E aí eu fui parar em Alto Paraíso na semana santa, mais precisamente em São Jorge, uma cidadezinha que me lembrou a Arraial D’ajuda de quinze anos atrás. Alto Paraíso, para quem não sabe, é considerado um lugar bom de fazer contatos extraterrestres e, dizem, será um dos únicos lugares do planeta que sobreviverá às grandes catástrofes.
Fui com amigos… E cheguei indisposta, mal humorada, com cólica, meio gripada e achando que seria protagonista de uma segunda versão de “Bruxa de Blair”, já que era muito tarde da noite e a gente não achava de jeito nenhum o portão de entrada da casa (alugada via Orkut!).
Uma casa linda, jogada no meio do cerrado, mas que eu precisei dormir e acordar algumas vezes para enxergar o paraíso que era. Porque eu sou urbana, chata e neurótica. Porque em menos de cinco minutos dentro dela eu já tinha exterminado mais insetos com o meu super-ultra-inseticida do que o Jack Bauer seria capaz de exterminar bandidões num episódio do 24 Horas. Tão patética que me transformei na piada da semana quando percebi que nas minhas próximas consultas médicas eu teria que comunicar uma recém descoberta alergia a natureza.
Nos dias seguintes, bem mais calma, me peguei introspectiva nos pés de uma cachoeira, com disposição para as trilhas, babando por qualquer paisagem e… feliz. Com os sentimentos esmagadinhos no peito em alguns momentos, mas feliz. Feliz e sentindo a tranquilidade que sentimos quando estamos vivendo ao invés de ficar sentados na frente de um micro esperando a vida acabar.
Dei valor ao meu trabalho por saber que ele (finalmente) não estava servindo somente para pagar contas e fazer planos para o futuro enquanto eu ignorava solenemente o presente. Senti a mente aquietar um pouco… Olhei para os horizontes com um pouco mais de fé, um pouco mais de atenção e criatividade para detalhá-lo e recriá-lo. Olhei com mais confiança para mim mesma. Porque dá um medo danado ver a vida mudar bruscamente, sabe? Dói o estômago, a gente chora sem saber porque está chorando e – pra piorar – nas horas mais ridículas (tenho que confessar que nos últimos meses ando chorando até com spam em PowerPoint. Mas, por favor, não espalhem). Isso tudo, sem contar as inúmeras vezes que bateu uma vontade enorme de correr pra casa, me enfiar embaixo das cobertas e nunca mais sair de lá. Não fui. Respirei fundo e esperei minha ansiedade passar. Assim como deve acontecer na vida de todos nós, chega uma hora que cai a ficha e a gente simplesmente se permite virar a página, arriscar e seguir em frente. Um dia – inevitavelmente – a gente acorda, olha ao redor e sente as veias pulsarem, o sangue correr e tudo meio que passa a fazer algum sentido.
Digna de uma semana santa, foi mais ou menos isso que São Jorge fez por mim… Há meses uma das minhas vozes interiores dizia que estava tudo bem, que tudo daria certo e que não havia o que temer. Mas eu fingia não escutá-la, sabe? Porque eu costumo sentir medo mesmo assim. Costumo chorar mesmo com todas as minhas vozes me acalmando ou rindo da minha cara para que eu aprenda a lidar com essas minhas tragédias. Até que, lá em São Jorge, todas elas se calaram. Quietinhas, quietinhas… Mas só me dei conta de que estávamos em paz perto da hora de enfrentar a estrada de volta. E eu, que achava que ninguém em sã consciência sobreviveria naquele fim de mundo, pensei em ficar mais alguns dias, pensei no meu tanto de “para sempre”.
Fazia bastante tempo que não sentia vontade de ficar… Também não ouvi vozes que discordassem dos meus desejos. Não ouvi nada. Só um tum-tum-tum bom de coração que racionalizava uma ou outra vontade e guiava meu corpo para mais uma despedida. E fechei a porta da casa dando tchau para uma das melhores viagens que já fiz, para um dos lugares mais bonitos que já pisei.
Antes de abrir a porteira e vir embora, no meio da estradinha de mato e terra vermelha, esperei que o carro parasse e peguei a máquina para fotografar uma flor que, até então, eu ainda não tinha visto naquele caminho. Liguei a câmera, procurei o foco e… E um beija-flor pousou sobre ela e um pedacinho do meu nariz. Juro, naquele momento, nem uma nave extraterrestre teria causado tanto efeito sobre mim. Porque o que eu precisava era só de um tantinho de esperança e não de um montão de novas perguntas, sabe? Ainda não sei dizer direito o que foi que aconteceu, mas alguma coisa bem aqui dentro mudou.
Talvez, a voz estivesse realmente certa… Nunca há mesmo o que temer. Na dúvida, é só ficar atento e ver que a vida fala o tempo inteiro com a gente. E ela sinaliza, manda parar, manda seguir, dá esporros, grita, cala, manda recados, beijos, manda flores…
Fechei a porteira enquanto olhava o beija-flor e reconhecia novamente uma das minhas vozes despertando dos dias de trégua entre nós: “Viu só como eu tinha razão?”
“Era pra ser só uma flor de despedida… Mas às vezes acho que Deus decide vir pessoalmente nos dar um beijo, joga poção mágica sobre nossos cabelos, clareia direções que nem sequer imaginávamos possíveis.”