Eu fui até o raio do passeio de balão de mau-humor e a contragosto. Queria ter ficado em casa dormindo. Quatro horas da manhã é a hora que eu deito
para dormir e não a hora que eu acordo pra viajar cem quilômetros só para ver pessoas alvoroçadas dentro de um cesto no céu. Que graça poderia ter
uma bexiga gigante carregando entediados paulistanos em busca de uma novidade? Eu queria minha cama…
Na saída para Boituva, o homem do balão nos esperava. Estacionamos o carro no acostamento e… mato. Eu odeio mato. Enchi os pés de carrapicho, meti
o pé na terra orvalhosa, morri de frio e de zanga enquanto todos esperavam o tempo melhorar. Voa-não-voa, voa-não-voa, uma espera que parecia não ter
fim, até que mais duas caminhonetes chegaram com mais dois balões.
O sol não aparecia, mas o vento parou. Era o sinal que os balonistas queriam para preparar os equipamentos e era tudo que eu estava torcendo para não
acontecer. Assim poderia voltar para casa mais rápido e dormir algumas horas antes de ter que trabalhar em pleno feriado.
Desenrolaram os envelopes no descampado, ligaram o maquinário e posicionaram os cestos. Eu fui para o carro, deitei o banco e decidi tirar um
cochilo. Meu dia poderia ser salvo se eu conseguisse me abster daquele evento.
Claro que não foi possível. Mal descansei os olhos e montanhas coloridas inflaram por cima do carro. Uma visão surreal para qualquer desavisado que
atravessava a Castelo Branco e uma visão surreal para mim. Surreal e linda, linda e mágica. Balões fazem a gente se sentir o tempo todo em um filme.
Eu não tinha como manter os olhos fechados – não mais. Fui tomada por uma alegria estranha. Leveza dos tempos de criança. Um descomprometimento, uma
sensação de liberdade que a gente custa a sentir depois que cresce.
Procurei a máquina fotográfica na bolsa, em uma tentativa desesperada de parar o tempo. Eram as cores do envelope, a luz da parte interna, o disparo
do fogo, os olhos das pessoas brilhando… Puta que o pariu, que merda de pessoa eu me tornei. Reclamei, fiz cara feia, fiz tudo que eu sempre faço
quando quero transformar a vida em algo pior do que ela é. E cometo este pecado há anos…
Quando o primeiro balão saiu do chão, vi o piloto – que devia estar fazendo aquilo pela milésima vez – erguer os braços para o alto, pular dentro do
cesto e gritar aquele grito gostoso de adrenalina. Como pode alguém ter prazer com algo que faz o tempo todo? Compreendo que é mais fácil gostar do
que se faz quando se vende sonhos do que em uma mesa de escritório, mas ele mantinha a paixão dos iniciantes.
Eu comecei a chorar – como uma idiota. E me afastei do resto do grupo para não morrer de vergonha e ter que inventar uma conjuntivite. Lembrava o
tempo todo de uma conversa que eu tive no dia anterior:
– Por que você não vai também?
– Andar de balão? Eu? Me poupe…
– Por que? Tem medo?
– Eu não! Eu tenho é mais o que fazer.
– Você não tem vontade de fazer essas coisas?
– Não. Não faço a menor questão. Primeiro porque eu não sou louca de me arriscar em algo que eu não teria o menor controle e segundo porque,
sinceramente, não há mais nada que eu queira tanto assim.
Quando foi que eu passei a ter medo da vida? Quando foi que eu mudei? Não, eu não era assim. Quando foi que eu caí no conto da vida sob controle?
Quando foi que eu deixei de gostar tanto assim? O que foi que eu fiz que me fez deixar de querer?
Não conseguia parar de fotografar. Fotos repetidas, certamente. Mas de uma paisagem diferente daquela que há anos me persegue. Com um tanto de
euforia, corri para pegar outro filme, escorreguei em uma lamaceira escondida e cai de bunda e alma estatelada no chão. Uma queda que me obrigava a
olhar diferente e a rir do meu descompasso. Ninguém viu, ninguém correu para perguntar se machucou. Pude ficar em paz com a cabeça na lama e olhando
para o céu do lugar mais poético que a vida poderia ter me reservado. Um único balão passeando por cima de mim naquele estado, teria feito a festa
que o meu coração precisava. Mas aquele era um momento de generosidade e três balões enfeitaram o meu céu cinzento naquela manhã.
– Vem! Vamos atrás dos balões!
– Como assim?
– É. Sobe aí na caçamba da caminhonete. A gente solta os balões e agora vai atrás deles pra trazer o pessoal de volta.
– Ah, é?
– É!
– E como é que vamos saber a direção?
– Seguindo o vento…
– Mas o vento muda…
– E a gente muda também.
– …
– Quer ir?
– Quero.



Postado por:Alê Félix
23/04/2004
0 Comentários
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bds

abril 30th, 2004 às 14:19

Axo vc uma
idiota!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!


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Hipácia

abril 30th, 2004 às 21:03

Esse foi um dos textos mais lindos que já li.


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Fata

maio 3rd, 2004 às 16:38

Que texto lindo, Alê..
chorei com ele..
identificação, claro.
beijão


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