O maridon disse que é por causa do meu retorno de Saturno e que ele está chegando ao fim. Eu não sei como é o nome
disto que eu tenho sentido de um ano pra cá, mas espero que realmente acabe logo.
Não tive um ano fácil. Joguei dinheiro fora, não fiz nada de útil, passei por uma das maiores crises de mim comigo
mesma, não terminei nada que foi começado, não emagreci radicalmente (e nem sei se eu quero mais), estraguei meu
cabelo, continuo com medo de me desfazer da parte chata da empresa, não troquei a fiação da casa, não mudei de casa,
não pintei o banheiro, perdi um marceneiro bom e barato, não comprei a quitinete, não comprei a chácara, ainda acho
que eu sou uma inútil que não faz trabalho voluntário e que não colabora com porra nenhuma neste mundo, vi meus avós
muito menos do que eu queria, tive que apelar para psiquiatras, psicanalistas e comprimidos de felicidade porque eu
não estava conseguindo resolver meus problemas sozinha, continuo com as cólicas mensais que me disseram que
acabariam quando eu envelhecesse, meu nariz continua sangrando quando faz calor, continuo com medo de morrer e penso
o tempo todo em mandar minha vida para o espaço e viver de brisa em uma praia desconhecida pelas multidões.
Não me acho, não me satisfaço e me perco das coisas que eu quero. Aí eu começo a chorar sem saber os porquês. Não
sei os motivos, não sei mais o que eu quero e não sei para onde estou indo. Fico chorando de medo de fazer tudo
errado, de não fazer o melhor possível, choro de forte, de fraca e de boba que eu sou. E como se não bastasse,
agora, choro quando escrevo.
Um dia bom de dezembro
Ele sempre diz algo que me consola, sempre embasa a minha tristeza em alguma teoria prática. É bom tê-lo por
perto… Ele acalma a dor das horas que não passam.
Foi bom ter dinheiro para jogar fora, assim meu saldo aprende a não mandar na minha vida. E ainda bem que ele estava
na conta quando eu precisei pagar o analista, o médico e a farmácia.
Que bom que tive tempo para inutilidades e crises existenciais. Tem gente que passa a vida inteira sem poder se dar
este direito.
Devia ter cortado meu cabelo na pia, assim não teria pago pelo estrago.
Foda-se que eu não emagreci! Teria me tornado uma uva passa se tivesse feito isto bruscamente. Fica pra depois, com
calma, sem pressa e talvez.
Já que não reformei a casa, vou tratar de ficar mais tempo fora dela.
Continuo querendo um jardim de grama aparada, espreguiçadeira, flores e cactos. Mas será que este não é o tipo de
desejo que é melhor sonhar do que realizar? Vou continuar pensando sobre isto; decido quando a fase rica voltar.
Não quero ser doadora, quero ser contribuinte braçal. Dinheiro não vale nada, vale ir até lá, lavar prato, esfregar
o chão, contar histórias para as crianças. Mas farei isto de coração, com alegria e não pelo sofrimento que a
situação me causa. Não suporto a idéia de fazer caridade para compensar minhas tristezas ou as minhas dívidas
espirituais. Vou esperar, sem me acomodar, que chegue a hora certa para poder fazer a minha parte em paz. Será que
não há alguma entidade que quer de presente a parte chata da empresa?
O nariz ainda sangra sob o sol. Desde pequena ele sangra. Que bom! Sinal de que estou viva e com tempo para visitar
meus avós. E se as cólicas ainda existem, deve ser porque ainda não envelheci o suficiente para elas abandonarem o
meu corpo.
Praia vazia é para as férias, eu quero mesmo é viver na cidade, lotada, abarrotada e aberta 24 horas.
Me encontrar para que? Que viadagem esse negócio de precisar se encontrar! Acho que eu quero mais é ficar perdida
mesmo. Nada fácil dar de cara comigo mesma. Aí sim, eu teria motivos para chorar.
Tem sido tão descongestionante chorar em cima do teclado! Tenho lavado a alma com palavras. Meu choro me fortalece e
meus medos, que nunca me impediram de ir adiante, continuam nos seus devidos lugares. Minto: o medo de demonstrar
fragilidade se mandou de vez e parece que não volta mais.
Não foi fácil, mas quem disse que eu queria que fosse? Tem dias que sobram pensamentos medíocres, chovem motivos
para se lamentar, os dias parecem cinzas, arrastados e sem sessão da tarde com cobertor. Mas todos eles não passam
de lágrimas sobre a barriga cheia.
Em um mundo onde basta atravessar a rua para se indignar, ninguém com casa alugada, roupa passada, pele rosada e bem
amada tem o direito de reclamar do ano, muito menos da vida.



Postado por:Alê Félix
22/12/2002
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