Ontem de manhã precisei sair correndo para uma reunião e, em seguida, fui arrastada para um almoço. Como moro e trabalho praticamente no mesmo lugar, estou acostumada a almoçar em casa e a sair pouco durante o dia. Não vejo muita gente, não atravesso ruas lotadas, chego a sentir saudade de olhar para os lados. Aí ontem o almoço foi próximo a avenida Paulista e tivemos que esperar em frente ao restaurante, tamanha era a fila de espera. Eu não ligo muito para as filas não… É o momento que tenho para reparar no corre-corre alheio. E eu gosto de olhar, gosto de imaginar as vidas que não são minhas. Ninguém fala com niguém mesmo quando se esbarra, todo mundo finge que não se vê e é todo mundo tão arrumadinho… Ou quase todo mundo.
Não sei de onde surgiu aquela dona, não é comum ver uma mulher mendigando. Mendiga, mendiga. Não uma pedidora de esmolas, uma mendiga com perfil de andarilha. Daquelas de roupas escuras, olhos perdidos e um coração de renúncias. Era como se ela não existisse naquele universo de engomadinhos na porta do restaurante. Mesmo quando ela gritava, por ser agressiva, passava despercebida. Mas como é que eu ia ignorar se a pergunta me pareceu tão direta?
– Bruxa?
– …
Sim, era comigo, mas continuei a conversa com os amigos embora tenha gostado do timbre da voz e tenha sentido vontade de responder “Óbvio!”.
Homem, quando vira mendigo, raramente perturba. Mulher mendiga enlouquece e, como toda loucura me desperta, acabei sorrindo um sorriso de lábio cerrado. Nele – no sorriso – apesar da situação, não havia nada de dó.
– Bruxa! Bruxa! Sua bruxa!
Um grito atrás do outro, sem que ela saisse do canto de rua onde estava, sem que eu saisse da minha direção. Olhei novamente, quase com simpatia pela sujeita quando…
– Tá olhando o quê!? Tem tanto dinheiro, por que não compra uma vassoura pra eu voar também!?
Passei horas com ela na cabeça, com a frase toda, com o “eu” certinho antes do verbo e não o “mim” que as vezes ouvimos quando não se aprende. Terminei o almoço, fui embora, pensei, pensei, pensei, dormi, acordei e tive que voltar lá com a vassoura. Parei o carro, olhei por todos os lados: nenhum sinal dela, o lugar estava vazio. Nada dos insultos ou daqueles olhos escuros. Amarrei uma fita vermelha na piaçava, deixei de canto junto com uma prece para que elas se encontrassem… e, um dia quem sabe, voassem.