No Rio… Depois de quase ter optado por passar o resto da vida sem sair de dentro da minha casa paulista, passado duas semanas achando que eu era uma completa incompetente porque não conseguia terminar um roteiro com prazo de entrega – ontem, às 20h30m, no Leme – achado força pra parar de pensar bobagem e saído da casa paulista mesmo sabendo que as oito da noite eu estaria de mãos abanando em uma reunião no Leme, depois de ter dirigido triste por quase quatro horas, depois de ter passado duas semanas arrasada, depois de ter tentado achar qualquer téco de pensamento que me fizesse escrever e parar de pensar inutilidades, depois de ter parado quinze minutos em um posto de gasolina pra não perder o sinal e uma conversa que eu precisava nem ter começado mas me incomodava há duas semanas, depois de ter caído o sinal mesmo assim, depois de ter optado por não ligar mais e continuar dirigindo pra não me atrasar na reunião, depois de ter chegado no começo da serra das Araras e ver o trânsito parando até parar totalmente e eu perceber que há momentos que não há nada que se possa fazer. Não dava pra escapar do trânsito, não dava sinal, não havia quem soubesse o porquê de toda aquela estagnação. Aproveitei o nada, aquela uma hora de carga de bateria no notebook e escrevi o que eu tinha pra escrever e entregar na reunião. Quinze minutos de estrada a frente, um acidente horrível que deixou mortos e feridos, um ônibus que rolou uma ribanceira, minha visão confusa sobre os outros carros que se envolveram no acidente. Fiquei quinze minutos pra trás. Provavelmente, graças a ligação que me fez parar um pouco antes do momento da fatalidade e depois do acidente já formado, onde fiquei quieta no canto tentando simplesmente parar de pensar e voltar a escrever. E vi tudo voltar ao normal, as ambulâncias partirem, a estrada ser liberada e o texto de que eu prometi ser terminado. Vi tudo até agora e só agora soube exatamente do tamanho do acidente que me fez parar, entregar, repensar e sarar. É tudo, tudo tão estranho entre o que sinto e vivo, de lá e cá e de cá pra lá… Tão estranho que quase vivo e não entendo o quanto é tudo sobrevivência.
PS – Pra quem soube que eu vinha pro Rio hoje a tarde e soube também do acidente que rolou na Serra das Araras: por quinze minutos, por poucos KM, eu tô bem e sem nenhum arranhão. Nem físico, nem emocional, nem profissional. E me pergunto se é isso que é sorte, quando se vê tantos feridos de fato.
Se eu pudesse me tornar a alma de uma oração, uma santa padroeira capaz de realizar algum tipo de graça, só o que eu escolheria seria me tornar a força que conduz as pessoas a seguirem adiante. Daria um jeito de vasculhar o peito de cada um dos meus devotos atrás de lembranças nítidas sobre seus atos de coragem e afeto. Mostraria o tamanho do absurdo que é o medo de seguir em frente e enfrentar qualquer que seja a situação. Abriria seus olhos para que vissem o quanto a vida nos reserva coisas boas sempre que a gente consegue acreditar em um novo caminho e segui-lo. Mostraria a eles, passo a passo, como é que se desprende de velhas amarras, ideias ultrapassadas e pessoas que não lhe façam bem. Aprenderia todos os segredos sobre como acender nosso espírito quando estamos tristes, cansados e prestes a desistir. Faria festa do meu conhecimento, entregaria meu corpo e todos os meus melhores dias de vida por qualquer fagulha de esperança que fosse possível de ser semeada e distribuída. Contente, faria qualquer graça para surgir feito sinal diante dos olhos de quem clamasse por mim… Sinal colorido de céu, susto de beija-flor beliscando o ouvido, risco de estrela cruzando o escuro, brilho nos olhos daqueles que renascem diante de uma paixão… Surgiria – até mesmo – através dos mágicos bobos, se eles estivessem dispostos a tirar meus sinais de esperança de dentro de suas cartolas, junto com aquele sorriso bonito que a gente dá quando descobre o caminho certo. Acho que eu faria qualquer coisa para ver alguém levantar e parar com a choradeira besta e preguiçosa que sempre empaca a vida de deus e o mundo, sabe? E imploraria por todos os dons, todas as preces, todos os movimentos que me ensinassem como acalmar o medo de alguém e despertasse a serenidade e o foco necessários para o próximo passo. Por comodismo ou covardia, não deixaria sujeito algum voltar atrás em suas ações. De jeito nenhum! Escolheria – sem sombras – ser o téco de luz no fim do túnel, a orientação mínima e precisa para que seguissem em frente e não desistissem de atravessar os obstáculos, as fronteiras e pessoas que insistimos em não libertar. Pediria aos poetas uma reza bonita e as pessoas de fé que chorassem um pouco por mim, que me perdoassem. Não por qualquer infidelidade que eu pudesse cometer aos meus fiéis, não por nenhuma possibilidade de desamparo, mas pela pretensão de querer oferecer aos outros tudo o que sempre busquei e nunca consegui em nenhum único segundo da minha vida.
Ale: Bruno?
Bruno: Que?
Ale: Cê tai?
Bruno: Não.
Ale: Posso te contar uma coisa?
Bruno: Pode.
Ale: Tô com medo de ver quanto eu gastei esse mês.. Não consigo abrir a correspondência que chegou com a conta do cartão de crédito. Tem conselho ai?
Bruno: Não vê! Finge que não é contigo.
Ale: Pensei nisso… Na verdade, tenho feito isso. Mas clonaram o cartão de dois amigos que estavam lá comigo… E se clonaram o meu também?
Bruno: Clonaram o cartão da minha avó também. Roubaram dois mil e o banco não devolveu.
Ale: Puta sacanagem roubar avó. Sacanagem do banco também.
Bruno: Só injustiça…
Ale: Aiiii caramba! Não vou abrir nada. Vou ficar deprimida e parar de me divertir se eu souber quanto tenho gastado.E eu não quero ficar triste.
Bruno: Então, considera que se te roubarem, será o preço pago pra não ficar triste.
Ale: … Vou enfrentar e abrir essa porra.
Bruno: Melhor tu olhar…
Ale: Tô com medo.
Bruno: Abre logo. Agora fiquei curioso.
Ale: Não consigo. A carta está aqui desde quinta. Não consigo abrir.
Bruno: Abreeeeeeeeeeeeeeeeeee.
Ale: Você não tá entendendo… Eu tenho vivido como se não houvesse amanhã há anos. Não sei quanto ganho nem quanto gasto, vivo como se eu tivesse um bolso mágico. E dessa vez passei um mês no exterior. Deve ter vindo com uma faca essa conta. Depois desse tempo todo, não dá pra começar a olhar pra isso agora. Certeza de que vou deprimir e parar de viver.
Bruno: Queee issoooo! Hahahahahahaa…
Ale: Tá rindo do que, ô?
Bruno: Pensando que eu também sou assim. Fazem uns anos que nao vejo minha conta… Mas é porque meu saldo é zero!
Ale: Hahahahhahaa… Besta. Mas o que você faz com o dinheiro que ganha?
Bruno: Não boto dinheiro no banco. Recebo e tiro de lá. Por que eles são ladrões. Usam meu dinheiro pra emprestar pros outros. Botam um número virtual numa tela e pegam dinheiro dos outros pra me dar quando eu quero o meu.
Ale: Vou abrir essa carta e acabar com essa angustia.
Bruno: … Já abriu?
Ale: Não consigo… 🙁
Bruno: Ale, tava aqui pensando… Se há anos você não olha a sua conta, você deve ser rica.
Ale: Claro que não!
Bruno: E se você ficou e não sabe?
Ale: Ou tenho uma divida violenta e não sei…
Bruno: Se você tivesse divida, receberia mil ligações do mal. Mas como recebe mais ligacoes de amigos e clientes, é porque você virou rica!
Ale: Duvido… Mas será? Cara, não faço a menor ideia… Mas… Sei lá… Se eu estiver rica, espero que seja de um jeito que eu possa continuar sem olhar a conta. Porque eu não gosto de olhar não…
Bruno: Olha logo!
Ale: Odeio sentir medo…
Bruno: Odeio dinheiro…
Ale: Eu gosto…
Bruno: Prefiro permuta.
Ale: Só não gosto de ter que cuidar dele. Eu gosto de trabalhar e saber que ele é todo fruto do meu trabalho, mas não gosto de ter que cuidar dele, fazer contas, planilhas, planos… Quero trabalhar e ter um trabalho que me dê um bolso mágico. Quando eu preciso, tá lá e pronto. Sem stress, pra eu não ter que me preocupar nunca.
Bruno: Aaaaaassim eu também quero!
Ale: Não é o dinheiro o problema, a cabeça da gente que é. Dinheiro é solução.
Bruno: Dinheiro é o problema sim. Sem dinheiro você não compra a fazenda…
Ale: Que fazenda?
Bruno: A fazenda, as ferramentas, a semente…
Ale: Nada a ver, Bruno!
Bruno: Tudo a ver! Sendo que o certo seria o estado fornecer os meios das pessoas sub existirem do próprio cultivo. E dar conhecimento também! Já que o conhecimento é de direito da humanidade. É propriedade de geral.
Ale: O problema não é o capitalismo ou o socialismo ou a permuta. Somos nós. Deus me livre deixar minha vida na mão do Estado.
Bruno: Você já deixa tudo na mão da sua secretária!
Ale: Ela já virou família, é diferente. Fé no ser humano é uma coisa, em um sistema de governo formado por pessoas treinadas para serem oportunistas, é outra coisa.
Bruno: Por exemplo… Por que eu não tenho direito sobre nenhum pedaço de terra do planeta? Se eu nasci nele, ele também é meu. Porque se eu pisar num pedaço de terra produtiva pra plantar no meu planeta, sou expulso a tiros por um apropriador.
Ale: As leis sao zoadas, eu concordo com você. Mas o problema somos nós, não o sistema criado. Se fossemos legais, qualquer sistema funcionaria.
Bruno: Isso é…
Ale: …
Bruno: …
Ale: Bruno?
Bruno: Que?
Ale: Sabe que isso que você falou seria legal se acontecesse de verdade?
Bruno: O que eu falei?
Ale: Que se cada pessoa tivesse direito a um pedaço de terra assim que nascesse, por direito… Isso, se acontecesse de verdade, se virasse uma lei, seria uma lei linda.
Bruno: Isso seria justo. Seria natural.
Ale: Tipo… Nasceu, 200 metros de terra já sao seus. Seu pedaço de lugar no mundo estaria ali. Tai uma lei do caralho de legal…
Bruno: Lei do cidadão universal.
Ale: Caraca, Bruno! Puta nome legal. Vamos entrar pra politica e implantar essa ideia aí?
Bruno: Nem pensar!
Ale: Por que não!?
Bruno: Por que politico nenhum presta!
Ale: Você deixaria de prestar se virasse politico?
Bruno: Claro que não…
Ale: Então! Esse pensamento é o que faz as coisas serem como são. As pessoas só sabem reclamar e dizer que políticos não prestam. Aí você cria um filho dizendo que político é tudo ladrão, como é que ele vai dizer que quer entrar pra politica se tiver vocação pra administração publica? É um absurdo a gente dizer isso e não perceber que é isso que faz as pessoas com vocação – e uma vocação admirável! – se afastarem dos cargos públicos e darem espaço somente as pessoas que não tem vergonha de serem vistas como oportunistas e mal intencionadas. Os culpados somos nós, que reclamamos sentados e não servimos nem pra mudar esse falatório que nos impede de ensinar as crianças que na politica é carreira digna, mesmo sendo trilhada por tantos desonestos.
Bruno: Hum… Isso é.
Ale: Vamos?
Bruno: O que?
Ale: Implantar a Lei do Cidadão Universal. É um puta nome lindo. Cara, o Brasil ia fazer história com uma lei dessas… Mas como seria?
Bruno: Seriamos mortos.
Ale: Claro que não!
Bruno: Os fazendeiros… E os capitalistas também. Eles matariam a gente.
Ale: Claro que não! Fazemos um documento dando a ideia, colhemos abaixo assinado e jogamos ela no vento pra um dia alguém pensar e fazer dela uma realidade. Não temos que fazer nada além disso.
Bruno: Pode fazer. Tira o meu nome.
Ale: Vamos pensar… Como funcionaria? A terra seria dada onde os pivetes nascessem ou haveria um lugar especifico pra distribuição dos lotes? Que problemas podem inviabilizar a ideia.
Bruno: A nossa existência inviabilizaria a ideia. Seriamos mortos e pronto. Fim de qualquer problema.
Ale: Claro que não! Não querem fazer reforma agrária? Então! Deve ter terra pra divisão dos lotes do cidadão universal.
Bruno: E pra desapropriar os quilômetros e quilômetros de terra não utilizadas dos fazendeiros que seria necessário pra atingir esse objetivo?
Ale: Ninguém tá falando em desapropriação indevida. É só achar um jeito de tornar legal a coisa toda, até pros fazendeiros. No fundo no fundo ninguém deve gostar de ter coisas que não usa. É só medo de faltar… Com a lei do cidadão universal ninguém mais vai ter medo, pois vai ter a certeza de que sempre terá um téco de terra pra viver ou morrer. E se não for por bem, foda-se. Nasceu no Brasil levou uns metros de terra e pronto. A gente lida bem com perdas, os fazendeiros vão superar… O Collor fez coisa muito pior e engolimos.
Bruno: Mas é porque o Collor é alagoano. Ninguém se mete com coronel de Alagoas.
Ale: Ninguém vai se meter com a gente também. Meu avô é povo de Alagoas e já teve que superar coisa muito pior, perdeu pai e mãe naquelas disputas de terra regionais que existiam antigamente. Entonces… Nós também seremos perigosos.
Bruno: Poooô alagoano é um povo sinistro… Fui com ela pra lá várias vezes. Até hoje, 98% de miséria extrema.
Ale: É um povo da guerra…
Bruno: É… E tem 2% de fazendeiros que são mais ricos que os ricos do Rio de Janeiro que roubam os 98% restantes e matam a rodo.
Ale: Eu quero ir pra cidade do meu avô um dia… Ver como é.
Bruno: É um lugar bonitão. Miserável e do crime, mas bonitão.
Ale: Triste… Mas me diz aí…O que mais você acha que a gente devia ter direito logo depois de nascer? Ah! Pensei numa coisa… Vamos escrever que é proibido vender as terras distribuídas na LCU.
Bruno: LCU?
Ale: É… Lei do Cidadão Universal.
Bruno: Tá ligada que do jeito que aqui tudo vira palhaçada ela vai ser esculhambada e chamada de Lei do CU. Já sabe, né? Depois não diz que não avisei. Maluca do jeito que você é, não duvido nada se não sair espalhando essa parada toda por aí até virar fato.
Ale: Vamos voltar ao que interessa. Venda proibida. Senão, vira putaria.
Bruno: É… Isso viraria mesmo.
Ale: Anotado!
Bruno: E todos teriam o direito de aprender a plantar e a sobreviver sem dinheiro… O dinheiro seria usado apenas para opções de luxo.
Ale: E tinha que ser só terra nos cofós do pais, em lugar desabitado mas reservado pra virar um lugar legal. Se der terra em qualquer lugar, vai virar briga e até eu vou querer meu pedaço natural em cima da pedra do Arpoador.
Bruno: todos ganhariam sementes mensalmente.
Ale: Isso não! Sou contra esse negócio de dar.
Bruno: Mas todo mundo é favor de comer, Ale!
Ale: Dar não leva ninguém a lugar nenhum. Tem que ralar pra comer, senão nego não dá valor.
Bruno: Claro que dá…
Ale: Não dá. Quer frutos? Se vira. Só sou a favor de distribuírem a terra, porque realmente a Terra é nossa de direito. Não tem ninguém dando nada.
Bruno: Pô… mas a agricultura é um conhecimento vital da humanidade.
Ale: Nem dinheiro pra construção eu daria. Poderia bolar programas de incentivo, mas não ia dar nada. Somos bichos folgados. Ser humano é foda. Se você começa a dar, eles não param de comer.
Bruno: A gente ainda tá falando de politica, né?
Ale: E vão comer as suas custas! Tem que deixar ralar. Claro! Do que mais?
Bruno: Nada não…
Ale: Nasceu na terra, a terra é sua.
Bruno: E não esquece! Ter direito ao acesso de todo conhecimento cultural gratuitamente. A tudo que foi feito pelos humanos antes dos humanos que estão no poder, todo o conhecimento produzido.
Ale: Boa! Mas… Isso é só a pessoa ir até um cibercafé que tá lá…
Bruno: Internet ainda é luxo.
Ale: Ok. Pedaços de terra e internet grátis. Certeza de que o povo vai deixar de trabalhar pra ficar no Facebook, mas tudo bem… Problema deles. Se eu pensar muito viro ditadora e mando todo mundo passear.
Bruno: Infraestrutura nas áreas de distribuição. Com gente capacitada pra ensinar a ler, escrever, fabricar energia elétrica, filtrar água, fazer móveis, eletrônicos…
Ale: terra, infra e treinamento. Tá feito! Vamos botar isso na internet e começar a colher as assinaturas pra um dia isso virar uma coisa gigante e alguém achar a ideia boa, implantá-la.
Bruno: A cacar também.
Ale: Cacar o quê? O que é cacar?
Bruno: É um cedilha. Deu pau na minha cedilha.
Ale: Caçar? Você diz ensinar a caçar? Que mané caçar! Vai ensinar a matar os bichinhos? De jeito nenhum, né?
Bruno: Ué… normal! Hoje mesmo vi um urso… Se eu soubesse caçar.
Ale: Sou contra! Tem é que botar lá um manual explicando que o vegetarianismo é possível. Quanto menos matança de coisa viva melhor. Senão, vamos continuar sendo um bando de matadores de vaquinhas. Um urso? Você não mora na baixada fluminense?
Bruno: Pode ser um tigre…
Ale: sou contra comer coisa viva. Tirando gente no sentido popular e planta, que mesmo viva não tem muita personalidade, então acho que tudo bem a gente matar e comer.
Bruno: Poooô se você fosse um ser espacial inorgânico faria sentido, mas a gente faz parte da fauna. Não estamos a parte da natureza e as leis da natureza são também nossas leis. E a lei da natureza permite comer outros bichos. Ou ser comido. E sim! Uns aos outros! No sentido popular.
Ale: Sou contra. Vai comer coisa viva? Zoado demais comer a pobre da vaquinha. Já olhou no olho de uma? Maior olhinho de gente boa. Aí o ser vai lá e come a pobre!?
Bruno: A vaca que corra de tu!
Ale: E se ela fosse nossa mãe?
Bruno: Eu não sei a sua, mas se ela fosse minha mãe ia te dar um coice. Além do mais, se tua mãe for passear na rua, num bosque do Canada, logo virão os lobos e comerão ela.
Ale: Você já brigou na rua? Apanhou? Botou o cara no forno e comeu ele depois? Claro que não. A gente não come coisas vivas só porque elas nos deram um coice.
Bruno: Num parque do Estados Unidos viriam os ursos, numa praia de Pernambuco o tubarão… E você não vai comer eles? Mesmo cheio de fome, no mato, querendo proteína?
Ale: Tudo bem o tubarão virar jantar.
Bruno: Por que o tubarão pode e a vaca não?
Ale: Porque é zoado um bicho com aquele monte de dente vir sorrateiro dentro do mar te pegar!
Bruno: O pior não é isso! Ele faz isso por engano, sabia? Ele não come gente por instinto, só por engano. Ele não curte carne humana!
Ale: Como você sabe? Já conversou com um pra saber? Não tem como a gente saber se ele gosta ou não. E sou a favor de comermos tudo que é bicho sorrateiro. Bicho de olhinho bom não, mas de dente afiado e sorrateiro, sim. E mulher então? Se ferra ainda mais com tubarão! Se entrar menstruada no mar? Já era!
Bruno: Sou da teoria que bicho bonzinho nasceu comida de predador. Tanto que os bichos mais bonzinhos nascem quase sem nenhum mecanismo de defesa. Vê uma vaca que nem dente afiado tem pra se defender? Já nasceu pra ser comida…
Ale: … Será que a gente é assim também?
Bruno: Não sei… Mas o cérebro é uma arma.
Ale: Entre os humanos, também deve ser assim do jeito que você falou sobre as vacas e os tubarões… Quem nasce sem instinto de defesa é comido feito vaca e quem é do mal vira tubarão pegando geral no mar dos alegres…
Bruno: Por que dos alegres?
Ale: Mar… Tipo no mar. Só tem alegre dentro da água. Povo comida de tubarão.
Bruno: Hum… Saquei.
Ale: Também acho…
Bruno: O que?
Ale: O cérebro é uma arma.
Bruno: Hum… Uma selva.
Ale: … Podes crer.
Bruno: Uma vez li em algum lugar que o estado natural dos bichos da selva não é de paz nem tranquilidade e sim de paranoia e psicose. Sabe aquela sensação que a gente tem quando tá no mato?
Ale: Sempre alerta?
Bruno: Todos os bichos vivem constantemente em alerta. E você tem medo até de abrir a correspondência do seu cartão de crédito. Perdeu toda a atenção.
Ale: Vai se ferrar! Já tinha até esquecido!
Bruno: Hahahahhahahaa… Desculpa aí.
Ale: Se corre o bicho pega se fica o bicho come… Como é o ditado mesmo? O Mamonas Assassinas também tinha uma boa. Você lembra?
Bruno: Não, mas vi uma assim esses dias no Facebook “Se correr o wiki pedia se ficar o google chrome”.
Ale: Hahahahahahhahaaha… Você já viu o vídeo do Discovery de Pobre?
Bruno: Não.
Ale: Tenho que te mostrar… Vê aí enquanto caço uma pizzaria. Tô morta de fome.
http://www.youtube.com/watch?v=WryhrNqWfhE
Bruno: Posso te fazer uma pergunta antes?
Ale: Claro!
Bruno: É sério que a gente teve esse papo sem usar droga nenhuma?
Ale: Só armas.
Bruno: Armas?
Ale: O cérebro é uma arma… Mas é também um grande presente quando bem compartilhado. 😉
Bruno: Hum… “Os leão”. Já curti o título do vídeo. Mas… E a LCU?
Ale: Hum… Acho brilhante você ter idealizado a LCU.
Bruno: Hum… Vai continuar acreditando no bolso mágico e não vai mesmo abrir a fatura do cartão, né?
Ale: Vai ver os leões vai. Atirei numa rúcula com tomate seco. Volto depois. Fui.
há ± vinte minutos…
Bruno: Ei… Você tai? Sim? Não? Ok… Vou dormir. Era só pra te dizer que hoje foi meu aniversário, passei o dia sem querer sair de casa nem ver ninguém e… E eu sei que você não me conhece nem nada, nem sabe que hoje é meu aniversário, mas queria te dizer que ri muito com esse papo todo. Valeu pelo compartilhamento de cérebro. Foi uma arma de desenho animado, dessas que pode até dar uma assustada no começo, mas só sai flor e boa risada depois de disparada. Puta presente. Enfim… Isso ficou meio ridículo, mas tudo bem porque você nem tá mais on-line então nem deve ver. Boa pizza, durma bem. Fui também.
Acelerando contra ventos de mais de 100KM/H, vendo janelas firmes arrebentarem através de pequenas brechas, brincando de ciranda como uma criança que reaprende a sorrir com o tudo e o nada que movem os abrigos.
Já tive dias muito piores em dias ensolarados e sem ameaça de chuva tropical, não seriam as tempestades e os lábios de um furacão que mudariam meu cenário. Tô tentando largar mão de me sentir inútil ou pelo menos parar um instante de viver somente para zelar pelas inutilidades que me cercam. Um tempo para o tempo, um tempo para parar o tempo. Tá tudo bem por aqui. Tanto que chega a dar vontade de sumir um tiquinho. Só um pouco. Só para me aproveitar do caos externo e colocar o interno no devido lugar.
Nova Orleans sempre esteve nos meus planos… Mas mando notícias depois que eu souber pra onde essa ventania vai me levar. Fui.
Sabe aquela cena clássica dos filmes adultos, mostrando um cara em um quarto, enfiado no computador, super desanimado… E aí ele pede uma pizza e aparece uma entregadora bonitona, vestida numa roupinha sexy e com uma meia-mussarela-meia-calabresa sobre os braços que levanta sua moral? Então, acho que acabei de viver a versão feminina de um troço desses aí…
Acordei um tiquinho pra baixo, sem vontade de sair da cama ou ver pessoas. Estava me sentindo borocoxo, sem graça e decidi passar o dia no quarto do hotel. Liguei o notebook, comecei a trabalhar ainda enrolada entre os lençóis, tocou a campainha. Levantei achando que ia somente avisar a camareira de que não seria necessário arrumar o quarto. Me enrolo no roupão de qualquer jeito só para atendê-la minimamente decente, abri a porta deixando só um pedacinho de rosto exibido entre o vão e me aparece um rapaz com uniforme branco, vários trécos eletrônicos pendurados na cintura e dizendo que veio consertar minha fechadura.
Achei estranho, já que o único problema que a porta parecia ter era um chiado na hora de abrir. Mas, se eu nem reclamei, como ele poderia saber?
Fiz a pergunta com meu péssimo inglês, ele perguntou se eu era brasileira, me contou que era venezuelano e mudamos rapidamente o assunto e a língua para o meu portunhol que o fazia sorrir. Eu também achei graça e, já que ele precisava trabalhar, pedi um minuto – antes de abrir-lhe a porta – pra ajeitar corretamente o laço do roupão e não parecer uma oferecida qualquer. Recolhi também minhas roupas espalhadas pelo quarto e escondi tudo dentro do armário. Só para não parecer bagunceira qualquer… Conferi no espelho a cabeleira e dei graças a deus por ter lavado o rosto e escovado os dentes logo que acordei. Mas era só para atender o rapaz decentemente e não parecer uma maluca qualquer… Nada além disso. Tudo – juro! – sem nenhuma má intenção.
Em pé diante da porta, eu o observava consertá-la com a agilidade de um mister-latin-rei-da-engenharia. Ele contou que esteve no Rio a trabalho algumas vezes, eu me exibi dizendo que conhecia bem o seu país, que já havia cruzado todo o norte da Venezuela parando de cidade em cidade e atravessando a fronteira da Venezuela com a Colômbia até chegar em Cartagena. Eu errava o tempo todo as palavras em espanhol, mas ele acertava no interesse pela história. E fazia tempo que eu não me sentia tão interessante diante do olhar de um homem, sabe? Ainda mais sem mais sem poder contar com as palavras certas…
Cinco minutos depois não havia mais barulho nas engrenagens da fechadura e ele me perguntou se eu gostava de licor. Sorri achando que era cantada, respirei fundo antes de agradecer e dizer não, mas ele fez uma ligação pelo seu rádio ultra-power-latin-rádio-dos-reis-da-engenharia pedindo que me trouxessem um café da manhã como cortesia do hotel e um cálice de licor como presente pessoal de sua parte. Tentei dizer algum não, mas ele foi mais seguro de suas ações e justificou a gentileza dizendo que era o mínimo que podia fazer diante do aborrecimento que estava me causando as nove da manhã.
A campainha tocou de novo no instante seguinte, achei que fosse ele, mas era a camareira. Uma senhora com uma pele luminosa, negra, um sorriso cordial e suave, meio doce, mas com um olhar de quem seria capaz de criar vários vudus de quem não a obedecesse. Avisei que eu não falava inglês, ela só sabia falar inglês e queria porque queria arrumar o quarto. Insisti no “not”, “thank you” e em todo o “the book is on the table” que me foi possível, peguei as toalhas novas que ela havia trazido, ela dizia algo como querer três dólares por cada uma, eu não tava entendendo bulhunfas, a dona já tava começando a transfigurar minha cara de “tô me achando sexy” para a de “tô ficando puta”, até que devolvi as toalhas pra dar fim na conversa, fechei a porta no meu “goodbye” do pré-primário e a ouvi clamar por “God” a distância.
Fechei a porta, tirei o roupão e me joguei nessa cama enorme que me abraça dos pés a cabeça toda vez que me deito sobre ela. Jogada na cama, de bruços, bumbumzão pra cima, deitadona do jeito que vim ao mundo, ouço alguém mexer na maçaneta da porta e abri-la como se eu não existisse, sem tocar campainha nem nada.
Sabe lá meu português o porquê, talvez porque eu ainda estivesse com um sorrisinho besta de feliz na cara, gritei por Deus em inglês. Nada muito histérico, mas vindo de um susto que me fez saltar da cama enquanto via a sombra de um senhor que rapidamente fechava a porta e se desculpava pela invasão.
Coloquei o roupão de banho, abri a porta já pensando em mandar todo mundo a merda no meu português italianado de bom tom e vejo um senhor de uns sessenta anos, negro, alto, alto… Um senhor de traços firmes e expressão honesta. Uma prancheta na mão, também munido de vários apetrechos eletrônicos pendurados em seu cinto de utilidades e me perguntando em espanhol se eu não havia pedido um conserto no meu chuveiro. Olhei aquela situação e mal consegui responder que não havia nada de errado com o chuveiro. Tive uma crise de riso que fez o senhor se desculpar mais uma vez, todo encabulado. Fechei a porta. Dessa vez, com o trinco.
Passei o trinco, ri das três inesperadas visitas e decidi tomar um banho e finalmente sair do quarto, parar de trabalhar e ir passear um pouco. Chuveirada boa tomada, desliguei o chuveiro e comecei a me pentear em frente ao espelho. Parei um instante e, sabe lá Deus o porquê, não estava mais me sentindo tão pra baixo. Me senti bonita, bonita… Como há alguns anos não me sentia. Abri a janela do quarto, sorri pra mim mesma, para o dia quente me chamando pra rua e fiquei com vontade de licor.
Para um homem, deve ser lindo e estimulante ver uma mulher entregar-lhe pizza, prazer e um pouco de silêncio. Mas, olha… Para uma mulher, erotismo pra valer é ela se sentir bonita através de um simples olhar, é ver um moço sorridente consertar a fechadura sem ela ter que implorar, é falar bobagem sem ter medo de errar, é receber café na cama antes de se despedir. É o desejo de nunca deixar de desejar e fazer poesia misturando licor misturado com café, as nove da manhã. É pensar que mesmo quando a gente está muito triste e se recusando a sair do quarto, a vida pode nos enviar curiosos cálices de fé para nos tirar de dentro dele.
Antigamente, quando a vida estava monótona e não existia a internet pra nos entreter, vez ou outra íamos para a frente da TV acompanhar a vida dos personagens das novelas. Era uma ótima técnica pra parar de pensar e caçar assunto com as pessoas que nos cercavam nas horas seguintes. Hoje em dia, tenho certeza de que muitas televisões poderiam servir de vasos para as plantas… Várias plantas. Desligamos a TV, ligamos o computador e passamos a perder tempo assistindo as postagens diárias dos amigos, inimigos, dos amores que vem e vão. Capítulo por capítulo de realidades questionáveis, episódios mal escritos e constantemente felizes com seus inevitáveis finais tristes. E o curioso é o quanto é comum entre todos nós – mesmo depois que algumas tramas se desfazem – alimentarmos cenas e personagens que deixaram de fazer ou nunca deveriam ter feito parte da nossa programação. Mesmo escondidinho, sem nos darmos conta do poder de interferência da fofoca 2.0 que gira nessas redes, damos a vários coadjuvantes (até mesmo figurantes!) o destaque necessário e desnecessário nessa nossa nova revista repleta de caras. Pra que? Por que, se mesmo quando a gente não confessa que abriu o olho, esse nosso olhar é tão bizarro quanto aquele dos atropelamentos de beira da estrada? Parece que nosso medo de perder o controle do desfecho da novela faz de nós um bando vítimas… Eu, inclusive. E não entendo quem não enxerga a roubada que estamos nos metendo, não me canso de me sentir patética por ver e não me mover. Por aqui é muito mais difícil mudar de canal, não é mesmo? Dificílimo virar a página…
Com todo respeito as nossas vidas incríveis, falo sobre isso questionando o futuro e não os saudosismos ridículos do passado. Os dias eram sentidos na pele e não na tela, o desperdício de tempo era muito menor e era mais fácil espantar o tédio com as novelas do que tem sido nesses tempos de redes sociais… Muito mais.
Há dias me pergunto que memória teremos desses nossos posts, compartilhamentos inúteis, amigos e amores virtuais… É como se estivéssemos todos cegos, hipnotizados por esse nada diário que nos ofereceram como meio de comunicação, entretenimento, profissão. Um universo de possibilidades que desperdiçamos tanto quanto a capacidade dos nossos cérebros. Me sinto ridícula, verdadeiramente ridícula. Viciada, escrava das minhas profissões virtuais e impotente. Mesmo quem vê, não sabe direito como sair do ar.
Dormindo, acordando, dormindo… Sem a menor vontade de fazer qualquer bobagem que me distraia. Lembrei de um filme que há muitos anos me fez entender alguns sons que vibravam no meu peito e eu fingia que não ouvia. Assisti o filme de novo, chorei de novo, compreendi e ouvi tudo, um pouco mais. Um pouco mais sobre mim mesma, sobre os homens, sobre mulheres. A cena que o marido lhe corta o dedo ainda me arrebenta o coração tanto quanto a cena da primeira vez que ela transa com o amante…
Nunca, nunca na sua vida chegue perto de alguém que te proibi – seja pelo motivo que for – de fazer o que te faz vibrar. Por mais que eu me esforce, há meses não escrevo uma linha sequer… E embora eu nunca tenha chegado perto o suficiente, as palavras que sempre lhe escaparam pela boca, calaram e torturaram as que costumavam sair pelos meus dedos. E tem me parecido uma eternidade não reencontrá-las… Uma eternidade de silêncio, vazio, uma eternidade presa no fundo escuro de um mar qualquer.
Mais do que desligar o computador, eu precisava me desligar dos últimos pensamentos. Não que eles fossem um problema… Os problemas deixaram de existir há bastante tempo, logo depois que me compreendi uma estranha realizadora de desejos. Mas, como a quantidade de exigências eram muitas e era mais fácil apertar o raio do botão e sair caminhando, tirei tudo da tomada e saí de casa.
“Odeio andar por essas ruas… Nem sei por onde começar. Esse monte de carros, barulhos… Hum… Já sei!”
Eu sempre esqueço que moro ao lado de um cemitério e que graças aos medos existenciais que cultivamos, ele é um dos únicos lugares do bairro que está quase sempre vazio.
Caminhei em direção a entrada principal, atravessei as tumbas de luxo, as estátuas sem cabimento, segui em direção as alamedas com vista para a cidade. Vazio, vazio… E teria sido só mais uma tarde de caminhada segura e em paz, se não tivesse ouvido um choro baixinho, um choro masculino, que me despertou a inevitável curiosidade de observar.
Não muito próxima – para não constrangê-lo – vi que se tratava de um senhor de cabelos branquinhos e óculos engraçados, mas embaçados de frio e lágrima num tanto que escondiam-lhe os olhos e até mesmo as feições. Gordinho, mas não muito. Cansado, mas não o suficiente para desistir. Triste… Realmente triste. Mas de uma tristeza que não me parecia recente, nem pontual.
“A senhora acredita que ele vem aqui todo santo dia, duas vezes, há pelo menos uns quatro anos e – semana sim, semana não – ainda chora igual chorou no dia que a enterraram?”
Eu não faço ideia de como é que ouvi a voz do funcionário do cemitério sem dar um puta pulo ou o maior berro de pavor do mundo. Como é que uma pessoa chega sorrateira do lado da outra e sai falando assim? Ainda mais num lugar que todo mundo passa longe e todos sabem que é só por ser o mais adequado para encontrarmos assombrações!
Por sorte e pela pouca fé em fantasmas, só levei um pequeno susto e consegui me manter focada na fofoca que o homem havia me contado. Respirei fundo e…
– Todo dia há quatro anos? Mas porque, meu Deus?
– O povo diz que ele morreu junto, mas ainda tá esperando a hora certa pra se deixar cobrir de terra ao lado dela…
– …
– …
– E ninguém faz nada para ajudá-lo? Ninguém da família vem aqui resgatá-lo pra vida? E os amigos? Ele é tão sozinho assim?
– E a de se fazer o que, dona?
– … Ele vem aqui todo dia?
– Religiosamente…
– Duas vezes? Mas porque duas vezes? Quais horários ele costuma vir?
– As sete da manhã e as quatro. Religiosamente.
– Religiosamente…
Eu precisava pensar… Dei tchau para o varredor de túmulos, mudei o percurso da caminhada e decidi que voltarei amanhã pra conversar com aquele senhor. As sete pra mim é impossível, mas as quatro pode ser. No intervalo, entre a vida on-line e off-line que me engolem e nessa tentativa diária e insana de apertarmos os botões certos, eu vou.
Continua… Amanhã. Religiosamente. Porque ninguém merece chorar durante todo o resto de uma vida.