Não, não e não!
O dono do bar noturno adorou! O bêbado então, nem se fala! Vibrava como criança com a minha demonstração dos
super-poderes do videotexto. Sai de lá quase meia-noite e com meia dúzia de chopes rodopiando na minha cabeça (eu é
que não ia trabalhar sóbria até aquela hora, era pedir demais!).
O dono do bar me enrolou, me enrolou e não assinou nenhum contrato, disse que me ligaria no dia seguinte. Me
despedi, dei uma sacolejadas pelo bar e sai de lá antes que eu completasse meu segundo dia sem dormir. Botei o pé na
rua quando ouvi o bêbado gritando meu nome:
Alessandra! Alessandra!
Eu? – cacete! Será o benedito? Nem ir pra casa eu consigo!
Meu cartão… meu cartão. Vá ao meu escritório amanhã. Eu quero conversar com você.
Ok. – quanto menos eu falar mais rápido eu vou embora.
Quer uma carona até em casa?
Não. Estou de carro, obrigada – nem se eu estivesse a pé.
Joguei o cartão dentro da bolsa e caminhei em direção ao estacionamento. Entrei no carro, coloquei a chave no
contato e antes de encontrar forças para dar qualquer partida, tive uma das maiores crises de choro da minha vida.
Me sentia perdida, sozinha, incompetente e incapaz de transformar a minha vida desregrada em uma vida normal cheia
de rotina, horários e compromissos. A maior parte das pessoas levam anos para terem independência profissional e eu,
que não conseguia me imaginar com carteira de trabalho assinada, tentava vivenciar a profissão que tantos fugiam.
Não entendia direito porque eu estava insistindo tanto naquela mudança tão radical, minha vida de fotógrafa era tão
boa. E, como se não bastasse, ninguém queria fechar aquele contrato dos infernos. Cinco “nãos” e um bêbado em um
único dia tinham abalado drasticamente minha auto-estima! Eu me sentia um lixo e precisava de uma cama e um bom
travesseiro pra chorar e dormir à vontade. Eu pensaria melhor no dia seguinte.
Cinco da manhã, banho, correria, trânsito, buzinas, Dancing Queen com coreografia de braços dentro do carro pra
acordar, uma piscadela e outra pra começar o dia sorrindo e lá estava eu às sete da manhã novamente.
Ao contrário do dia anterior, tive dó daquelas pessoas. Nada fácil passar o dia levando “nãos”. De onde elas tiravam
energia para estarem ali com suas caras brilhantes? Eu não sobreviveria! Quase morri quando levei o meu primeiro
fora amoroso. Fiquei enclausurada em casa chorando minhas férias de verão, engordei dez quilos e fiz um corte
pigmaleão nos cabelos. Sabe lá o que é isso? Era um “não” que parecia que ia doer pra sempre! Eu olhava no espelho
todo santo dia e achava que morreria de amor por aquele cabeludo insensível. Levei um ano para sarar do “não” que eu
levei do Bofe (apelido do dito cujo)! Foi na sexta série, pouco antes de acabar o ano letivo. Depois daquele dia,
nunca mais tinha levado um “não” pra casa, nem permiti que isso acontecesse. Foi trauma mesmo! Um trauma que eu
achei que tinha superado até o dia anterior onde todos aqueles nãos entraram atravessados pela minha goela e me
fizeram lembrar até do infeliz do Bofe. Eu não era tão forte quanto aqueles vendedores. Não resistiria a mais um dia
de visitas sem resultados positivos. Cogitei a possibilidade de me mandar dali mas, antes que eu considerasse tal
atitude, meu supervisor me pegou pelo braço.
Hoje você vem trabalhar comigo. – cacete! Passar o dia vigiada pelo chefe? Ó deus, me salve e me ensine a
dizer não.
______>> Continua.
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ler o Post IV – Primeiras impressões sobre o trabalho de cinco mil dólares

Clique aqui para
ler o Post III – A primeira noite no videopapo

Clique aqui para
ler o Post II – A entrevista

Clique aqui para
ler o Post I – O começo de toda a história



Escrito pela Alê Félix
6, fevereiro, 2003
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Amarula com sucrilhos… éca! Vou mudar o nome deste blog para transtorno bipolar do humor. :-b
Aviso aos navegantes: O Haloscan (sistema de comentários) está lelé da cuca. Os comentários dos dois posts abaixo
foram abduzidos. Espero que eles sejam devolvidos intactos, corados e cheios de saúde.

. . .

04h23m – Sei lá que dia é hoje… Mais uma noite sem dormir. Bah!
A história do vídeo-texto está adiantada. Vou postar vários tecos dela nos próximos dias… ou assim que eu acordar,
dormir e acordar e ficar de bom humor de novo, porque este humor ruim já deu o que tinha que dar e nem eu consigo
mais conviver com ele. Obrigado pelos e-mails, comentários e pelo carinho. Vocês são foda de bonitinhos.
Ah! O Haloscan pirou de novo e desapareceu com novos comentários… hehe! Sosseguem, eles voltarão.
Inté meus amores!



Escrito pela Alê Félix
5, fevereiro, 2003
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Primeiras impressões sobre o trabalho de cinco mil dólares.
Pior do que acordar cedo para trabalhar é ir para o trabalho sem ter dormido. Não compreendo as regras do mundo
profissional. Por que uma empresa de vendas quer ver a cara dos funcionários às sete da manhã? Pra se certificar de
que o cara acordou? Se não houver produção a pessoa não recebe, por que então as empresas acham que haveria
sabotagem do funcionário? Por que diabos eu não podia ter ficado na cama trabalhando em casa, pelo telefone ou coisa
parecida?
Aquele era o meu primeiro dia de trabalho, tive que controlar os meus impulsos de rebeldia profissional e dar um
jeito de não parecer uma morta viva. Já que tinha sido uma opção mudar de vida, no mínimo eu precisava respeitar os
horários impostos, mesmo sabendo que eu não me adaptaria facilmente.
Cheguei na Teletel me arrastando. Corri para o banheiro, lavei o rosto e fiz cara de empolgada (expressão padrão no
rosto dos bons vendedores da empresa). Era ridículo, não existem vencedores em horário comercial. Das oito às seis
todos somos escravos, mesmo que bem remunerados. Aqueles caras estavam na profissão errada, eram atores de primeira
linha e com uma fachada impecável sempre: sorrisos estampados e hálitos de pasta de dente, roupas engomadas e beges,
cabelos escovados e barbas feitas exalando bozzano. Um bando de gente tão limpa que chegava a brilhar. Sempre achei
que alguns deles não faziam sexo. Ninguém tão lustrado consegue trepar à vontade. Nada contra os princípios da
higiene, muito pelo contrário, mas acho estranho o excesso de limpeza calculado e cobiçoso. Além disso, sexo tem que
ter um quê de suor, de saliva, de roupa amassada, cabelo despenteado. Pensar em sexo com uma figura que beira o
branco do Omo todo santo dia faz com que a minha mente fértil pense um monte de esquisitices sobre a pessoa. Neura
minha ou não, além de não curtir muito o asseio intencional, ainda tinha dificuldades com o assédio natural e
saudável que os ambientes de trabalho proporcionam. Não dava para levar a sério cantadas de vendedores. Não
conseguia deixar de ver a estratégia de venda na atuação dos moçoilos. Vê-los seduzir as pessoas o dia todo com um
papo mole a troco de uma boa comissão, me fazia rir e desconsiderar qualquer outro tipo de interesse.
Definitivamente não tinha a menor graça ser uma das três mulheres de uma equipe de quarenta homens com aquele
perfil.
Depois de um discurso de motivação do gerente, liberaram os vendedores para as visitas diárias. Bocejei aliviada e
saí daquele recinto de Listerine para a busca dos meus cinco mil dólares mensais. A grande vantagem de você não ter
motivação sexual para ir ao trabalho é que você foca a sua energia no salário e foi isso que eu tratei de fazer.
Eu não tinha dúvidas de que o meu cofrinho da Turma da Mônica, no final do mês, estaria cheio de doletas. Era tudo
muito fácil: era só apresentar o vídeo-texto, fechar o contrato de locação do equipamento pela maior quantidade de
meses que eu conseguisse e pronto! Duvido que alguém resistiria àquela maravilha do século vinte! Era batata! Cinco
mil dólares na mão e um terminal de vídeo-texto portátil para brincar nas horas vagas. Mas não foi bem assim…
Minha primeira visita foi um “talvez”, a segunda, um “não”, a terceira, um “chá de cadeira”; na quarta me botaram
pra falar com o office-boy e na quinta, às oito horas da noite em um bar noturno na estrada do guarapiranga tive que
explicar como o sistema funcionava para o dono do bar e para um freguês bêbado que decidiu bater o recorde mundial
da pentelhice. Às minhas custas óbviamente.



Escrito pela Alê Félix
4, fevereiro, 2003
Comentários desativados em O videotexto (Post IV)
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Há muitos anos (nem me lembro quantos, porque eu era muito pequena) cortei o dedo brincando com uma faca de mesa.
Sangrava tanto, tanto, que eu achei de verdade que todo o meu sangue sairia do meu corpo e eu morreria no colo da
minha mãe. Não lembro de ter gritado e ficado tão desesperada como naquela ocasião. Mas o mais curioso é que eu acho
que foi a partir daquele dia, que a minha encanação com a morte começou. Passei a lidar com a minha vida como se ela
estivesse sempre prestes a acabar.
Tem dias que eu esqueço, nem penso nisso. Tem dias que eu choro de medo, tem dias que eu peço para o maridon me
abraçar e dizer palavras engraçadas mas, na maior parte do tempo, eu tento viver o mais rápido possível… às vezes,
rápido demais. Tão rápido que, muitas vezes, acho que me preocupo mais com o roteiro da viagem do que com a
paisagem.
Será que eu perdi alguma coisa?

. . .

A ironia do post acima é que eu comecei a escrevê-lo direto na ferramenta do blogger e não em um arquivo de texto
para poder salvá-lo enquanto digitava. Prá variar, o tempo foi passando, eu fui escrevendo, não salvei nada, cliquei
no “postar e publicar”, o tempo expirou e eu perdi tudo! Tratei de reescrevê-lo imediatamente, enquanto ainda estava
fresco na memória. Só então compreendi a ligação entre o que eu tinha escrito e o que havia acontecido com o post
perdido por conta da minha “pressa”. A minha pergunta foi respondida, sim estou perdendo muita coisa.



Escrito pela Alê Félix
3, fevereiro, 2003
Comentários desativados em Viver exige atenção
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Tem dias que eu acordo com um sol brilhando dentro de mim.
Não entendo direito o que o faz despertar, mas estou de olho nele e um dia eu descubro. Só sei que, quando acordo
com ele no peito, as manhãs ficam mais claras e cheias de contraste, a vida fica mais simples e as pessoas mais
bonitas. Até a cara amassada de sono fica mais engraçadinha.



Escrito pela Alê Félix
1, fevereiro, 2003
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Preciso pedir um favor para vocês. Não me importo de pedir favores quando a causa vale a pena ou quando é de vida ou
morte. Neste caso não há chance de ninguém morrer, mas a vida de alguém pode mudar bastante e eu garanto que este
alguém vale muito a pena.
Estou falando da Lia, uma das garotas mais carismáticas e
populares entre o público infantil e adolescente do universo dos blogs. A Lia é uma menina. Bem crescidinha é
verdade, mas com coração, jeito, gostos, tudo de garotinha. É uma dessas pessoas raras que ainda crêem em amor
eterno, conto de fadas e seres humanos. É engraçado falar da Lia… somos tão o oposto uma da outra que falar dela
me remete um pouco à doçura que eu acho que a vida me tirou. Nada que me faça gostar da Barbie mas de cor de rosa,
talvez. 🙂 Mas vamos ao que interessa.
Um dia o maridon achou o site da Lia e me disse que talvez fosse um bom veículo para fazermos divulgação. Era um
site de montagem de dolls, um dos vários sites que ela
desenvolveu. A mocinha passava o dia fazendo sites, tinha vários e sobre diversos assuntos. O dolls era a sua
fábrica de bonecas virtuais, a sua menina dos olhos, o seu palácio, como ela mesma o chamava no inicio.
Com conexão discada, aprendendo HTML e ASP (sozinha ou com a ajuda do namorado e com o incentivo da família que se
desdobra até hoje para custear faculdade, acesso a internet e tudo mais), o dolls foi crescendo e ganhando
reconhecimento.
A Lia é uma garota simples, que se esforça muito para conquistar os seus objetivos e que tem o dom de colocar uma
pitada do seu amor em tudo. Com todos esses ingredientes, era natural que o dolls virasse um sucesso mas, mais do
que sucesso, a Lia precisa de remuneração suficiente para contribuir nas suas despesas pessoais.
Ela quis arranjar um emprego, e eu temi que ela arranjasse um emprego bobo que não lhe desse o devido valor. Não
achava justo que uma garota tão esforçada e com um futuro tão promissor botasse tudo a perder arranjando um emprego
que lhe tirasse tudo o que ela construiu.
Como eu não pude fazer muito por ela, muitas vezes me perguntei se não era melhor que este emprego surgisse para que
ela abandonasse de vez a esperança de algo maior. Mas recentemente surgiram alguns sinais, acredito eu, de que esta
menina pode estar no caminho certo.
Ela ficou entre os dez finalistas do ibest na categoria entretenimento e tenho certeza de que esta é uma conquista
sem apadrinhamento, sem indicações duvidosas ou coisas parecidas. Qualquer mérito se deve aos seus esforços e ao
público fiel e querido que ela cativa. Nunca imaginei que um dia eu pediria para alguém entrar no ibest para dar um
voto, tenho muitas dúvidas sobre o sistema de votação dessas pessoas. Mas, se essa menina chegou até aqui sozinha,
porque não posso acreditar que ela pode ir um pouco mais longe? Não sei quantos benefícios reais ela terá com esse
prêmio, mas acho que pode ser um bom começo para uma garota que é digna de um estalo de varinha de condão sobre a
sua cabeça.
Vote no futuro da Lia você também.



Escrito pela Alê Félix
31, janeiro, 2003
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Fui uma péssima irmã. Dessas que ignora a existência dos mais novos, do “bom dia” ao “passa o sal”. Era tão
egocêntrica e metida a besta que quase não os vi crescer. Depois que saí da casa dos meus pais, passado o susto das
primeiras contas que tiveram que ser pagas, me dei conta do quão relapsa e fria eu havia sido com meus irmãos.
Deu uma crise de arrependimento e tentei correr atrás do prejuízo. Convidei minha irmã para um café – ela achou que
eu tinha surtado mas aceitou. Tentei aceitar as diferenças com meu irmão do meio e torná-lo menos distante do meu
dia a dia e passei a dar mais atenção para o caçula que não desgrudava do meu pé.
De lá pra cá as coisas melhoraram muito. Na medida do possível, tentamos sobreviver aos vínculos familiares e
perdoar os deslizes do passado. Mas, com meu irmão mais novo, a coisa às vezes sai do controle. Vira e mexe,
brigamos de bater o telefone na cara um do outro, mando ele à merda todas as vezes que estou com o ovo atravessado e
perco a paciência sempre que suas atitudes me parecem absurdas.
Sugeri, há alguns meses, que ele abrisse um blog. Eu, com meus planos megalomaníacos, achei que em breve ele
poderia, com o blog, tornar um pouco mais concretos seus sonhos de trabalhar com música. Ele gostou da idéia, fez o
blog, achou tempo no seu dia corrido para escrever, responder e-mails, conhecer as pessoas, visitar outros blogs e
tudo mais. Foram dois ou três meses, se muito. No início ele queria tirar férias para se dedicar ao blog mas a
agenda de trabalho não permitiu. Ele, que já andava estressado, piorou, mas continuou driblando a falta de tempo e
cuidando de todos os compromissos que assumiu.
O mês de dezembro foi um desastre, bateram no seu carro quatro vezes. Na última, o motorista se aproveitou das
circunstâncias e entrou com um processo para ser ressarcido pelos danos que, segundo ele, meu irmão causou. Estresse
e injustiça aliados à sua falta de atenção, mas não vou bancar a irmã chata. Não hoje.
O fato é que, na última sexta feira, meu irmão conseguiu tirar alguns dias de férias. Chegou aqui em casa no fim do
dia com uma expressão cansada, a voz meio rouca. Estava com uma boa grana na conta, suficiente para quitar os
prejuízos do mês anterior e dar entrada num carro meia-boca que facilitasse o seu dia. Foi até o computador:
correspondência atrasada e caixa postal cheia, velhos e novos comentários, velhas e novas amizades virtuais; há
quase uma semana não atualizava seu blog.
Eu achei que ele tinha desistido, cheguei até a criticá-lo:
– Não vai mais postar nada não, é?
– Não.
– Humm…
– Eu não tenho mais vida. Nem durmo direito. Passo mais tempo pensando neste blog do que em qualquer outra coisa. Eu
gostei de abrir o blog. Conheci muita gente legal por conta dele. Não vou parar de postar, mas não vou ficar escravo
disso. Aliás, vou tirar a parte de comentários e toda aquela parafernália que me faz procurar um computador o tempo
todo só para dar manutenção ao blog. Eu tô esgotado. Não vou fechar o blog, mas vou fazê-lo pra mim e não para
outras pessoas.
Acho que foi a primeira vez que ouvi meu irmão com seriedade. Ele tinha razão, a mais pura razão. Ele voltou para o
micro, ficou lá um tempo, escreveu por quase uma hora e em seguida apareceu na sala com cara de criança quando faz
traquinagem.
– Que foi garoto? Que cara é essa?
– Vou pra Salvador.
– O quê?
– Vou pra Salvador. Embarco amanhã cedo de Cumbica, volto de ônibus, fico um pouco em algumas cidades do sul da
Bahia, depois Rio de Janeiro e volto para São Paulo.
– E grana? E o carro? E o processo?
– Não me importo de ficar mais um tempo sem carro, não é o fim do mundo. O cara que me bateu está errado. Se ele
quis entrar com um processo, isto é problema dele, não meu. Mesmo que eu tenha que pagar pelo que eu não fiz, esse é
um problema menor e que eu só vou me preocupar quando tiver que pensar nisso. Eu sempre quis conhecer o nordeste,
sempre quis fazer uma viagem dessas: sozinho, sem saber direito para onde ir, como vai ser, quem eu vou conhecer…
essas coisas que você vivia fazendo, muito mais nova do que eu.
Levei-o ao aeroporto no dia seguinte, orgulhosa pra caralho. Falei com ele por telefone dois dias depois. Era outro
cara. Um cara confiante, sorridente, cheio de coragem e com a voz embriagada de uma felicidade que me soou familiar
e distante. Deu um aperto no peito, deu saudade de mim mesma e de tantas outras viagens e pessoas que estacionaram
nas lembranças da minha vida. Passou… dei com a minha cara cheia de lágrimas no espelho do banheiro e vi que
passou. Foi bom ter passado… Não me sinto mais como a irmã mais velha, não me sinto mais como a irmã ausente, não
os sinto mais como desconhecidos. Agora sou só a amiga e, por coincidência, a irmã.



Escrito pela Alê Félix
30, janeiro, 2003
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Desde o dia que eu abri esse blog tenho dado muito mais atenção a ele do que deveria. Com o passar dos posts fui
descobrindo que eu não tenho mais a habilidade para gerenciar várias tarefas ao mesmo tempo. Meu melhor dom feminino
foi para o beleléu. Acabou! Já fui boa nisso, hoje em dia sou mono-tarefa. Preciso me dedicar, preciso de tempo,
preciso pensar, preciso do prazer extraído do trabalho, preciso de paz e preciso, principalmente, trabalhar pouco;
uma meta quase impossível para alguém que mal consegue tirar férias sem ter crises de consciência.
Se eu tivesse filhos e precisasse me preocupar com o café da manhã, estaria completamente abilolada. Olho para essas
mulheres que se dividem entre a profissão, os afazeres domésticos, filhos, marido, entre outras invenções do
universo da mulher moderna e simplesmente não acredito. Fico me perguntando se dá tempo de viver, se dá tempo de
curtir o tempo, se dá tempo para se questionar ou mesmo sentir-se feliz. Talvez esta seja a questão: nunca conheci
uma mulher que lidasse bem com a ociosidade. Se há tempo, há uma enorme quantidade de bobagens passando pela nossa
cabeça. Partindo deste principio, quanto menos tempo livre, menores as chances do diabo se instalar e se esparramar
nas nossas mentes. É o acumulo de tarefas que sabota qualquer sensação de falta de importância, dedicação,
realização, etc e nos dá ares de missão cumprida no fim do dia.
Acho que deve ser por conta disso que nos enchemos de obrigações e nos dividimos em dias de missões impossíveis. Por
que eu estou dizendo nós? Não sou mais uma mulher maravilha. Já perdi os meus super poderes. Não sou mais como a
maior parte das mulheres. Que seja. Não tenho nada que precise da minha existência tanto assim… só a editora, a
editora precisa de mim e eu preciso dela para gerar produtividade nos meus dias de ócio. Produtividade? Não seria
“sentido”?
Ter um blog dá trabalho; escrever dá trabalho, mesmo que seja sobre os nossos umbigos.
Não consigo mais responder e-mails, comentários, não consigo mais tempo para comentar. Não vou parar de vir aqui,
até porque não consigo e não posso parar de ler os velhos e os novos blogs. Mas o meu tempo, que nunca foi precioso,
será oferecido para uma única tarefa. A única tarefa importante da minha vida sem responsabilidades e dependentes.
Vou cuidar mais e melhor da minha editora… porque talvez ela seja a única coisa verdadeiramente minha nestes dias
estranhos que me fazem acreditar que eu gosto mais de sol do que de chuva.



Escrito pela Alê Félix
29, janeiro, 2003
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