Ale: Bruno?
Bruno: Que?
Ale: Cê tai?
Bruno: Não.
Ale: Posso te contar uma coisa?
Bruno: Pode.
Ale: Tô com medo de ver quanto eu gastei esse mês.. Não consigo abrir a correspondência que chegou com a conta do cartão de crédito. Tem conselho ai?
Bruno: Não vê! Finge que não é contigo.
Ale: Pensei nisso… Na verdade, tenho feito isso. Mas clonaram o cartão de dois amigos que estavam lá comigo… E se clonaram o meu também?
Bruno: Clonaram o cartão da minha avó também. Roubaram dois mil e o banco não devolveu.
Ale: Puta sacanagem roubar avó. Sacanagem do banco também.
Bruno: Só injustiça…
Ale: Aiiii caramba! Não vou abrir nada. Vou ficar deprimida e parar de me divertir se eu souber quanto tenho gastado.E eu não quero ficar triste.
Bruno: Então, considera que se te roubarem, será o preço pago pra não ficar triste.
Ale: … Vou enfrentar e abrir essa porra.
Bruno: Melhor tu olhar…
Ale: Tô com medo.
Bruno: Abre logo. Agora fiquei curioso.
Ale: Não consigo. A carta está aqui desde quinta. Não consigo abrir.
Bruno: Abreeeeeeeeeeeeeeeeeee.
Ale: Você não tá entendendo… Eu tenho vivido como se não houvesse amanhã há anos. Não sei quanto ganho nem quanto gasto, vivo como se eu tivesse um bolso mágico. E dessa vez passei um mês no exterior. Deve ter vindo com uma faca essa conta. Depois desse tempo todo, não dá pra começar a olhar pra isso agora. Certeza de que vou deprimir e parar de viver.
Bruno: Queee issoooo! Hahahahahahaa…
Ale: Tá rindo do que, ô?
Bruno: Pensando que eu também sou assim. Fazem uns anos que nao vejo minha conta… Mas é porque meu saldo é zero!
Ale: Hahahahhahaa… Besta. Mas o que você faz com o dinheiro que ganha?
Bruno: Não boto dinheiro no banco. Recebo e tiro de lá. Por que eles são ladrões. Usam meu dinheiro pra emprestar pros outros. Botam um número virtual numa tela e pegam dinheiro dos outros pra me dar quando eu quero o meu.
Ale: Vou abrir essa carta e acabar com essa angustia.
Bruno: … Já abriu?
Ale: Não consigo… 🙁
Bruno: Ale, tava aqui pensando… Se há anos você não olha a sua conta, você deve ser rica.
Ale: Claro que não!
Bruno: E se você ficou e não sabe?
Ale: Ou tenho uma divida violenta e não sei…
Bruno: Se você tivesse divida, receberia mil ligações do mal. Mas como recebe mais ligacoes de amigos e clientes, é porque você virou rica!
Ale: Duvido… Mas será? Cara, não faço a menor ideia… Mas… Sei lá… Se eu estiver rica, espero que seja de um jeito que eu possa continuar sem olhar a conta. Porque eu não gosto de olhar não…
Bruno: Olha logo!
Ale: Odeio sentir medo…
Bruno: Odeio dinheiro…
Ale: Eu gosto…
Bruno: Prefiro permuta.
Ale: Só não gosto de ter que cuidar dele. Eu gosto de trabalhar e saber que ele é todo fruto do meu trabalho, mas não gosto de ter que cuidar dele, fazer contas, planilhas, planos… Quero trabalhar e ter um trabalho que me dê um bolso mágico. Quando eu preciso, tá lá e pronto. Sem stress, pra eu não ter que me preocupar nunca.
Bruno: Aaaaaassim eu também quero!
Ale: Não é o dinheiro o problema, a cabeça da gente que é. Dinheiro é solução.
Bruno: Dinheiro é o problema sim. Sem dinheiro você não compra a fazenda…
Ale: Que fazenda?
Bruno: A fazenda, as ferramentas, a semente…
Ale: Nada a ver, Bruno!
Bruno: Tudo a ver! Sendo que o certo seria o estado fornecer os meios das pessoas sub existirem do próprio cultivo. E dar conhecimento também! Já que o conhecimento é de direito da humanidade. É propriedade de geral.
Ale: O problema não é o capitalismo ou o socialismo ou a permuta. Somos nós. Deus me livre deixar minha vida na mão do Estado.
Bruno: Você já deixa tudo na mão da sua secretária!
Ale: Ela já virou família, é diferente. Fé no ser humano é uma coisa, em um sistema de governo formado por pessoas treinadas para serem oportunistas, é outra coisa.
Bruno: Por exemplo… Por que eu não tenho direito sobre nenhum pedaço de terra do planeta? Se eu nasci nele, ele também é meu. Porque se eu pisar num pedaço de terra produtiva pra plantar no meu planeta, sou expulso a tiros por um apropriador.
Ale: As leis sao zoadas, eu concordo com você. Mas o problema somos nós, não o sistema criado. Se fossemos legais, qualquer sistema funcionaria.
Bruno: Isso é…
Ale: …
Bruno: …
Ale: Bruno?
Bruno: Que?
Ale: Sabe que isso que você falou seria legal se acontecesse de verdade?
Bruno: O que eu falei?
Ale: Que se cada pessoa tivesse direito a um pedaço de terra assim que nascesse, por direito… Isso, se acontecesse de verdade, se virasse uma lei, seria uma lei linda.
Bruno: Isso seria justo. Seria natural.
Ale: Tipo… Nasceu, 200 metros de terra já sao seus. Seu pedaço de lugar no mundo estaria ali. Tai uma lei do caralho de legal…
Bruno: Lei do cidadão universal.
Ale: Caraca, Bruno! Puta nome legal. Vamos entrar pra politica e implantar essa ideia aí?
Bruno: Nem pensar!
Ale: Por que não!?
Bruno: Por que politico nenhum presta!
Ale: Você deixaria de prestar se virasse politico?
Bruno: Claro que não…
Ale: Então! Esse pensamento é o que faz as coisas serem como são. As pessoas só sabem reclamar e dizer que políticos não prestam. Aí você cria um filho dizendo que político é tudo ladrão, como é que ele vai dizer que quer entrar pra politica se tiver vocação pra administração publica? É um absurdo a gente dizer isso e não perceber que é isso que faz as pessoas com vocação – e uma vocação admirável! – se afastarem dos cargos públicos e darem espaço somente as pessoas que não tem vergonha de serem vistas como oportunistas e mal intencionadas. Os culpados somos nós, que reclamamos sentados e não servimos nem pra mudar esse falatório que nos impede de ensinar as crianças que na politica é carreira digna, mesmo sendo trilhada por tantos desonestos.
Bruno: Hum… Isso é.
Ale: Vamos?
Bruno: O que?
Ale: Implantar a Lei do Cidadão Universal. É um puta nome lindo. Cara, o Brasil ia fazer história com uma lei dessas… Mas como seria?
Bruno: Seriamos mortos.
Ale: Claro que não!
Bruno: Os fazendeiros… E os capitalistas também. Eles matariam a gente.
Ale: Claro que não! Fazemos um documento dando a ideia, colhemos abaixo assinado e jogamos ela no vento pra um dia alguém pensar e fazer dela uma realidade. Não temos que fazer nada além disso.
Bruno: Pode fazer. Tira o meu nome.
Ale: Vamos pensar… Como funcionaria? A terra seria dada onde os pivetes nascessem ou haveria um lugar especifico pra distribuição dos lotes? Que problemas podem inviabilizar a ideia.
Bruno: A nossa existência inviabilizaria a ideia. Seriamos mortos e pronto. Fim de qualquer problema.
Ale: Claro que não! Não querem fazer reforma agrária? Então! Deve ter terra pra divisão dos lotes do cidadão universal.
Bruno: E pra desapropriar os quilômetros e quilômetros de terra não utilizadas dos fazendeiros que seria necessário pra atingir esse objetivo?
Ale: Ninguém tá falando em desapropriação indevida. É só achar um jeito de tornar legal a coisa toda, até pros fazendeiros. No fundo no fundo ninguém deve gostar de ter coisas que não usa. É só medo de faltar… Com a lei do cidadão universal ninguém mais vai ter medo, pois vai ter a certeza de que sempre terá um téco de terra pra viver ou morrer. E se não for por bem, foda-se. Nasceu no Brasil levou uns metros de terra e pronto. A gente lida bem com perdas, os fazendeiros vão superar… O Collor fez coisa muito pior e engolimos.
Bruno: Mas é porque o Collor é alagoano. Ninguém se mete com coronel de Alagoas.
Ale: Ninguém vai se meter com a gente também. Meu avô é povo de Alagoas e já teve que superar coisa muito pior, perdeu pai e mãe naquelas disputas de terra regionais que existiam antigamente. Entonces… Nós também seremos perigosos.
Bruno: Poooô alagoano é um povo sinistro… Fui com ela pra lá várias vezes. Até hoje, 98% de miséria extrema.
Ale: É um povo da guerra…
Bruno: É… E tem 2% de fazendeiros que são mais ricos que os ricos do Rio de Janeiro que roubam os 98% restantes e matam a rodo.
Ale: Eu quero ir pra cidade do meu avô um dia… Ver como é.
Bruno: É um lugar bonitão. Miserável e do crime, mas bonitão.
Ale: Triste… Mas me diz aí…O que mais você acha que a gente devia ter direito logo depois de nascer? Ah! Pensei numa coisa… Vamos escrever que é proibido vender as terras distribuídas na LCU.
Bruno: LCU?
Ale: É… Lei do Cidadão Universal.
Bruno: Tá ligada que do jeito que aqui tudo vira palhaçada ela vai ser esculhambada e chamada de Lei do CU. Já sabe, né? Depois não diz que não avisei. Maluca do jeito que você é, não duvido nada se não sair espalhando essa parada toda por aí até virar fato.
Ale: Vamos voltar ao que interessa. Venda proibida. Senão, vira putaria.
Bruno: É… Isso viraria mesmo.
Ale: Anotado!
Bruno: E todos teriam o direito de aprender a plantar e a sobreviver sem dinheiro… O dinheiro seria usado apenas para opções de luxo.
Ale: E tinha que ser só terra nos cofós do pais, em lugar desabitado mas reservado pra virar um lugar legal. Se der terra em qualquer lugar, vai virar briga e até eu vou querer meu pedaço natural em cima da pedra do Arpoador.
Bruno: todos ganhariam sementes mensalmente.
Ale: Isso não! Sou contra esse negócio de dar.
Bruno: Mas todo mundo é favor de comer, Ale!
Ale: Dar não leva ninguém a lugar nenhum. Tem que ralar pra comer, senão nego não dá valor.
Bruno: Claro que dá…
Ale: Não dá. Quer frutos? Se vira. Só sou a favor de distribuírem a terra, porque realmente a Terra é nossa de direito. Não tem ninguém dando nada.
Bruno: Pô… mas a agricultura é um conhecimento vital da humanidade.
Ale: Nem dinheiro pra construção eu daria. Poderia bolar programas de incentivo, mas não ia dar nada. Somos bichos folgados. Ser humano é foda. Se você começa a dar, eles não param de comer.
Bruno: A gente ainda tá falando de politica, né?
Ale: E vão comer as suas custas! Tem que deixar ralar. Claro! Do que mais?
Bruno: Nada não…
Ale: Nasceu na terra, a terra é sua.
Bruno: E não esquece! Ter direito ao acesso de todo conhecimento cultural gratuitamente. A tudo que foi feito pelos humanos antes dos humanos que estão no poder, todo o conhecimento produzido.
Ale: Boa! Mas… Isso é só a pessoa ir até um cibercafé que tá lá…
Bruno: Internet ainda é luxo.
Ale: Ok. Pedaços de terra e internet grátis. Certeza de que o povo vai deixar de trabalhar pra ficar no Facebook, mas tudo bem… Problema deles. Se eu pensar muito viro ditadora e mando todo mundo passear.
Bruno: Infraestrutura nas áreas de distribuição. Com gente capacitada pra ensinar a ler, escrever, fabricar energia elétrica, filtrar água, fazer móveis, eletrônicos…
Ale: terra, infra e treinamento. Tá feito! Vamos botar isso na internet e começar a colher as assinaturas pra um dia isso virar uma coisa gigante e alguém achar a ideia boa, implantá-la.
Bruno: A cacar também.
Ale: Cacar o quê? O que é cacar?
Bruno: É um cedilha. Deu pau na minha cedilha.
Ale: Caçar? Você diz ensinar a caçar? Que mané caçar! Vai ensinar a matar os bichinhos? De jeito nenhum, né?
Bruno: Ué… normal! Hoje mesmo vi um urso… Se eu soubesse caçar.
Ale: Sou contra! Tem é que botar lá um manual explicando que o vegetarianismo é possível. Quanto menos matança de coisa viva melhor. Senão, vamos continuar sendo um bando de matadores de vaquinhas. Um urso? Você não mora na baixada fluminense?
Bruno: Pode ser um tigre…
Ale: sou contra comer coisa viva. Tirando gente no sentido popular e planta, que mesmo viva não tem muita personalidade, então acho que tudo bem a gente matar e comer.
Bruno: Poooô se você fosse um ser espacial inorgânico faria sentido, mas a gente faz parte da fauna. Não estamos a parte da natureza e as leis da natureza são também nossas leis. E a lei da natureza permite comer outros bichos. Ou ser comido. E sim! Uns aos outros! No sentido popular.
Ale: Sou contra. Vai comer coisa viva? Zoado demais comer a pobre da vaquinha. Já olhou no olho de uma? Maior olhinho de gente boa. Aí o ser vai lá e come a pobre!?
Bruno: A vaca que corra de tu!
Ale: E se ela fosse nossa mãe?
Bruno: Eu não sei a sua, mas se ela fosse minha mãe ia te dar um coice. Além do mais, se tua mãe for passear na rua, num bosque do Canada, logo virão os lobos e comerão ela.
Ale: Você já brigou na rua? Apanhou? Botou o cara no forno e comeu ele depois? Claro que não. A gente não come coisas vivas só porque elas nos deram um coice.
Bruno: Num parque do Estados Unidos viriam os ursos, numa praia de Pernambuco o tubarão… E você não vai comer eles? Mesmo cheio de fome, no mato, querendo proteína?
Ale: Tudo bem o tubarão virar jantar.
Bruno: Por que o tubarão pode e a vaca não?
Ale: Porque é zoado um bicho com aquele monte de dente vir sorrateiro dentro do mar te pegar!
Bruno: O pior não é isso! Ele faz isso por engano, sabia? Ele não come gente por instinto, só por engano. Ele não curte carne humana!
Ale: Como você sabe? Já conversou com um pra saber? Não tem como a gente saber se ele gosta ou não. E sou a favor de comermos tudo que é bicho sorrateiro. Bicho de olhinho bom não, mas de dente afiado e sorrateiro, sim. E mulher então? Se ferra ainda mais com tubarão! Se entrar menstruada no mar? Já era!
Bruno: Sou da teoria que bicho bonzinho nasceu comida de predador. Tanto que os bichos mais bonzinhos nascem quase sem nenhum mecanismo de defesa. Vê uma vaca que nem dente afiado tem pra se defender? Já nasceu pra ser comida…
Ale: … Será que a gente é assim também?
Bruno: Não sei… Mas o cérebro é uma arma.
Ale: Entre os humanos, também deve ser assim do jeito que você falou sobre as vacas e os tubarões… Quem nasce sem instinto de defesa é comido feito vaca e quem é do mal vira tubarão pegando geral no mar dos alegres…
Bruno: Por que dos alegres?
Ale: Mar… Tipo no mar. Só tem alegre dentro da água. Povo comida de tubarão.
Bruno: Hum… Saquei.
Ale: Também acho…
Bruno: O que?
Ale: O cérebro é uma arma.
Bruno: Hum… Uma selva.
Ale: … Podes crer.
Bruno: Uma vez li em algum lugar que o estado natural dos bichos da selva não é de paz nem tranquilidade e sim de paranoia e psicose. Sabe aquela sensação que a gente tem quando tá no mato?
Ale: Sempre alerta?
Bruno: Todos os bichos vivem constantemente em alerta. E você tem medo até de abrir a correspondência do seu cartão de crédito. Perdeu toda a atenção.
Ale: Vai se ferrar! Já tinha até esquecido!
Bruno: Hahahahhahahaa… Desculpa aí.
Ale: Se corre o bicho pega se fica o bicho come… Como é o ditado mesmo? O Mamonas Assassinas também tinha uma boa. Você lembra?
Bruno: Não, mas vi uma assim esses dias no Facebook “Se correr o wiki pedia se ficar o google chrome”.
Ale: Hahahahahahhahaaha… Você já viu o vídeo do Discovery de Pobre?
Bruno: Não.
Ale: Tenho que te mostrar… Vê aí enquanto caço uma pizzaria. Tô morta de fome.
http://www.youtube.com/watch?v=WryhrNqWfhE
Bruno: Posso te fazer uma pergunta antes?
Ale: Claro!
Bruno: É sério que a gente teve esse papo sem usar droga nenhuma?
Ale: Só armas.
Bruno: Armas?
Ale: O cérebro é uma arma… Mas é também um grande presente quando bem compartilhado. 😉
Bruno: Hum… “Os leão”. Já curti o título do vídeo. Mas… E a LCU?
Ale: Hum… Acho brilhante você ter idealizado a LCU.
Bruno: Hum… Vai continuar acreditando no bolso mágico e não vai mesmo abrir a fatura do cartão, né?
Ale: Vai ver os leões vai. Atirei numa rúcula com tomate seco. Volto depois. Fui.
há ± vinte minutos…
Bruno: Ei… Você tai? Sim? Não? Ok… Vou dormir. Era só pra te dizer que hoje foi meu aniversário, passei o dia sem querer sair de casa nem ver ninguém e… E eu sei que você não me conhece nem nada, nem sabe que hoje é meu aniversário, mas queria te dizer que ri muito com esse papo todo. Valeu pelo compartilhamento de cérebro. Foi uma arma de desenho animado, dessas que pode até dar uma assustada no começo, mas só sai flor e boa risada depois de disparada. Puta presente. Enfim… Isso ficou meio ridículo, mas tudo bem porque você nem tá mais on-line então nem deve ver. Boa pizza, durma bem. Fui também.