Passei a semana toda com o nome de um lugar na cabeça. Segundo um amigo que sempre me convidava para ir até lá, um lugar bom-bonito-barato. Rô é um moço de bom gosto apesar de ser um confesso cara estranho… E, sinceramente, eu já devia ter idade suficiente para desconfiar dos três bes, nem vou reclamar da indicação.
Convidei os amigos-paus-para-todas-as-obras sem apelar: “Vamos pro Milo Garage? Tô com a intuição.Tô com a intuição. Melhor a gente ir… Pensem na intuição! Foco na intuição que todo mundo se dá bem. Vamos pela-mor-de-deus?”. Fomos.
Uma garagem de maconheiros vestidos como intuito de chamar atenção num bairro de riquinhos. Este é o tal do Milo Garage! Nada contra roupas de brechó e o uso de plantas de efeito duvidoso, estas foram constatações óbvias. Uma das caixas de som estava com problema e eu não conseguia parar de reparar. Acho que é necessário ter menos de vinte anos ou mais de dez doses de tequila no sangue pra isso não acontecer, mas enfim… Eu parecia ser a única que ouvia os estalos. Uma amiga, antes de irmos, disse que lá tocava indie rock… Logo pra mim, né? Como se essas variações me dissessem algo. E, talvez, não diga pra mim nem pra ninguém. Nada além de uma necessidade humana de rotular para poder se encaixar. Mas eu gostei das músicas. São legais, não dão dor de cabeça… Se bem que eu também teria gostado se eles tocassem Waldick Soriano ou Mamonas Assassinas… Ignorem qualquer opinião minha.
De verdade? Meus amigos são boas companhias e eu teria sobrevivido ao lugar sem divagar muito se tivesse bebido, mas não quero mais beber. Suco de uva sem açúcar é algo revelador… chega de álcool, sabe? Tô bem assim.
Generalizando só pra deixar meu cérebro viajar: devia ter mais de duzentas pessoas ali dentro. Rodinhas de amigos que não olham para os lados, não vêem nada além de seus próprios mundos, não se interessam por nada além do gênero musical que escolheram. A impressão que tive é que aquelas pessoas saíram de suas casas para fazer o que podiam fazer em seus próprios quartos. Ou, talvez, a repetição do vazio seja inevitável… Não sei. Num dos cantos do bar vi uma moça de uns quarenta e poucos anos com uma cara meio cheirada, sozinha e sacudindo no mesmo lugar feito todos os outros. Não consegui tirar os olhos dela… Sozinha, sozinha… E eu não parava de me perguntar em que encruzilhada da vida ela se perdeu…
Saímos do Milo Garage, encontrei um amigo da época da adolescência, o suco de uva me fez falar um monte de besteiras imperdoáveis, dei tchau para os amigos que peitaram a roubada ao meu lado e, ao invés de correr para casa, entrei no bar ao lado. Um lugar chamado Savassi que estava fechado para uma festa particular, mas – sei lá eu porque – pediram meu nome e me deixaram entrar. Fiz cara de pastel de vento e fiquei. Festa bacana, gente bem nascida, trintona, sem nenhum traço de rebeldia, tranqüilas em seu habitat natural de moedas de ouro. Cheirava festa de publicitários, mas não quis descobrir. Nenhum baseado misturado com o cheiro de perfumes caros. Casa bem ventilada, lugar bom, bonito e conta paga pelo dono da festa. Músicas que fizeram e fazem sucesso nas rádios eram tocadas pelas mãos de um DJ lindo, lindo… Nunca arrisquei ficar sozinha em um lugar assim, foi a primeira vez, foi um estalo de um nada qualquer. Adoro, adoro observar as pessoas… E elas estavam todas sozinhas, sozinhas. Tanto de um lado quanto do outro, tanto em um bar como no outro, independente do tanto de hipocrisia e de tristeza que cada um carregasse ou fingisse em seus sorrisos, a impressão era a mesma. Ninguém se mistura, ninguém se conhece, ninguém abre a guarda e todos gargalham e discursam sobre superficialidades em qualquer buraco que você se enfie nessa cidade. Todos loucos pra escancarar a guarda, mas… Como fazer isso sem parecer que o louco é você, não é mesmo? Lembrei da quarentona do Milo Garage, olhei para mim mesma no Savassi… Pedi mais um suco, mas lá não tinha o de uva.
Vou dormir. Acabo de ter uma das noites mais longas da minha vida e os anúncios de dia dos pais no rádio do carro acabaram de me lembrar que ainda tenho uma família pra olhar. Volto depois. Fui.



Postado por:Alê Félix
12/08/2007
0 Comentários
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Patrícia Holanda

agosto 12th, 2007 às 20:35

Olá, adorei o texto.
É incrível como em muitos momentos olhamos para as outras pessoas nos jugando superiores, quando na verdade, estamos nos privando da nossa própria vontade de ser livre para expressar sentimentos e sensações.
Beijo


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Moskito

agosto 13th, 2007 às 1:21

Gosto de sair sozinho.
As vezes vou pro bar, só tem três mesas, e fico lá, cerveja, televisão e desconhecidos. Os desconhecidos de sempre, as vezes algum estranho.
E ouvir, as bobagens que o povo fala. Mentiras que contam, e que acreditam.
O mundo é estranho. E o alcool é o gelol da alma.


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Igor Otávio

agosto 13th, 2007 às 12:45

Impressionante, o seu relato!!! Impressionante!! Que coincidência!!!
Fui a uma festa de Rock aqui perto de casa, sábado passado, e meu, o que é aquilo??? Aquele monte de jovens e alguns velhotes misturados, tentando passar despercebidos… tentando ser alguém qeu eles não são… aquelas roupas escrotas… todo mundo igualzinho.. uma camiseta preta, e o nome ou desenho da capa de algum álbum de alguma banda de rock. Parece até uniforme!! heehehe
bah.. falei demais!


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Junior

agosto 13th, 2007 às 23:41

Incrível o relato, incrível. Principalmente porque EU fui arrastado pra essa roubada… :-S


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Isa

agosto 22nd, 2007 às 16:50

Também adorei seu texto.
Li duas vezes… olha como gostei!!
Cosegui visualizar a cena…..
Parabéns!


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Viva

agosto 22nd, 2007 às 16:57

Corajosa, você. Entrar numa festa assim, sozinha…
Qanto ao bar, sem comentários. Ando tão cheia destes lugares onde as pessoas parecem cones…


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