Boa parte dos anos que passei na escola, passei conversando e pensando. Minha dedicação aos estudos foi bem menos exercitada do que o meu poder de persuasão e minha vocação para a vagabundagem. Lá, pela quarta ou quinta série, eu já havia elaborado técnicas de fuga e cola muito mais complexas do que qualquer outro membro da rede de ensino particular seria capaz. Nessa época, a escola que eu estudava era pública e eu jamais acreditaria que só seria vencida em minhas habilidades, depois de conhecer os alunos das escolas particulares. Você pode não acreditar, mas gente rica cresce muito mais malandra do que a classe média das periferias.
No começo de cada ano letivo a primeira coisa que eu fazia era conhecer a sala de aula, escolher minha carteira (sentava na frente: apesar de vagal, sempre fui exibida), procurar os novatos, passar meu detector de beleza física pelo ambiente, me certificar de quantas faltas eu podia ter no ano e qual o mínimo de pontos necessários para não ser reprovada. Repeti uma única vez. Tomei pau na sexta série, mas nunca admiti. Como eu havia entrado na escola mais cedo do que o normal, dizia pra todo mundo que nunca havia repetido. Nenhum namorado nunca soube disso, meu ex-marido nem sonhava e, inacreditavelmente, até meus amigos da época esqueceram que um dia bombei a sexta série. Achava que talvez minha mãe ou o povo lá de casa não fosse esquecer. Mas aí na semana passada uma tia veio do interior pra São Paulo e começou um papo de que na nossa família todos são muito inteligentes, e isso, e aquilo… E minha mãe “É… Super, inteligentes! Aqui em casa, nunca ninguém perdeu ano de escola”!
Como pode? Ou ninguém presta atenção em absolutamente nada a sua volta ou as pessoas acreditam somente no que querem acreditar. Depois dessa, daqui a pouco, até eu vou achar que aquele ano nunca aconteceu. Ou vai ver que me formei em ilusionismo e, mandei tão bem, que também nem reparei. Alguém com um poder desse realmente não merecia ter tomado pau… Injustiça. Mas ainda bem que ninguém lembra. Assim fico com fama de inteligente, sem nunca ter chegado nem perto disso.
Trecho do sexto post do trezentos e sessenta e cinco dias de solteira, com os links lá no final para quem quiser continuar lendo.
– Com ela rindo desse jeito eu não consigo!
– Isso é pra eu aprender a nunca mais dar abrigo pra amiga desorientada!
– Devíamos ter largado ela rebolando com as meninas lá da travecolândia…
– Pra ela ter acordado nos braços da Nicole?
É nessas horas que você se dá conta de que a noite anterior pode ter sido bem mais longa e que quem ri por último realmente pode rir melhor. Estava morta de curiosidade para saber quem era o domador de potranca e sacanear a Clara pelas suas brincadeiras de cama, mas a idéia de que eu podia ter acordado nos braços de uma Nicole, me fez parar e ativar direito a memória.
“Quem diabos é Nicole”?
Para ler o capítulo inteiro, só clicar aqui ou lá na Uol.
Tenho que pensar em um jeito de vir ao Rio sem precisar de repouso absoluto nos dias seguintes. Os dias se misturaram com as noites, não deu para dormir, não deu para dizer não. Acabei de chegar e parece que meu corpo não desiste: abro a janela, não vejo graça na cama. Ligo o computador só para dividir meu prazer, mas a paisagem clareia minhas idéias e vai – já já – me botar novamente na rua, vai me jogar num banquinho de calçadão só para que eu veja um pouco de sol nascendo. Lá, bem do ladinho dos bêbados, dos marginais, de toda a putaria elegante de Copacabana que ainda trinca as paredes dessas casas de família. Adoro Copacabana… Adoro qualquer lugar que eu tenha bons amigos, mas gosto daqui exatamente pelo contrário. Aqui há uma solidão possível, a inexistência não me assombra tanto. Aqui basta olhar, pensar e agradecer em silêncio. E aqui tem de tudo! Tem, assumidamente, as piores e mais oportunistas espécies… Como é que eu não ia me sentir em casa, não é mesmo? Adoro Copacabana.
– Não deleta o blog não, viu? 🙂
– Oh, menina… Nem esquenta, crise ortográfica passageira.
– Que bom que é passageiro. Eu adoro o seu blog. Acho até que poderia escrever mais, mas sei que você é uma moça ocupada.
– Ah, obrigada. Mas sabe que, mesmo se eu fosse mais à toa, acho que ainda assim escreveria pouco.
– Sim, escrever pouco tem suas vantagens, gera expectativa, as pessoas dao mais valor aos textos, além de poder escrever nos momentos de inspiração.
– Será? Na verdade eu acho cansativo escrever. Tenho uma preguiça danada.
– Serio? Nunca imaginei você com preguiça de escrever.
– Morro de preguiça e não gosto. Sinto necessidade, mas não gosto. Por isso e porque o que eu gosto mesmo é de bater perna, é que escrevo cada vez menos.
– Que ironia… Você escreve tão bem. Achei que saísse naturalmente, sem muito esforço.
– Saí, mas quando acaba parece que levei uma surra.
– Hahaha! Nossa… Quando eu leio o que você escreve, não parece que é assim não. Parece tão leve.
– Sem contar que quando olho no relógio, perdi horas da minha vida com um mísero post. Ter um blog é uma perda de tempo… 🙂
– 🙂
– Poís é… Mas, sei lá, vai ver se não virasse post, surgiria um câncer. 🙂
– Se você fosse guardar só para si, provavelmente viraria. Mas acho legal você ter coragem de falar certas coisas. Como o post que fez sobre a sua irmã. Eu também tenho problemas parecidos com a minha, mas não falo muito sobre isso.
– Melhor falar, hein… Vai que virar câncer! 🙂
– Então acho que vou ter câncer… Hahaha.
– hahahahaha… Quero só ver se for na língua.
– Humorzinho negro, mas continuo preferindo ter o câncer.
– Já que consegue ter humor, não opte pelo câncer… Não faz bem para o cabelo.
– Hahahhahahahahahahahahaha!
– Queridona, vou sair. Odeio esse negócio de horário de verão… 4 horas da tarde e não fiz nada!
– Hum… Acho que você fez sim.
– Anh?
– Acabei de bater na porta do quarto da minha irmã. Ela vai achar que fiquei louca, mas vou tentar conversar com ela.
– Fala pra ela que está longe de ser loucura. Só cagaço de um possível câncer. 🙂
– 😉
– Boa sorte.
– Tomara que isso também te sirva de lição!
– Que?
– Já pensou se você tivesse preguiça de conversar (escrever) pelo MSN com gente que te lê e você nem sabe quem é? Escreva mais, viu! Sem preguiça.
– Ah, vá te catar…
– Beijo e obrigada.
– Depois dessa, espero que sua irmã te arremesse um sapato assim que você entrar no quarto dela.
– Um galo a mais um galo a menos…
– Fui. 😉
Eu devia criar vergonha na cara e deletar esse blog…
Manter um blog devia ser como dirigir: depois de um determinado número de erros, devíamos ser obrigados a voltar pra escola.
Não reparem a indignação… É que acabei de reler alguns posts (algo que nunca faço) e estou morrendo de vergonha, mesmo sabendo que não adianta chorar depois de um acidente estúpido.
Fui educada para não dizer tudo o que penso, mentir sobre o quanto ganho, guardar no silêncio as minhas histórias, não confessar meus desejos mais íntimos e evitar possíveis amantes. Fui educada para comemorar em silêncio tudo o que me fizesse bem, como se o meu bem agredisse os outros de alguma forma. Por sorte, as vezes acho que estou desaprendendo tudo o que aprendi… Cada dia que passa tenho menos a esconder, mentir ou manipular. Incluindo palavras, dinheiro, histórias, desejos e amantes. Já ouvi dizer que o nome disso é maluquice… Eu tenho chamado de bom senso, coerência e vida boa.
Uma amiga minha escreveu dizendo que anda muito brava com o rumo desse blog. Disse que acha um absurdo eu aderir a esse movimento de publieditoriais e mais absurdo ainda que eu misture as campanhas recebidas no meio de posts que eu escreveria normalmente, sem que tivesse grana nenhuma envolvida. Como ela é amiga velha (não de idade, mas de tempo de amizade), respondi o e-mail assim…
Saudade de você, sua cretina! Por onde você anda? Sua aversão por telefone aumenta ainda mais a distância entre a gente, sabia? Mesmo depois de tantos anos, confesso que não entendo como você consegue não ter aderido ao movimento dos celulares. Mas não posso reclamar. Acho que é por conta dessas bizarrices da sua personalidade que gosto tanto de você. Por isso e porque foi graças a você que um dia me tornei fotógrafa. Eu nunca te contei porque sempre me senti muito amadora, tinha acabado de fazer o curso de fotografia (mentira, nem cheguei a conclui-lo) e inventei de colocar um anúncio no jornal dizendo que eu era fotógrafa de casamentos, aniversários, modelo-manequim-e-vendedoras-de-shoppings.
O anúncio saiu em uma quarta-feira e no sábado eu estava na porta de uma igreja com a minha Nikon F2A, um flash comprado naquele mesmo dia, vários rolos de filme com 36 poses e a cara de pau que até hoje me leva a fazer coisas maiores do que meu cérebro. Quando a noiva chegou foi que me dei conta de que aquela era a primeira vez que eu pisava em uma igreja católica, que eu nunca tinha visto um casamento católico e que se eu fizesse merda com o álbum de fotos daquela noiva gordinha ela ia me socar até a morte. Eu tinha quinze anos de idade, acredita? E acho o máximo você nunca ter perguntado minha idade…
Na época, coloquei o anúncio porque achava que precisava ajudar em casa, precisava ajudar a pagar as prestações da câmera, precisava descobrir logo como ganhar a vida. Coisa de menina pobre e responsável. Apesar de você ter nascido rica, eu sei que você também sabe como é se sentir assim. Mas foi por deus e por você que tudo deu certo naquela noite… Quando meu flash parou de funcionar achei que não teria mais jeito, que a gordinha ia me rogar a maior praga da minha existência e que minha mal começada carreira de fotógrafa teria um fim ali mesmo.
Antes que eu derrubasse as primeiras lágrimas – sem que eu dissesse nada – você pausou sua filmadora e disse pra eu fuçar na sua mochila e ver se não tinha por lá algum flash ou bateria que servisse no meu. Foi graças a você que tudo correu bem, que a gordinha ficou feliz por eu ter tido a sensibilidade de fotografá-la nos melhores ângulos e me indicado todas as futuras noivas da companhia feminina de kung-fu de São Paulo. Graças a ela e a você depois daquele dia minha vida virou de ponta-cabeça, eu passei a acreditar que era fotógrafa de verdade e recebi por isso durante quase dez anos da minha vida.
Nunca te agradeci por isso… Obrigada, minha amiga querida.
Quanto aos possíveis publieditoriais do blog, não seja boba. Eles são como flashs, vindos das mochilas de algumas empresas. Salvam a nossa pele de vez em quando e nos fazem acreditar que somos bons com as palavras.
E já que estamos falando em publieditoriais e eu odeio escrever, vou aproveitar o e-mail que vai pra você e transformá-lo em um. Aproveita e dá uma clicada nesse link aqui, da promoção Rexona. Tenho certeza de que você também vai curtir contar suas histórias. Alguns desodorantes mudam tanto quanto a gente, minha amiga. É a vida… Com todas as mudanças e adaptações necessárias, é a vida. 😉
E aí eu bato o pé dizendo que nunca mais isso, nunca mais aquilo e – quando vejo – tô eu aqui, com meu tudo de novo, sem dar a menor chance pra esse papo de “nunca mais”.
Que bom ser assim tão sem palavra…