Mais do que desligar o computador, eu precisava me desligar dos últimos pensamentos. Não que eles fossem um problema… Os problemas deixaram de existir há bastante tempo, logo depois que me compreendi uma estranha realizadora de desejos. Mas, como a quantidade de exigências eram muitas e era mais fácil apertar o raio do botão e sair caminhando, tirei tudo da tomada e saí de casa.
“Odeio andar por essas ruas… Nem sei por onde começar. Esse monte de carros, barulhos… Hum… Já sei!”
Eu sempre esqueço que moro ao lado de um cemitério e que graças aos medos existenciais que cultivamos, ele é um dos únicos lugares do bairro que está quase sempre vazio.
Caminhei em direção a entrada principal, atravessei as tumbas de luxo, as estátuas sem cabimento, segui em direção as alamedas com vista para a cidade. Vazio, vazio… E teria sido só mais uma tarde de caminhada segura e em paz, se não tivesse ouvido um choro baixinho, um choro masculino, que me despertou a inevitável curiosidade de observar.
Não muito próxima – para não constrangê-lo – vi que se tratava de um senhor de cabelos branquinhos e óculos engraçados, mas embaçados de frio e lágrima num tanto que escondiam-lhe os olhos e até mesmo as feições. Gordinho, mas não muito. Cansado, mas não o suficiente para desistir. Triste… Realmente triste. Mas de uma tristeza que não me parecia recente, nem pontual.
“A senhora acredita que ele vem aqui todo santo dia, duas vezes, há pelo menos uns quatro anos e – semana sim, semana não – ainda chora igual chorou no dia que a enterraram?”
Eu não faço ideia de como é que ouvi a voz do funcionário do cemitério sem dar um puta pulo ou o maior berro de pavor do mundo. Como é que uma pessoa chega sorrateira do lado da outra e sai falando assim? Ainda mais num lugar que todo mundo passa longe e todos sabem que é só por ser o mais adequado para encontrarmos assombrações!
Por sorte e pela pouca fé em fantasmas, só levei um pequeno susto e consegui me manter focada na fofoca que o homem havia me contado. Respirei fundo e…
– Todo dia há quatro anos? Mas porque, meu Deus?
– O povo diz que ele morreu junto, mas ainda tá esperando a hora certa pra se deixar cobrir de terra ao lado dela…
– …
– …
– E ninguém faz nada para ajudá-lo? Ninguém da família vem aqui resgatá-lo pra vida? E os amigos? Ele é tão sozinho assim?
– E a de se fazer o que, dona?
– … Ele vem aqui todo dia?
– Religiosamente…
– Duas vezes? Mas porque duas vezes? Quais horários ele costuma vir?
– As sete da manhã e as quatro. Religiosamente.
– Religiosamente…
Eu precisava pensar… Dei tchau para o varredor de túmulos, mudei o percurso da caminhada e decidi que voltarei amanhã pra conversar com aquele senhor. As sete pra mim é impossível, mas as quatro pode ser. No intervalo, entre a vida on-line e off-line que me engolem e nessa tentativa diária e insana de apertarmos os botões certos, eu vou.
Continua… Amanhã. Religiosamente. Porque ninguém merece chorar durante todo o resto de uma vida.