Convenhamos. Mr. Manson é ótimo
mentindo. Mas, escrevendo verdades, ele é muito melhor.



Escrito pela Alê Félix
31, outubro, 2003
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Mande você também a sua história do primeiro beijo. Se ela foi uma nhéca mole que não
vale a pena ser contada, invente uma. Eu publico do mesmo jeito. 😉 Mas vê se manda por e-mail,
não vá colocá-la nos comentários porque perde a graça.



Dor de Barriga

Meus anos no Rosazul foram maravilhosos e divertidos. Meu primeiro beijo foi dado lá. Igor
era o nome dele. Loirinho, olhos azuis, lindo. Com apenas troca de olhares, nos entendíamos. Eu
olhava pra ele, ele olhava pra mim e nos escondíamos debaixo da mesa. Ficávamos nos amassando
por lá, beijando calorosamente. Claro que no beijo não entrava língua. Nojento demais! Mas o
jogo de bocas era fenomenal. Digno de profissionais.
Nessa mesma época, coincidentemente, comecei a ter dores de barriga terríveis. Pelo menos
pareciam terríveis pra uma menina de quatro, cinco anos. Fui então investigar com minha mãe. Eu
estava com medo.
– Mãe, como é que uma pessoa se sente quando está grávida?



Escrito pela Marcela do Amaral, freqüentadora assídua do Chat da Madrugada, implorante de
fórmulas mágicas, talcos, cremes hidratantes e afins. Nas horas vagas, encontre-a no blog Admirável Blog Novo.



Escrito pela Alê Félix
30, outubro, 2003
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Acabo de entrar no meu inferno astral. Não sei exatamente como isto funciona, mas a versão
que eu ouvi é a de que ele começa um mês antes do dia do aniversário. Pois muito bem, faço
aniversário daqui a exatamente um mês. E, como tudo na minha vida chega adiantado, acho que o
inferno chegou no mês passado.
Questiono cada palavra, cada atitude e cada movimento em falso ou não. É como se a vida fosse
acabar no próximo semestre e eu não pudesse jogar nem mais um segundo pela janela.
Não é medo de envelhecer. Envelheci na década passada, nesta o sentimento é outro. É como se eu
não quisesse perder o quinhão de paixão a que todos deveriam ter direito. Como se estivesse com
medo de perder o interesse pelas pessoas, pelos detalhes, pelos casos. Medo de que a vida
deixasse repentinamente de ter os contrates e as vibrações que me impulsionaram até aqui. Medo
de que os acasos tenham saído de trás da porta para sempre.
Não sei se isso é possível, mas o previsível é cada dia mais forte. Como se a minha mente
soubesse a próxima palavra, o passo seguinte e o desfecho das histórias. Não quero saber. Não
quero nem imaginar.
Quero o deslumbramento, a emoção, o inesperado. Eu quero mais. Quem deveria decidir sou eu. Quem
deveria correr para os braços do mundo, ao invés de olhá-lo com esse olhar arrogante de quem já
conhece este toque, sou eu. Quero a surpresa, por mais amarga que ela seja. Situações adversas
sempre extraíram o melhor de mim. Foi um desperdício ter feito cara feia para tudo que me
parecia triste. Não suporto mais ignorar. Quero a montanha russa da vida e não o carrossel. A
música do carrossel me cansa. Quero os gritos.
Fugi de profetas e cartomantes para que o meu futuro viesse embalado em uma caixa que me
causasse frios na barriga antes de abrí-la. Se a experiência me faz intuir tão bem o que tem
dentro dela a ponto de não ter dúvidas, acho que ela também não me interessa mais.



Escrito pela Alê Félix
29, outubro, 2003
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Estive pensando: já que vocês gostam tanto dessa saga do primeiro beijo, que tal vocês me
contarem como foi o primeiro beijo de vocês? Mandem para o meu e-mail um breve resumo contando
como foi, que eu faço uma seleção dos textos mais legais e os publico aqui. Mandem também
endereço do blog, e-mail e essas coisas todas para que eu possa fazer o link.
Fui.



Escrito pela Alê Félix
29, outubro, 2003
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Sinto que estou prestes a virar a dona chata novamente. Não sei quanto tempo vai durar desta
vez, mas não vou ficar aqui pra ver. Vou pra Santos essa semana. De mala, cuia e notebook.
Alguém daí quer almoçar miojo comigo nos próximos dias?



Escrito pela Alê Félix
28, outubro, 2003
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Paranóia ou não, eu não acredito em jurados. Acreditava na Aracy de Almeida, mas acho que
era só porque ela me divertia. Minto. Como nasci e me criei na periferia, sou obrigada a
confessar que acredito no “jurado de morte”.
Amigos próximos diriam que é porque eu julgo os outros por mim mesma. Eles tem razão. Não sou um
poço de virtudes, mas também nunca conheci alguém que fosse cem por cento do bem. Somos cheios
de qualidades e defeitos e, principalmente, cheios de opiniões. Onde houver gente, haverá
discórdia e, onde houver prêmios, haverá dúvidas e, talvez, um pouco de roubalheira.
Me meti em uma festa estranha um dia desses. Cheguei sozinha e sozinha fiquei. Me perguntei
várias vezes se tinha entrado na casa certa. O lugar lotado, todo mundo bêbado e eu desfilando
com aquela cara de idiota básica de quem esta perdido, mas não quer perder a classe. Andei de um
lado para o outro, à procura de rostos conhecidos e dei graças a deus por ter um copo de coca
diet nas mãos. O pior nessas horas, é o que fazer com as mãos. No resto do corpo a gente dá um
jeito, mas as mãos são um problema. Seja no bolso, sacolejando, no copo ou na bunda de alguém,
elas precisam de ação. Sozinha, eu nunca sei o que fazer com elas. Foi um inferno.
Circulei por todos os cômodos possíveis. Eu realmente não conhecia ninguém e ninguém sabia dos
anfitriões. Parei na cozinha. Tinha um pessoal jogando truco na mesa e eu arranjei um espaço
estratégico que me espremia entre os truqueiros, as tias da maionese e os bebuns de plantão no
freezer. Um lugar ideal para quem não tem mais idade para sorrir só para fazer amizades. Me fiz
de estátua e esperei meia hora para ver se alguém me via e servia de testemunha, caso meus
amigos me enchessem o saco no dia seguinte.
Quieta no meu canto, inevitavelmente passei a ouvir o bate-papo desenfreado que rolava na
geladeira:
– Cara, eu leio partitura desde os cinco anos! É foda você estudar a vida inteira pra ser
julgado pelo Latino. Pelo Latino! Pelo Latino, cara! Você sabe lá o que é isso?
O cara estava indignado. Participou e perdeu um concurso de bandas ou coisa do tipo. O Latino,
aquele do “oh, baby, me leva”, deu cartão vermelho para os meninos e acabou-se o que era doce.
Eu dei risada. Me divirto com a fé que as pessoas tem umas nas outras. Quem é disse para o cara
que o critério era ler partitura? Ele tinha uma banda de rock, putzgrila! E, mesmo se fosse!
Quem determina quem ganha e quem perde nesses horas? Será mesmo que era o Latino? E os
bastidores do evento? Quem estava envolvido na história? Onde estão as regras? As regras eram
claras? Não acho que estas perguntas devam impedir as pessoas de participarem dessas pândegas,
mas ficar putinho no final é patético.
Lembrei de um festival de música que eu organizei. Presidente do grêmio, uma trabalheira danada
e eu num tremendo mau humor. O engraçadinho do meu namorado era baterista de uma banda e decidiu
brigar comigo justo naquele dia. Não pensei duas vezes: eles pegaram o terceiro lugar. O
primeiro ficou com um garoto lindo que cantava bossa nova olhando nos meus olhos. Joguei a urna
fora e troquei de namorado. Chamem o meu comportamento do que quiserem. Já ajoelhei no milho e
paguei por todos os pecados que eu atribuí ao meu caráter. Não devo mais nada a ninguém. Tal
atitude só me fez olhar para as pessoas com mais dúvidas do que eu já tinha. Descobri que o
mundo é dividido em duas partes: os que jogam a urna sem a menor culpa e os que se arrependem
amargamente e passam a vida se vigiando para não fazer mais merda. Nenhum dos dois tipos vale
alguma coisa, mas, como eu tenho medo que os espíritas estejam certos, fico com a segunda.
As pessoas se protegem! Isto é um fato. Elas organizam cartéis, ficam amiguinhas, praticam
nepotismo, legislam em causa própria, têm preço, adoram panelinhas e indicam quem querem e
quando querem pelos motivos mais diversos. É uma bosta, mas é só uma característica. Só mais uma
entre as milhares que compõem a natureza humana.
Mas o que é que eu estou escrevendo? Que diferença isso faz? Vou mudar o mundo porque não durmo
direito quando faço uma besteira? Preciso parar com essa mania de vomitar opiniões só para
confessar os meus crimes.



Escrito pela Alê Félix
27, outubro, 2003
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Marilu tinha o dom de transformar o mundo em um playground. Como é que alguém com
quinze anos podia ser tão descolada e esperta, eu não fazia a menor idéia, mas conviver ao seu
lado era um aprendizado danado. Depois de conseguir mobilizar a escola toda com a aparição da
mulher loira, sentamos em uma mureta do estacionamento e esperamos a minha mãe chegar. O Kiko se
aproximou de nós. Sem pressa, sentou e nos fez companhia.
Os dois só se conheciam de vista. Aproveitei o momento de sossego e tratei de apresentá-lo
decentemente à Marilu, que mal havia reparado nele.
Desde o flagrante do banheiro, o Kiko tornou-se um dos meus amigos mais próximos.
Devido à pouca idade, ainda não tínhamos intimidade e muito menos a desenvoltura necessária para
falarmos sobre alguns assuntos, mas passávamos horas conversando sobre música, política e
pessoas – nossos assuntos prediletos. Ele não só me enchia de discos para ouvir, como também me
contava tudo sobre os Titãs do Iê-Iê (primeiro nome dos Titãs), Ramones, Plebe Rude, Camisa de
Vênus, Aborto Elétrico (banda punk de Brasília por onde passou Renato Russo e outros músicos que
participaram do cenário musical dos anos oitenta). Em uma época onde todo rebeldezinho desfilava
uma lança pendurada no corpo e se dizia punk, o Kiko mostrava que a rebeldia adolescente podia
nos levar a aderir a movimentos, sem que houvesse necessidade de torna-se uma aberração
ambulante. Ele era um sujeito normal. Ignorava qualquer tipo de moda, era um excelente ouvinte e
tinha um interesse incrível pelas pessoas. Podia passar horas conversando com quem quer que
fosse. Autêntico, questionador e com um leve traço de tristeza no olhar, ele só queria mudar o
mundo.
A Marilu ficou surpresa quando soube que ele era filho de ex-exilados políticos. Quis saber tudo
sobre a vida dele e não parou de lhe fazer perguntas. Eu sabia das suas histórias, mas era
sempre bom ouví-las novamente. Às vezes eram um pouco tristes, faziam parte não só do ambiente
onde ele se criou como também da história do país que nós desconhecíamos. Se não fosse pelo
Kiko, nossos conhecimentos sobre o que foi o período da ditadura no Brasil seria apresentado
através dos livros e os livros não teriam nos contado tantas verdades.
Filho de um jornalista e uma professora universitária, sua mãe estava grávida de sete meses
quando foi presa e torturada pelo regime da época. Saiu da delegacia viva e com o bebê a salvo
por um milagre. Fugiu em seguida com o marido e alguns militantes do PCB (Partido Comunista
Brasileiro) para um sítio no interior de São Paulo. O Kiko nasceu lá. De oito meses e pelas mãos
de uma santa parteira que encontraram pelas redondezas de Itu. Uma semana depois ele foi
entregue aos avós. Os pais escaparam a pé pela fronteira e moraram em alguns países da América
do Sul, clandestinamente.
Sob os cuidados da avó e de uma tia, ele cresceu assistindo a família lutar contra a ditadura.
Viu com os próprios olhos o avô ser levado de casa por policiais inúmeras vezes. Eles invadiam a
casa e o levavam sem dar nenhum tipo de explicação. Um de seus tios nunca mais voltou. Disseram
que foi suicídio. Mas seu corpo foi encontrado cheio de hematomas, marcas de queimadura e outros
tipos de agressões que o avô se recusava a contar.
Nove anos depois do seu nascimento, o governo brasileiro decretou uma lei que concedeu anistia
política para aqueles que lutaram contra a violência ilegítima daquele período e,
conseqüentemente, para aqueles que abusaram do poder. Os pais do Kiko voltaram ao Brasil, mas
nenhum militar, delegado ou governante foi punido pelo tempo que eles viveram sem o filho, pelas
humilhações que a família sofreu e, tão pouco, pela morte do tio.
– Mas isso não pode ficar assim! – a Marilu estava vidrada na história da vida do Kiko.
– Meu avô costuma dizer que o que passou, passou, mas é bom que o passado esteja forte dentro de
nós. Ele diz que é o único jeito de não repetirmos um erro.
A buzina do carro da minha mãe interrompeu a conversa. Nos despedimos do Kiko e entramos no
carro. Marilu estava quieta. Tomamos banho, almoçamos e fomos jogar Stop.
– Cor com “F”?
– Flicts.
– Flicts não é cor, Marilu!
– Claro que é! O Ziraldo que inventou!
– Sem essa, Marilu! Problema dele se ele decidiu inventar moda pra falar do que é bege. Isso não
vale.
– Quem disse que flicts é bege? Pega o livro! Não é bem bege, é mais ou menos bege.
– Não vou pegar nada.
– Ok, você ganhou. Ponto pra você.
– Como assim? O que deu em você? Você nunca desiste fácil desse jeito.
Ela abaixou a cabeça e suspirou.
– Não consigo tirar o Kiko da cabeça.
Guardei os papéis. Acostumada a não levar ninguém a sério, a Marilu perdeu em poucos anos as
contas de quantas bocas sentiu o gosto, mas naquele momento ela estava assustada. Era paixão. E
era a primeira vez que acontecia. Saímos pra conversar.

———-> Continua

Clique aqui para
ler o Post I – A saga do primeiro beijo.



Escrito pela Alê Félix
25, outubro, 2003
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Não importa o que eu disser quando estiver apaixonada. Paixões me curam das horas de tédio,
mas não me libertam dos meus pensamentos sobre a vida e a morte.
Não importa minha emoção ao assistir um pôr-do-sol, o azul marinho do fim da madrugada ou os
primeiros passos de uma criança. Não importa. Não me dêem ouvidos quando eu enaltecer detalhes
do universo e não acreditem quando eu disser que acredito em felicidade. Nenhum ser humano pode
ser feliz ciente do seu destino.
Dane-se o quão grata eu sou por não sentir dor física ou por ter nascido sem poder me queixar de
males maiores. De nada adianta ter sorte, saúde e alegrias se elas se escondem diante dos gritos
da minha consciência.
Ignorem o que eu disser sobre a fé que eu nunca tive ou sobre a fé que eu tanto desejo ter. Não
há mais nada que ela possa fazer por mim.
Não importam meus conceitos maniqueístas, minhas opiniões, minha dedicação ao trabalho ou a
minha vagabundagem remunerada – isso tudo é lixo! Invenção das nossas mentes doentias tentando
se ocupar para não nos atirar do alto do próximo edifício.
Não há coragem. Nem mesmo naqueles que abreviaram seus dias. Somos covardes escravos da
mediocridade do nosso cotidiano. Escravos do tempo que nos resta, das nossas obsessões, dos
nossos amores e do nosso sangue.
E não importa o que eu disser quando estiver sóbria, viver não passa de uma tremenda brincadeira
de mau gosto.

Ignorem este post. Isto foi escrito há anos. O encontrei por azar. Ele não faz bem à
alma.



Escrito pela Alê Félix
24, outubro, 2003
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