Há uns três anos, enquanto eu dirigia e tagarelava com um amigo sobre felicidade, bati os olhos em um rosto familiar que caminhava pela calçada ao lado de duas moças e…
– E se nada sair como o que foi planejado você faz o que?
– …
– Olha, não sei… A gente vive jogando para o futuro a felicidade que deseja no presente, quando na verdade… Ei! Acho que eu conheço aquele sujeito… Hum… Quando… Quando a felicidade na verdade é só… CARACA É O GUSMÃO!
– Anh!?
Óbvio que aquele nome só faria sentido para os amigos que estudaram comigo nos anos oitenta. Interrompi o papo sobre felicidade, parei no meio da rua, larguei o amigo com cara de pastel de vento dentro do carro e sai correndo atrás do…
– GUSMÃO! GUSMÃÃÃÃOOOOO…
Cheguei perto do nosso querido professor de geografia (e humanidade) feito aquele desenho da Felícia quando encontrava o coelhinho… Abraçando, beijando, pedindo desculpa pra irmã e sobrinha que o acompanhavam, também sem entenderem direito que tipo de maluca os estava abordando.
Enquanto os três me olhavam com olhos curiosos, eu falava com o Gusmão como se tivéssemos acabado de sair da sala, como se tivéssemos nos visto todos os dias pelos corredores da vida, como se ele não tivesse lecionado pra milhares de crianças, como se ainda fossemos as mesmas pessoas até que…
– Desculpa… Como é mesmo seu nome? Em que época mesmo eu te dei aula? Em que escola?
Vinte e cinco anos depois, lá estávamos nós adorando o reencontro mesmo precisando extrair da memória os detalhes do que um dia foi encontro. Falamos do passado mais do que do presente, era como se nos faltasse tempo…
E falamos do Dom Duarte, falei meu nome, sobrenome, falei dos nomes de tantos adolescentes que cresceram ao meu lado e eu achava que nunca esqueceria. Achava… Achava, até que ontem à noite, quando o Ganso postou fotos da turma no grupo do Facebook e rolou a seguinte troca de comentários…
– Ganso, essa de amarelo sou eu???
– Acho que não… Acho que é a Fátima.
– Caramba, Cinthya… Nem se reconhece nas fotos, menina!? Mas… Ganso… Então… Eu sou a de vermelho?
– Não. De jeito nenhum, Alê. Essa é a Patricia.
Tudo bem que nessas horas de reencontro de turma é comum a gente se perguntar que tipo de pessoa se tornou mas, ontem, depois de tantas trocas de mensagens e imagens, precisei sair do computador pra tentar lembrar de quem eu era. Não me refiro a aparência em si, mas a uma sensação quase que espiritual de transformação, de olhar pra trás com a serenidade e a medida certa do distanciamento e, curiosamente, não se reconhecer mais…
Fui pra cama, esparramei sobre ela minhas fotos guardadas, enchi os olhos de sorrisos e lembranças. E dormi em paz, abraçada a uma caixa de feições que só consigo enxergar através do afeto e não do traço. Me dei conta de que é possível que eu precise cada vez mais da ajuda de vocês para ampliar os registros do passado, mas que nada nunca me pareceu mais reconfortante do que essa certeza de vida realmente vivida que sinto quando olhamos juntos para o tempo.
Foi história demais, verdade demais. Tanta gente de coração aberto pra segurar na nossa mão, tanta honestidade nas ações… Não é à toa que, entre nós, mesmo entre os que não eram tão próximos, os reencontros sejam tão familiares. Não por falta de interesse que o passado sempre prevaleça sobre o presente nos nossos reencontros. Hoje, me pela primeira vez, me pareceu natural que a simples presença de alguém capaz de nos lembrar de quem fomos, prevaleça sobre a nossa eterna necessidade de novidades. E tudo bem se nos perdermos no meio dos traços e das nossas traças, tudo bem se amanhã ou depois cairmos todos num buraco infinito de esquecimento até do nosso próprio nome.
Rezo somente para que sempre tenhamos o Ganso pra nos mostrar as fotos, o Zé Ferrugem pra contar as histórias que realmente preferíamos esquecer. Rezo pra que permaneçam nas nossas mesas os nossos professores e, se possível, alguém pra passar a chamada, sabe? Por nada demais… Só por garantia, só pra exercitarmos o bandido do “presente”.
No final das contas, depois de ter passado a noite de ontem aqui com vocês, acordei de madrugada, babando sobre a película de uma foto linda do Edelmiro abraçado ao Marinho e liguei para aquele meu amigo. Aquele que estava comigo no carro quando encontrei com o Gusmão. Achei que era um bom momento para terminar a conversa de três anos atrás…
– Oi. Sou eu. A gente esqueceu de um detalhe sobre aquele papo de felicidade…
– Anh!?
– Lembra do Gusmão?
– Quem tá falando?
– Como assim quem tá falando?
– Alê?
– Claro!
– … O que houve? Alguma novidade sobre o projeto?
– Hum… Sim, mas não liguei por isso. Liguei pra te contar uma coisa que eu vi ontem a noite, enquanto via umas fotos da época do Dom Duarte.
– Anh? Quem… Dom o que? Porra, Alê! São cinco horas da manhã!
– Cinco!? Ainda? Ah, relaxa… Esse negócio de tempo é uma bobagem. Mas, então… Sobre aquela conversa que tivemos sobre felicidade anos atrás, lembra? Liguei pra te contar uma coisa que aprendi na única escola que parece que eu estudei… Ok. Não quero ser mal agradecida, mas… As outras? As outras nunca mais me fizeram refletir sobre o que realmente importa, nem me deram ninguém que permanecesse. E eu sei que parece batido, mas acho que cheguei num ponto que é melhor falar ou escrever, para que eu mesma não esqueça, sabe? Então, aí vai: ser feliz é já ou é jamais. Pronto… Falei. E é isso… Beijo. Fica bem. Fui.
– …
E foi assim que dei inicio ao fim de um projeto irrecusável, pra tentar recomeçar a vida de um jeito mais real e – se possível – menos virtual. Real do jeito que era quando conheci vocês, quando corro na rua atrás do Gusmão, quando esqueço de mim mesma, quando morro de saudade.
deu ainda mais saudade de ti.
no ano novo a tonta aqui mandou mensagem pra vc
daí retornaram dizendo…quem é?
eu respondi: a japa gostosa
japa gostosa de onde?
DOM DOM, caralho Ale!!! já me esquceu?
Acho que vc mandou mensgem pra pessoa errada,
não sou Ale, mas posso gostar de conhecer a japa gostosa.
Feliz ano novo pra vc também.
hahahaha
depois manda email com teus números novos.
beijos
muito bom
alefelix
Ler este texto foi demais. Sua sensibilidade faz a gente amar sentir saudade. E me fez repensar a volta ao facebook… Compartilhar destes momentos que realmente valem a pena. Um beijo Alê…