Meus avós maternos eram muito pobrezinhos quando casaram. Rodaram o estado de São Paulo antes de se firmarem em um
local. Moraram na cidade de Americana (onde minha mãe nasceu), depois voltaram para a capital e continuaram a saga
entre Vila Ré, Artur Alvim, Guaianazes, Mauá, Santo André e, por último, Santo Amaro. Cada mudança, um filho; para
cada um, uma letra M de presente. Pobres como eram, a única alegria da minha avó no período de gestação era ficar
matutando para achar algum nome bonito que começasse com a mesma letra do nome da primeira filha. Assim ficariam
todos com algo em comum, além dos vínculos materno e paterno.
Mas as crianças que poeticamente foram batizadas de Maria, Marcos, Maurílio, Maurício, Marcia, Magda e Marilda
trataram logo de bagunçar o coreto para: Tatá, Maco, Lilo, Licinho, Marcinha, Guida e Liuda. Eles eram ótimos para
inventar nomes e apelidos.
Com a chegada da última filha veio também o terreno que ajudaria todos eles a se ergerem na vida. Depois de morarem
em casas de pau-a-pique, casas de parentes e de favor, eles conseguiram comprar um bom pedaço de terra onde a cidade
terminava.
Quando eu nasci, todos eles eram muito crianças, inclusive minha mãe, que me teve aos dezoito anos de idade.
Naquela época, pobre, de familia numerosa e primogênita, o destino não poderia ser outro. Casar era uma boa solução
para todos. Graças a Deus, mesmo com todos esses fatores, ela teve a sorte de casar por amor, paixão e porque
queria.
Meu pai morava em um bairro vizinho mas, depois de ter atropelado minha mãe com uma bicicleta, tratou de mudar o
percurso que fazia até o trabalho para que pudesse vê-la com mais frequência. Meu avô autorizou o namoro, construiu
um puxadinho no fundo do terreno, meus pais casaram e pouco menos de um ano depois do casório eu nasci.
Fui feita em época de carnaval, na cidade de Poços de Caldas, na lua de mel apertada que eles conseguiram ter. Nove
meses depois, minha mãe chegaria da maternidade e me apresentaria para todos os outros emes que dividiriam o terreno
conosco. Ela conta que eles cercaram meu berço e brigaram para me segurar em seus colos. Enquanto eles discutiam,
meu pai só queria saber se minha mãe já havia decidido pelo meu nome; ele precisava ir até o cartório me registrar.
Discussão levantada, todos os emes decidiram dar palpites e nomes esdrúxulos começaram a surgir de todos os lados:
ela tem rostinho de Minnie (idéia da tia que adorava a Minnie do Mickey). Não, ela vai se chamar Tiara (coisas da
minha tia perua que vivia de tiaras e adorava esse nome). Lucille Ball, coloque Lucille Ball (pré adolescente
tarado, aquele meu tio!). Meu pai interrompeu a bagunça dizendo que, por ele, seria Marília (cidade onde ele
nasceu). Todos os emes começaram a pular gritando: Mais um eme, mais um eme, mais um eme! Minha mãe, por sua vez,
exausta do parto e daquele monte de criancinhas que ela teria que continuar convivendo mesmo depois de casada, puxou
meu pai pelo colarinho e disse: Tudo, menos outro eme.
De lá para cá, meu pai costuma dizer que não se pode discutir com uma mulher que acabou de parir. Ele saiu de casa,
pegou os documentos, entrou na fila de registros do cartório e quando chegou a sua vez, perguntou para o escrivão:
– Por favor, será que o senhor não pode me dar uma dica. Eu preciso registrar a minha filha e estou com uma dúvida
danada. Que nome o pessoal da fila tem colocado em meninas?
– Ah seu moço, o nome que mais eu vejo chegar aqui é Alexandra, Alessandra, Aleksandra. Parece que todo mundo
decidiu botar esse nome nas filhas.
– Ah é? É um nome bonito… e não é um eme. Minha menina, bem que tem carinha de Alê. Pois, pode colocar esse aí
então.
– De que jeito o senhor prefere?
– Vê do jeito mais fácil de escrever. Assim ela não vai precisar soletrar muito na vida.
Eu poderia ter sido mais um eme se todos tivessem concordado com Marilia, mas acabei sendo mais uma das várias Alês,
vitimas da moda que era este nome na época. Bem, dos males o menor, antes vítima da moda do que assinar Tiara,
Minnie ou Lucille Ball.