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Tô dormindo. Assim que o despertador tocar eu volto.



Escrito pela Alê Félix
2, dezembro, 2005
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