Os casamentos que eu cliquei

O pecado morava na igreja

– Ale, quanto você cobra pra fotografar meu casamento?
– Puta que o pariu, Tina! Já falei um milhão de vezes que eu não suporto fotografar casamento de amigos. Custa me
convidar pra festa sem que eu tenha que trabalhar?
– Tá bom, tá bom… não está mais aqui quem falou.
– Tá, tá ,tá… eu vou, eu fotografo…
– Agora não precisa mais, né? Depois dessa, você acha que eu vou querer que você fotografe?
– Ai, nem começa! Sai pra lá com essa frescura! Já disse que fotografo, agora não me enche.
– Vocês duas querem parar de falar? Estão atrapalhando o resto da classe.
Fizemos silêncio depois do esporro da professora e não tocamos mais no assunto, nem antes, nem depois do casamento.
Cursávamos o segundo colegial, era todo mundo muito novinho e metido a gente grande, mas a Tina decidiu superar a
maturidade ilusória de todos nós e foi a primeira da turma a casar. Sem gravidez, sem gravidade, sem necessidade
alguma, casou pelo simples fato de estar apaixonada e, como paixão não se discute, fomos todos festejar o matrimônio
da Tina e do Carlos.
E lá fui eu, com a câmera na mão, esperar a mulher entrar na igreja. A (cre)Tina atrasou uma hora e meia, mas chegou
radiante para alívio do noivo que já manifestava um certo medo de levar um balão.
O Santana preto com vidros fumê, top de linha daquele ano, estacionou na porta da igreja com a noiva tremendo e
lacrimejando. Me preparei para iniciar a sessão de fotos, quando chega a minha amiga Rita, toda espevitada e
desajeitada:
– Ale, vou ser sua assistente.
– Rita não precisa, não tem nada pra você segurar.
– Eu arrumo o vestido da Tina quando ela chegar no altar.
– Rita você vai cair e se espatifar no meio da igreja. Fica quieta e me deixa fazer as fotos.
– Nem vem, esta pode ser a minha única chance de entrar na igreja com todos de pé, a me admirar.
– Você quer dizer, admirar a Tina, né?
– É, e logo depois vão olhar pra belezura aqui.
– Talvez você tenha razão, acho pouco provável que alguém se submeta a casar com você um dia. Vem, vem logo que é a
sua última chance mesmo.
As portas da igreja foram abertas, os padrinhos a postos, o Carlos emocionado no altar, a grande porta se abriu e,
ao invés da noiva, o que se viu foi a Rita correndo com cara de papaléguas entre uma extremidade e a outra da porta
de entrada da igreja. Em seguida, ao som de Endless Love, apareceu finalmente a Tina.
Toda a mulherada do primeiro e segundo colegial aos prantos, até a passa mal da Rita, soluçava atrás de mim. Eu
disparando meus cliques quando, de repente, com o olho colado no visor, fiquei parada sem conseguir bater a foto.
– Que foi, quebrou a máquina?
– Ãnnn ? Que é Rita?
– Fala baixo. Que é que você está olhando? Por que não tira logo a foto?
– O Padre.
– O quê?
– Ri, olha este padre! O homem é lindo!
– Era o que me faltava! Tá louca? O cara é padre, sua blasfêmica!
– Pelo amor de deus Rita! Se diz blasfemadora, sua anta!
– Eu falo do jeito que eu quiser. É cada uma que eu vejo! Isso que dá ser pagã, é uma falta de respeito com os
funcionários de Deus. Você vai virar churrasquinho do capeta quando morrer.
– Que funcionário de deus o quê? E para de me chamar de pagã na casa de deus que ele pode passar a prestar atenção
na minha existência.
– Pagã! Pagã! Pagã! Pagã!
– Dá pra falar baixo? Tá todo mundo olhando, sua tagarela.
Deixei ela falando sozinha e voltei a fotografar e a olhar para o padre bonitão pelo visor da câmera. Não era fácil
desgrudar os meus olhos daqueles brilhantes olhos azuis. Eu sorria, disparava flashes e mais flashes, andava de um
lado pro outro e nada do padre me dar bola. Não que ele devesse, mas eu precisava tentar. Nunca compreendi os
desígnios da igreja católica, muito menos a teoria dos pecados. Naquele momento, pecado era aquele padre ter aderido
ao celibato.
Passei toda a cerimônia me perguntando o que o teria transformado em um padre. Devia fazer fila de mulheres na porta
da igreja para pedir-lhe a benção.
Fim do casório e fim do meu tempo para encontrar as respostas para os porquês da opção profissional do padre. Decidi
partir para o plano B: o diálogo… ou seria a conquista?
____________________________>>>> Continua.



Postado por:Alê Félix
26/12/2002
Comentários desativados em Albuns de Casamento Comentários
Compartilhe

Comments are closed.