Os efeitos do pires.
Eu não entendo porque eu não uso a tática da desgraça mais vezes. Quando eu era solteira, tinha um acordo com duas
amigas para os casos de encontros as escuras. Caso alguém se metesse em uma roubada, era só simular um recado no BIP
(coisa que se usava na década passada para comunicação), ligar e inventar uma tragédia que contribuísse para a fuga.
Meu encontro com a massagista da Família Adams teria sido breve se eu fosse dez anos mais nova. Hoje em dia,
beirando os trinta, sinto que ando caindo naquele papo de honrar os compromissos. Não tive coragem de fugir e acabei
encarando a massagem.
Tensa, nua e com nojo do não-tecido, não me restava muito mais do que tirar da cabeça os pensamentos ruins, fechar
os olhos para as miniaturas de caninos que me fitavam do sofá e curtir o Kitaro que rolava no aparelho de som. Mesmo
assim, fiquei aliviada quando a dona massagista disse que iria até o banheiro lavar as mãos.
A mistura: cães, cremes e as mãos dela sobre a minha pele. Era a idéia que mais me incomodava naquele momento. Creme
grátis. Que idéia de girico a minha de achar que não levar meu próprio creme era vantagem. Bom, ao menos ela lavaria
as mãos antes de começar. Será? Precisava ter certeza.
Assim que percebi que ela havia entrado no banheiro, não agüentei e levantei para me certificar de que ela realmente
lavaria as mãos. Afinal, ela podia ter dito aquilo só para me tranqüilizar. Na ponta do pé, corri até o corredor que
levava ao lavabo, escutei o som da água corrente e, com uma perturbação a menos, voltei rápido para a maca afim de
não dar bandeira.
Os primeiros toques foram da aflição a conformação. Eu era veterana em drenagens linfáticas não haveriam novidades,
era rezar para acabar logo.
Ela começou com uma massagem muito da boa no meu couro cabeludo e em alguns pontos da face. Uma novidade para mim
que estava acostumada com sessões de uma hora em clínicas convencionais. Espalhou em seguida o creme pelos ombros,
colo, braços, senti os músculos descontraírem, fechei os olhos e respirei fundo quando, o toque das mãos que
iniciavam um bom trabalho de relaxamento foi substituído pela estranha sensação de uma espátula raspando meu braço.
Minha reação, óbvia e imediata foi a de perguntar desesperadamente que diabos era aquilo. E como aberração pouca é
bobagem, a resposta não podia ser menor do que tudo que eu já tinha presenciado. Era um pires. Sim, um pires! Desses
que ficam embaixo da xícara de café.
A dona massagista me explicou que aprendeu a técnica de passar o pires com um cirurgião plástico e que os resultados
eram excelentes. Disse que aplicava o método há mais de um ano em suas pacientes e que o pires era um grande aliado
no combate a celulite. O que mais eu poderia fazer? Levantar e alegar que três poodles tudo bem mas pires nem
pensar? Que viesse o pires destruidor de células adiposas.
Meia hora depois, pires pra lá, pires pra cá, uma dorzinha que parecia realmente destruir algo e de repente, eu
estava me deparando com a coisa mais incrível até então: comecei a achar que a porra da técnica do pires tinha
lógica! Eu explico.
Todas as vezes que eu fiz esse tipo de massagem em lugares normais, eu sai relaxada, com o corpo hidratado e só.
Naquele dia, ou eu estava recebendo o tratamento mais eficiente contra celulite ou estava participando de algum tipo
de sacanagem divina.
Sabe-se lá deus porquê, já que aquilo nunca havia acontecido antes, minha barriga começou a fazer barulhos
constrangedores e minha bexiga parecia que tinha acabado de declarar incontinência urinária. Era como se tudo dentro
de mim estivesse sendo revirado. Precisei fazer xixi duas vezes e me senti passando por um processo de desintoxição.
Aquilo sim era uma drenagem, fiquei impressionada! A mulher do pires devia saber o que estava fazendo. Tanto que eu
já estava até relevando todas as bizarrices do lugar.
Satisfeita com o resultado depois de duas horas de dedicação como eu nunca havia visto em uma profissional de
estética, sentei e joguei os pés para fora da mesa de massagem. A expert, ainda apertava alguns pontos do meu
pescoço para que eu
não levanta-se de supetão. Sem que eu me desse conta das coisas e seres a minha volta, um dos poodles malditos se
aproximou do meu dedão do pé que se encontrava livre, leve e solto e lambeu-o com a sua linguinha de cachorro babão.
Agora me diz: Qual é a reação natural de um joelho nesse tipo de situação? Soltar o chute, oras bolas! Dei com pé no
poodle. Coisa leve, nada que justificasse aquela gritaria de latido. Mas como explicar minha reação “involuntária”
para a mulher do pires e dos poodles?
__________________>>> Preciso dormir, continuo depois…não é sacanagem o pesadelo é longo de ser descrito. Fui mas
volto! : )