Eu estava muito a fim de escrever hoje. Muito mesmo. Mas percebi que tudo o que eu queria escrever esbarrava na minha indignação com a manipulação
materna que nos acompanha e nos acompanhará para o resto das nossas vidas ou da delas.
Esbarrava na minha indignação de ser casada há quase uma década e perceber que as pessoas falam, falam, mas, em pleno século vinte e um, elas ainda
acham que um casal só é uma família quando tem filhos. A regra é tão subliminar quanto as chantagens de uma mãe: família não pode ser dois, muito
menos um, família é no mínimo três.
Minha indignação gritou o dia todo. Gritava pedindo que eu não esquecesse das mães que gastam fortunas para engravidar ignorando qualquer
possibilidade de adoção, gritava implorando que eu mandasse pra puta-que-o-pariu esta nova geração de mulheres, hipócritas pra caralho, que bancam as
revolucionárias a vida inteira e acabam engolindo suas pregações com o velho e mascarado discurso do “eu vou ter este filho com ou sem você”. Era
impossível não escrever sobre o desrespeito que essas mulheres têm com a figura paterna. Precisava escrever sobre o egoísmo feminino que nos faz
acreditar e agir como se tudo estivesse sempre sob o nosso domínio.
Escreveria sobre a parte que me embrulha o estômago, as tripas, a alma, o corpo todo. Escreveria sobre as mulheres covardes que usam a maternidade
para serem alguém na vida, na sociedade, no saldo bancário. E precisava desesperadamente escrever sobre aquelas que fazem dos filhos um escudo de
proteção. Escudos que servem para resolver relações amorosas, para amarrar seus homens, para que elas possam ser chamadas de mãe sobre a sombra da
sua perversidade. Pretendia escrever sobre manipulação feminina; a maior e mais discreta das formas de poder. Uma grande atuação, com muitas
indiretas, poucas palavras e objetividade e com um silêncio repleto de sons.
Eu queria muito escrever. Mas no fim de um dia inteiro pensando sobre essas coisas e sentindo meu pensamento dividido entre as minhas objeções e os
agradáveis momentos em família, percebi que não era possível me sentir livre para criticar o intransmutável comportamento materno.
Eu estou contaminada. Contaminada pelo amor que eu sinto pela minha mãe, pela graça de ver minha irmã criando meu sobrinho e de diversos bons
exemplos que desfilam muito próximos de mim. Estou contaminada pelas lembranças boas de uma intensa história com pai, mãe, irmãos e mulheres
admiráveis. Estou impregnada da força da minha mãe. E raramente isto me incomoda porque ela sempre esteve protegida pela minha certeza de que ela me
deu – e ainda me dá – o que há de melhor em uma mãe. Não, não posso condená-la porque ela é como todas as outras mães com a diferença de que ela sou
eu e eu sou egocentrada demais para não agradecê-la pela dádiva de estar viva e feliz.
Ser filha me impede de escrever à vontade sobre mães. Mesmo porque, de que adianta condená-las pelo que elas ignoram de maneira tão sublime, há
séculos.
Desde criança aprendemos que só devemos julgar quem pode nos tirar a vida e não quem nos oferece, então, não tenho o direito de julgar as entrelinhas
maternas. Mães são onipotentes, inquestionáveis… mães não pensam. Se pensassem não precisariam ser mães para se sentirem realizadas.