Lembro ainda hoje do garotinho de cabelos loiros e escorridos correndo de encontro a câmera fotográfica. Eu vi a foto… Foi o pai dele que me mostrou enquanto, encabulada, eu me agarrava as pernas de meu pai. Não por ele ter dito que o filho me acharia linda e podia ser meu namorado… Fiquei envergonhada porque foi a primeira vez que fui tomada por um estranho frio na barriga. Um friozinho quase desesperador que me fez, mesmo sem nunca ter conhecido o garoto, dizer pra todo mundo que eu já tinha namorado. E que ele era aquele menininho loiro que eu havia visto na fotografia de carteira do amigo do meu pai… Um garotinho que me hipnotizou pela imagem a ponto de eu não ter conseguido nem ouvir o nome. Lembro de ter pensado em perguntar, mas fiquei com mais e mais vergonha. Me limitei a guardar seu rosto sorridente bem guardado e correr bem rápido, o mais rápido que eu conseguisse! De um lado para o outro até ficar tão cansada que meu coração parou com aquele tum-tum-tum estranho de arrepio e voltou a fazer somente o tum-tum-tum de exausto que já estava acostumado. Lembro da blusa de lã branca com gola alta, da calça cortada pela fotografia no meio das pernas, das árvores castanhas em perspectiva, do vento que congelava o movimento dos cabelos brilhantes de sol. Maior que eu, mais velho que eu, mas nem tanto. Sorria mais que eu… Eu não era de sorrisos antes de crescer. Provavelmente porque a infância me parecia muito mais uma prisão do que com um parque de divesões. Uma prisão que se tornou bem mais interessante depois daquela descoberta que me fez descer a ladeira de volta pra casa, correndo de braços abertos, apaixonada.
Não importa ter feito de uma fotografia uma das imagens mais fortes da infância, nem o fato de nunca tê-lo conhecido. Nem sequer fui capaz de reencontrar o sujeito que trabalhava com meu pai, mas nunca esqueci do filho dele e sempre lhe fui grata por essa lembrança de sentimento que o tempo não me roubou. Ainda hoje, vira e mexe, me pergunto qual podia ser o nome, se eu tinha cinco ou já estava pra completar sete anos, quem ele deve ser hoje em dia e porque essas sensações ainda me fazem tão bem… Eu nunca soube, mas, desde então, são esses começos de paixão que me fazem subir e descer correndo qualquer ladeira. E é quase só isso que faz de mim alguém mais livre, apesar das prisões que podem vir depois, apesar das prisões que eram tão minhas quanto da minha infância.