Lembram que eu falei da entrevista que a Daniela Abade deu no Espaço Aberto para o Pedro Bial? Quem não viu
e quiser ver ou ouvir, basta escolher as opções abaixo.
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Quando eu nasci…
Quando eu nasci, você já beijava na boca, já brigava, já tocava violão e achava que não viveria mais tempo do que o seu papai viveu. Enquanto eu
crescia, você se tornava o homem que, sem querer e saber, eu sonhava.
Eu sei que não há romance sem que haja um pouco de magia, mas confesso que é difícil não acreditar em destino vendo os anos passarem ao seu lado.
Sempre que eu conheço alguém que eu gosto, torço para que eu continue gostando dela até o dia do seu aniversário. De alguma forma essas datas me
fazem agradecer pela vida e pelos encontros. No seu caso, eu tinha pouco menos de seis meses e, num primeiro momento, achei que não daria tempo,
afinal meu coração vagabundo gostava e desgostava de pessoas como se elas fossem roupas. Levei anos para entender porque nosso caso não acabava
nunca.
Um dos motivos é que eu sempre gostei do fim das histórias. Hoje eu compreendo porque sabotei tantos relacionamentos. Só não pude imaginar que meus
planos não funcionariam com você, assim como ainda não consigo imaginar outro homem que me prenda e fascine como você o faz. Eu te admiro – admiro da
forma mais profunda e honesta que eu poderia admirar um ser humano. Admiro seu olhar para as coisas da vida e admiro cada segundo da sua existência.
Gosto do seu passado, do seu presente e do seu futuro.
Você sabe disso, sabe de tudo isso, porque desde que nos conhecemos não me canso de repetir o quão especial você é. E não é porque eu te amo. Você
bem sabe que eu não tenho dificuldades para amar; tenho dificuldades para admirar, respeitar… para amar, não. Nasci com olhos aguçados para
encontrar pêlos em ovos e não sei o que teria sido de mim se não o tivesse encontrado. E não me aponte seus defeitos, porque já revirei sua cota de
imperfeições e, cada dia que passa, enxergo você maior e melhor. Sempre gostei de grandes homens, mas você foi a melhor surpresa que a vida aprontou
para mim.
Em um dia como hoje, eu poderia mais uma vez agradecê-lo por existir, por me amar ou por dividir seu tempo comigo, mas não quero fazê-lo. Eu seria
repetitiva demais para nós dois.
Não me recordo de nenhuma prova do meu amor que não tenha sido entregue com fitas vermelhas nos dias dos seus aniversários. Mas, depois de tantos
anos, eu sinto que a minha criatividade não é mais a mesma. Tanto é que muitas vezes me sinto com uma vontade louca de apelar para as demonstrações
fáceis e ridículas de afeto. Estou por um triz de pendurar um faixa, convocar uma serenata, grudar no alto falante e declarar o meu amor
publicamente. Cansei de dizer de um jeito bem elaborado que amo você. Amor maior devem sentir os que não se intimidam com declarações públicas. Mas
hoje não… Hoje eu descobri que o amor também tem silêncio e que mesmo assim, sinto que vou te amar pra sempre.
Quando você nasceu…
Quando você nasceu, ganhou de presente o magnetismo de uma flor e a força do vermelho, como se tivesse nascido em um jardim. Como se a flor
fosse sua mãe e a terra o seu pai. E havia mesmo uma flor no jardim. Uma flor solitária, mas forte o suficiente para adubar e semear sobre a terra.
Graças ao jardim da flor e ao rubro da terra, você tem esses olhos enamorados, esses traços bem desenhados e esse seu jeito apaixonado. Graças a eles
você cresceu forte, verdadeiro e dedicado. Devo a eles o seu humor, sua tranqüilidade e sua infinita bondade.
Sempre que o mês de agosto aponta no calendário, uma comichão de pensamentos toma conta de mim. Nesses dias sinto uma vontade enorme de agradecer a
sua existência.
Todo mês de agosto eu penso nos seus pais. Penso nas qualidades que você herdou da sua mãe, penso nas manias e nos detalhes da sua personalidade,
visivelmente herdados do pai que você mal conheceu, e penso nos traços e misturas necessárias para que você viesse ao mundo e se tornasse o homem que
você é. Penso que deveria agradecer a eles em todos os seus aniversários. Porque, se eu amo, admiro e adoro você e a história da sua vida, é graças a
eles. Graças ao jardim da Flor e o rubro do Rubens.
Amo você. Feliz aniversário.
Quem vê cara não mede o parreco
Dezoito anos, parda, estatura média, lenço no cabelo e um o avental preso no quadril arrebitado que fez seu Marcos perder a cabeça e a esposa.
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Abri os olhos e achei que estava sonhando ou que tinha morrido. O clone do “ex”, estava ao meu lado meio choroso e com um buquê de flores nas mãos.
Não tive dúvidas: “Morri e estou vendo meu próprio enterro”. Meus pais entraram no quarto no momento seguinte e me acordaram do pesadelo. Fui
obrigada a me defender das broncas, antes mesmo de comemorar a escapada que eu dei na morte. Passado o esporro, me dei conta do que aconteceu. De
tanto chorar, dormi no volante. Quis morrer de ódio, no instante seguinte.
Que coisa estúpida, dormir ao volante. Eu não durmo nunca! Logo no volante? Mas não lembrava de ter batido o carro e me estropiado toda. Eu não,
porque até dormindo eu dirijo bem. As poucas lembranças e os fatos indicavam que eu fui adormecendo, indo para o acostamento, o carro parando e
parou. Eu teria acordado, levado um susto, mas estava protegida pela arte da “pilota” sonâmbula. E nenhum acidente teria acontecido se não fosse por
causa de uma outra topeira sonolenta que cochilou e fez um strike de meia dúzia de carros na estrada. Eu não vi nada – me contaram – e ainda
bem que não vi. Seria como acordar em um grande desastre físico e emocional. Porque, maior do que a dorzinha dos poucos hematomas da batida, eram as
dores da cena do dia anterior.
O beijo que o crápula deu na loira foi o ponto final nas recaídas, na saudade e na história toda. Não havia mais o que extrair daquele
relacionamento, mas como doía! Uma dor egoísta que me fazia crer que eu podia e ele não. O clone ao meu lado, sem saber de nada, achando que eu era
namorada dele e eu acusando mentalmente o “ex” por não respeitar o prazo de validade da nossa separação.
Pra piorar, aquele escândalo. Que merda, que vergonha! Deixei o cara sem carteira, sem dinheiro, sem condução e com uma violinista linda, que
certamente o levou para dormir na casa dela. Que estúpida, que desequilibrada e que vontade de continuar chorando. Mas não podia.
No meio de toda a minha dor de cotovelo, ainda fui obrigada a mentir. Não podia dizer o motivo daquela presepada toda. Nem para o clone e muito menos
para os meus pais. Graças a deus meu orgulho sempre foi maior do que as minhas crises de insanidade. Eu não assumiria um chilique como aquele, nunca!
Além do mais, tadinho do clone. Todo atencioso, preocupado, não desgrudou de mim um minuto sequer. Dormiu no sofá do hospital, passou frio de noite,
me deu água na boca e quando eu acordei, ele não estava mais lá. Estranhei mas, pouco depois, ele chegou com o café da manhã, um presente e um
cartão.
Mordi a maçã, abri a pequena caixinha com um anel lindo, agradeci achando que era um agrado qualquer e tirei o cartão do envelope:
“Não tente parecer forte para sempre. Eu sei o quanto você é frágil.
Casa comigo? Eu cuido de você.”
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Na verdade, não me interessa mais se a notícia é fresca ou se é coisa antiga. Abro o jornal pra dar risada. Parece crueldade da minha parte, mas
juro que não é. Não dá pra não rir da tragicomédia estampada nas manchetes dos jornais.
Além de dar boas risadas, faz também com que eu agradeça. Sempre dei graças a deus por ter nascido pobre. Mais do que isso, sempre digo que todo
mundo deveria nascer pobre. Nascer rico é um atraso de vida. O dinheiro mata a coragem, torna tudo fácil e sem graça. O grande barato da vida é a
batalha pelo dia a dia. Nascer rico é perder metade da disposição para o combate. Sem contar que o cara que nasce rico tem tudo pra se tornar uma
figura despreparada para as horas de caos. Em momentos como
este, agradeço também por ser brasileira e ter o humor daqueles que diriam: “Uêba, apagão! Sem luz, sem trabalho. Todos para o boteco, antes
que a cerveja esquente.” Lá, ao invés disso, os caras se borram achando que é mais uma do Bin Laden e sua gangue.
E os nossos políticos? Ai, nossos políticos… Bendito o dia em que eu decidi dar uma banana pra vida de cidadã e parei de me dar ao trabalho de ir
votar. Aliás, é mais do que a questão do voto. É o enjôo todo que me dá qualquer universo metido a politizado, qualquer movimento que busque
militância ou coisas do tipo. Éca!
E o evento galinha preta? Uma beleza! Quando eu ouvi a
notícia pensei: “Vixe! Corre pra benzedeira que é macumba!”. Daí vai o Senhor Justiça e solta a maior merda que uma mente poluída, preconceituosa e
conservadora poderia produzir. Pra mim, o sujeito chamou a mulher de galinha em rede nacional. Ninguém me convence do contrário. O que ele disse
revela muito mais sobre os pensamentos dele do que sobre as intenções da figura que arremessou a galinha. E, como se não bastasse, vem a organização
da “bicharada unida jamais será vencida” e distorce tudo com o papo do veado (animal). Politicamente correto tem limite e a profundidade do babado é
outra, minha gente! Daqui a pouco até o Ibama vai querer um pedido de desculpas em nome dos veados (animais).
E pra terminar meu dia de jornal, um crime da melhor qualidade. Um crime passional que põe no chinelo muito pastelão americano e muito filme trash de
terror. O sujeito matou pai e mãe, mas matou por amor, um grande
amor.
Não é maldade, jornais me divertem…
Chegamos à festa. Festa de músicos eruditos. Poucas mulheres e discussões sobre Mozart e Wagner. Ainda bem que eu fui. Dez minutos depois daquele
papo sem graça, a conversa mudou para bizarrices sexuais e a tara nossa de cada dia. Não há nada mais divertido do que falar de sexo. Pena que o
repertório seja limitado.
Na roda estávamos eu, quatro rapazes, o “ex” e uma violinista muito simpática, que tropeçou na minha frente logo que eu cheguei. Ela só não se
esborrachou no chão porque se apoiou em mim – um acidente que fez com que passássemos alguns minutos no hall de entrada. Foram minutos suficientes
pra eu ir com a cara da menina e apresentá-la para o “ex” e seus amigos. Fui gentil. Ela estava sozinha, não parecia ser uma mala sem alça e era uma
moça muito bonita. Os rapazes da mesa, certamente, me agradeceriam pela sociabilidade. Quanto ao “ex”, não havia o que me preocupar. Ele era
maravilhoso, mas era feio feito o cão chupando manga. Ela não se interessaria por ele, não aquela loira linda que poderia ter qualquer banana daquela
festa.
Duas horas depois de muito vinho e conversa boa, apareceu no meio do jardim um bolo e um aniversariante. Todos se levantaram para os parabéns e, na
hora do corte do bolo, perceberam que não havia como cortá-lo. Por mania de educação desnecessária, me ofereci para ir até cozinha buscar uma faca.
Revirei um armário inteiro atrás de uma bendita espátula e não encontrei. Tive que lavar uma faca de pão que estava melecada de manteiga dentro da
pia. Lavei, sequei e corri para entregá-la ao aniversariante. Atravessei a cozinha, segui pelo corredor, passei pela sala, abri a porta que dava para
a sala de estar e senti que a porta havia emperrado em alguém. Antes que eu pudesse me desculpar, me deparei com o “ex” e a loira se engolindo atrás
da porta.
Nunca imaginei que isso fosse possível, mas eu surtei. Joguei a carteira e a chave dele num matagal de terreno baldio, arranquei a minha chave do
bolso dele, disse um monte de absurdos com a faca a um milímetro do nariz dos dois e enfiei a mão na cara da loira no mesmo instante que ela abriu a
boca para dizer alguma coisa que eu não me dei ao trabalho de ouvir.
Eu sei que estávamos separados, sei que eu disse que queria ser amiga, mas ficar com alguém na minha frente? Assim? Tão rápido? E logo com a
bonitona? Meio bêbada e aos prantos, saí da festa com o cretino tentando me segurar pela bolsa. Não satisfeito, tentou segurar a porta do carro.
Quase perdeu as unhas dos dedos para sempre. Parti cantando pneus. E chorei tanto e corri tanto, que acordei em um pronto-socorro.
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