Tem coisas que só a terapia faz por você!
Eu adoro fazer terapia. Logo eu, que achava que terapia era uma conversa agendada entre um tantã e um charlatão de
cronômetro na mão. Achei isto durante anos, mesmo sabendo que um amigo tratou com análise uma raiva que ele sentia
que lhe fazia morder sofás. Nunca mais teve crises, não lhe restou nem um pinguinho de ódio no coração e
provavelmente nem um sofá em casa.
Um dia eu acordei, estava com dinheiro e tempo sobrando, precisava inventar alguma coisa para fazer antes que eu
morresse de tédio. Decidi fazer terapia. De quebra, aproveitaria para tentar resolver umas crises de identidade e
uma preguiça inexplicável que eu andava sentindo.
Achar um profissional que me atendesse parecia uma tarefa simples. Pedi uma indicação à uma amiga, fonte forte e
gabaritada na área:
– Você prefere que seja homem ou mulher?
Resposta default:
– Homem.
Fácil.
Fui parar no escritório de um cara quarentão, simpático, de conversa agradável e expressão confiável. Falei um pouco
sobre o meu dia a dia e sobre quem eu era, o que tinha me levado até lá e o que eu esperava alcançar com o
tratamento. Nada de muitos detalhes, um apanhado geral sem muita profundidade, o básico para ele conhecer a nova
paciente.
Quando eu imaginei que falaríamos de valores e agendaríamos os dias para as próximas consultas, ele disse que não
me atenderia.
Alguém já viu um psicólogo recusar paciente? Eu não sabia que isso existia!
Ele alegou que, talvez, uma visão feminina sobre o meu caso fosse a melhor opção. Me indicou uma amiga, que segundo
ele, tinha um trabalho de auto-hipnose com resultados bastante eficientes e que teria condições de me oferecer bons
resultados a curto prazo. Perguntou se eu estaria disposta a tomar remédio e me deu o telefone da sua amiga
psiquiatra(!). Auto-hipnose e psiquiatria – esse era o meu receituário.
Sai de lá crente de que eu tinha ficado louca nos últimos anos e não havia percebido. Passei um tempão achando que,
se o cara que vê gente lelé todo santo dia não quis me atender e me mandou para uma psiquiatra sem eu ter dito nada
demais, eu só poderia estar louca de pedra. Não havia outra explicação, só podia ser isto. Eu tinha enlouquecido e
ninguém me avisou.
Além de louca, teria que fazer uma varredura no meu subconciente. Auto-hipnose. Daria duas horas da minha vida se me
reprisassem minha conversa com aquele cara, só para saber o que ele ouviu da minha boca para me indicar
auto-hipnose. Se eu não acreditava nem em hipnose normal, como é que eu iria acreditar em eu hipnotizando a mim
mesma? Porque só podia ser assim que funcionava um negócio como este. Pronto! Eu teria que pagar para ver e ouvir
uma charlatã.
Cem reais a consulta, já com o desconto pela recomendação do terapeuta-amigo. Além de tudo, eu teria que pagar pela
primeira consulta. Não era como psicólogos que, em geral, não cobram pela visita inicial. Falamos por telefone. A
médica foi fria e calculista, rápida no gatilho. Quase não me deixou falar e, quando eu vi, já estava com horário
marcado em um consultório psiquiátrico. Fui, né? Fazer o quê?
Meia hora de perguntas, meia hora de respostas, meia hora falando da minha vida pessoal, hábitos, manias, vícios,
vida amorosa, vida profissional, queixas, expectativas e uma necessidade urgente de energia. Queria ficar mais
disposta (você não imagina como se é bem tratado quando a consulta é paga – médicos de plano de saúde fazem você
sair do consultório com cara de quem deu uma rapidinha sem gozar.).
Sai de lá com duas receitas que custavam o olho da cara (nada de genéricos) e a garantia de que eles não causavam
dependência e poucos efeitos colaterais. Era só para dar uma estabilizada na vida, curar a minha apatia e diminuir a
ansiedade, nada de grave.
Na farmácia deixei mais cento e cinquenta reais, levei os remédios e uma dose de humor bastante desestabilizado.
No dia seguinte, comecei a tomar os compridos: de manhã, à tarde e à noite no primeiro dia. O segundo, o terceiro e
o quarto dia não existiram porque eu morri – dormi as vinte e quatro horas do dia! E foi assim no quinto dia, no
sexto e no resto do mês. Eu só acordava para comer, ir ao banheiro, tomar remédio, ser um doce com todos à minha
volta e sorrir para o ar. Eu não falava alto como de costume – quase não falava. Não brigava com ninguém, não
reclamava de nada. Eu queria energia e estava gastando toda ela em sonhos, nem pesadelos eu tinha mais. Eu dormia e
acordava com o espírito da Sandy encarnado em mim.
Minha sorte foi que eu estava possuída por uma lerda, e em um momento de descuido do espírito songa-monga, eu tomei
as rédeas da situação e dei descarga naquelas pílulas da felicidade sem noção.
Forte, feliz e acordada, voltei à realidade. Dei alta para a psiquiatra e uma semana depois, conheci por indicação
de um amigo que não acreditava em psicoterapia, a minha terapeuta-sensitiva-vidente.
Uma mulher séria, direta, atenciosa, interessada e de uma sensibilidade inacreditável (por isso sensitiva-vidente).
Desde então, tenho aproveitado ao máximo as minhas horas de terapia. Mudei minha opinião com relação ao trabalho,
aos resultados e aos profissionais de psicologia. Toda vez que saio daquele consultório acabo saindo com uma
sensação de mudança, de melhora.
Tive consulta com minha terapeuta logo depois de não ter tido coragem de exigir que a dona massagista devolvesse meu
dinheiro. Cheguei no consultório incrédula com os últimos fatos e acabei contando toda a história nos meus cinquenta
minutos semanais. No final das contas descobri que em doses homeopaticas, terapia acaba tendo um resultado bem
parecido com o da pílula da felicidade.
Decidi naquele mesmo dia que não haviam motivos para tanto estardalhaço com a mulher do pires. E daí que a casa era
sinistra? Ela era uma boa senhora, muito esforçada, uma excelente massagista, proprietária de uma residência com
aspecto excêntrico e habitat dos três poodles branquinhos da mamãe.
Eu não mexeria com eles, eles não mexeriam comigo. Faria as massagens, cuidaria do meu corpo, relaxaria e gastaria
apenas duzentos reais. O resto era pura frescura mal resolvida. Mas que desculpa eu daria para a mulher do pires? Eu
disse que passaria um mês viajando a trabalho. Muita cara de pau, ligar no dia seguinte para agendar uma nova
massagem.
Bobagem, eu daria um jeito, afinal, depois de ter gastado:
– duzentos reais por dez drenagens linfáticas,
– cem reais de psiquiatra,
– cento e cinquenta reais em remédios da alegria,
– um mês sem ganhar dinheiro e dormindo,
cuidar da minha auto estima não teria preço.
__________________>>>> Continua.
Juro pela mulher do pires que eu termino no próximo post. Essa porra dessa história parece psicografada! Perdi meus
poderes sobre ela.



Postado por:Alê Félix
28/11/2002
1 Comentários
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eu

janeiro 12th, 2007 às 3:51

ora meu!


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