– Oi… Eu vim pegar o Vinícius.
– Claro, bom dia! Sua irmã acabou de ligar dizendo que você viria buscá-lo.
– Sim…
– Tiiiiiia! Espera aí, espera aí um pouco…
– …
– …
– Aqui! Aqui! Essa é minha tia! Pergunta pra ela se não é verdade…
– O que?
– Ahhh, é que o Vinícius conta tanta história…
– É verdade que você trabalhou pro filme Jogos Vorazes?
– Hum… É… sim. Mas eu só…
– E é verdade que você escreve histórias e uma delas virou filme do Oscar!?
– Claro que não!
– Não foi pro Oscar, seu burro! Foi… Como é mesmo o nome, tia?
– Cannes? Festival de Cannes… Isso sim, mas era só um curta-metrag…
– Viu!? Não falei!
– E é verdade que com quinze anos você já tinha conta no banco, era fotógrafa e com dezessete já tinha até um apartamento?
– Sim, mas não era exatamente meu… Era alugado e…
– E você teve mesmo um bar de reggae cheio de malucos e um deles morava no sóton e você nem sabia?
– Pois é… isso realmente foi um problema, mas não era bem…
– Verdade que você já casou quatro vezes e nem nunca quis ter filho?
– Quatro!?
– Uma aumentada irrelevante, tiiia…
– Verdade que você viaja pra fora do Brasil sozinha, sem falar nenhum idioma e mesmo assim nunca se perdeu?
– Verdade que levou uma picada de cobra e a cobra que morreu?
– Não tô acreditando, Vinicius…
– …
– Verdade que você já viajou para os Estados Unidos com um Mustang V8?
– Noooossa! Que cor que ele era!? Dessa eu não sabia!
– Não, não foi bem assim… Eu fui até lá de avião. Chegando lá é que viajei de carro com o V8, mas…
– Verdade que você e o Vini são de uma família de ciganos pagãos e que vocês sacrificam coelhos e fazem churrascos durante a Páscoa?
– Vini…
– Pô, tia… Tá bom… tá bom… Essa eu exagerei um pouco.
– …
– Verdade que você gosta de um cara que…
– Viiiiniiii! Pô, Vini… Isso era segredo!
– Eu só falei pra eles da parte das cartas, não falei que ele é um…
– Xiiiiiii!
– Falou sim!
– Carta? Além dele ser…
– Xiiiii!
– Cartas? Porque vocês não usam o e-mail?
– Porque a minha tia é muito mais foda do que a sua mané!
– Ok, chega disso! Vambora, Vinícius!
– Mas é ou não é verdade?
– É verdade! Tudo verdade!
– UAAAAAAAU! TUDO VERDADE?
– Valeeeeeu, tiiia!
– VERDADE VERDADEIRA?
– Eu falo pra vocês que minha tia é bem mais esquisita que a de vocês… Quem tá mentindo agora, hein? Hein?
– Até o resto que a gente ainda não falou é verdade?
– Esquisita? Esquisita seu nariz, Vinícius!
– Jeito de falar… Esquisita de legal. Mas é tudo verdade!
– Que demais, cara…
– Chega! Vambora.
– Não falei? Não falei pra vocês?
– …
– …
– Ela já dirigiu um V8, cara…
– Legal…

E entramos no carro, demos as costas para os três pivetinhos amigos do Vini e fomos embora. No carro…

– Da hora! Da hora! Agora quero ver eles dizerem que eu minto…
– Vini, mas você não pode dizer essas coisas da minha vida pros seus amigos. É papo nosso, da nossa família, é coisa minha. Sem contar que ó… Esquisita uma pinóia!
– Jeito de falar, tiiiia…
– Claro… Agora seus amigos vão achar que eu sou uma aberração.
– Tia, não pira. E olha pelo lado bom. Eu tenho dez anos e você tem…
– Trinta! Tenho trinta.
– Isso… trinta. Trinta pra sempre. Tô ligado. E quantos anos tinha seu último namorado?
– Quando eu conheci ou separei?
– Vinte e poucos do começo ao fim, certo?
– E…?
– E? E que você gosta de fazer coisas de jovens e legais.
– E…?
– E aí que você me ajuda, eu te ajudo. Pensa comigo… Quando você tiver… Quarenta! Eu vou ter um monte de amigo de vinte achando você a mulher mais legal que eles já ouviram falar durante toda a adolescência deles.
– E desde quando você acha que eu vou precisar de você pra me arranjar namorado?
– Tô falando de literatura, tiiia! Pensa no público que você vai ter daqui dez anos que coisa linda! Se estiver solteira, então… Melhor ainda! Vai poder namorar qualquer um deles estalando o dedo. Isso sem contar que quando eu conto as coisas que você já fez, na mesma hora, eles ficam corajosos e topam fazer as coisas mais erradas ou arriscadas que eu proponho, sem pensarem muito.
– Que coisa errada!?
– Jeito de falar, tiiiia! Mas você devia achar legal. Porque eles se inspiram em você e ficam corajosos ou te pagando pau. Tudo bem que você é minha tia e eu devia achar isso ruim, mas falar da sua vida me dá moral, entende? Então… já eras!
– … Não tô acreditando, Vinícius… E moral você tem conquistar com as suas histórias, garoto! Não com a dos outros.
– Relaxa, tia… Eu estou no caminho.
– Espero que sim!
– Fica tranquila…
– Hum…
– …
– Quantos anos você disse pra eles que eu tinha?
– Trinta!
– …
– Trinta ué… Trinta redondo! Juro.
– Acreditaram?
– Anram…
– Hum… Ok.
– Ótimo.
– Cara de pau…
– De família…
– …
– Tia?
– Que?
– Batman Live?
– Batman Live.
– Na pista?
– Primeira fileira.
– YES!
– Eu sou a Mulher-gato!
– Eu sou o Coringa.
– Não, não… Vamos mudar isso já e escolher heróis. Não pega bem esse negócio de escolhermos sempre os vilões, Vini… Quem você é de super-herói? Pensa aí…
– Tia, se liga. Vilões tem humor, heróis raramente. É só por isso que eu gosto dos vilões mais do que heróis. Eu gosto do Coringa porque ele é engraçado, não porque quero me tornar um psicopata igual a ele.
– E desde quando você sabe o que é um psicopata?
– Tiiiia… Minha mãe é psicóloga!
– …
– …
– Mas não é certo…
– Claro que é.
– …
– Que? Que cara é essa?
– Eu queria ser como a mulher-gato…
– … Já vi tudo.
– O que?
– Vai chorar nas cenas de amor lembrando do morcegão.
– Vai te catar, Vinícius!
– Falou, mulher-gato… Então liga logo esse carro porque ele tá longe de ser o batmovel e eu não quero chegar atrasado no Batman Live.
– Tá folgado, hein Coringa?
– De família…

Durante o espetáculo…

– Pô, tia… que cena bizarra!
– A fuga do Coringa?
– Não, né? Você chorando por se identificar com a personalidade da Mulher-Gato.
– Pô, Vini! É triste. Ela não é ruim…
– Também não acho… Nem acho que ela é vilã.
– Claro que é vilã.
– Claro que não é. É o que ela disse pra namorada do Coringa, ela trabalha sozinha. Não luta pelo bem nem pelo mal, tá acima dessas coisas.
– Tem certeza de que você tem dez anos?
– Tia, sem querer ofender, mas você chora se achando a mulher-gato. Você só me acha muito esperto porque parou nos dezesseis, né?
– Oooo, garoto!
– Com todo o respeito!
– …
– Que foi agora?
– Sacanagem ela acabar sempre sozinha, né? E ela gosta do cara, não fica de joguinho babaca… Não é certo ela acabar sempre sozinha não. Sozinha e com fama de vilã. Puta sacanagem.
– Tia, ela curte essa vida! Onde já se viu um gato querer namorar um morcego!? Se ela desse em cima do Garfield igual ela dá mole pro Batman, já estaria casada e com meia duzia de filhos, no maior sossego. Besta dela. Tá sozinha porque quer!
– Odeio Garfield…
– Então continua correndo atrás de morcego na tentativa de evoluir sua espécie e transformar unhas afiadas em par de asas pra você ver só onde vai parar!
– Evoluir minha espécie? Onde você aprende essas coisas!?
– Na escola, ué!
– Cara… Perto de você, com dez anos eu era mega amadora!
– Você nunca vai deixar de ser amadora, tia…
– … Eu devia sair pra conversar com você mais vezes, sabe?
– Sei… Mas só dou conselho bom na primeira fila, ok?
– Tsc, tsc, tsc… Família de vilões essa nossa…
– Eu sou o Coringa!
– …
– Não vai falar não? Tem que falar… Eu falo eu sou Coringa, você fala eu sou a mulher-gato. Vai aí…
– …
– Fala logo e para com essa cara de choro, tia! Vai queimar meu filme com as criancinhas.
– Sou a trouxa da mulher-gato…
– Aeeee…Toca aqui!



Escrito pela Alê Félix
20, abril, 2012
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