Invasão de domicílio
Uma senhora grandalhona abriu a porta.
– Por favor é aqui que o Adolpho mora?
– Sim, pode entrar. Ele…
– Onde ele está?
– No quarto…
– A senhora é a mãe dele?
– Sou…
– A senhora, por favor, venha comigo.
Puxei a mulher pelas mãos e entrei pelo apartamento à procura do dito cujo. A porta do quarto estava aberta, a tela de fósforo verde do XT em fade
out
. A conexão com o videotexto havia sido desligada rapidamente pelo Adolfo que estava com a cara mais assustada do mundo.
– Ué? Desligou por quê? Por que não deixou ligado? Não quer que a sua mãe veja o que você anda escrevendo? Conta! Conta pra ela!
Ele não abriu a boca. Cabisbaixo, ele permanecia imóvel; como se estivesse levando uma bronca da mãe, como se fosse uma criança de cinco anos.
– Seu filho estava me ameaçando de morte. Ele estava agora há pouco no videopapo, escrevendo um monte de besteiras. A senhora me desculpa entrar aqui
deste jeito, mas fiquei indignada com a atitude do seu filho. Eu sei que ele já é um homem, que já tem quase trinta anos mas, se acontecer alguma
coisa comigo, vocês vão ver só! Ele…
– Trinta anos?
– Vinte sete… Que diferença faz?
– Vinte sete? Não. – Ela balançava a cabeça debilmente. – Meu filhinho acabou de fazer dezoito anos.
– O quê?
Deu um nó na minha cabeça. O Adolfo com o queixo afundado no peito…
– Deixa eu ver seu RG.
Ele mudo, imóvel. A mãe que se mexeu. Pegou uma carteira que estava sobre a cabeceira da cama, tirou a carteira de identidade e apontou a data de
nascimento.
– Tome minha filha, está aqui. Não fique brava com meu filhinho, não.
– Mas este RG não é… O nome que está escrito aqui é Adonísio…
– É que o Nisinho não gosta que o chamem pelo nome de batismo. Ele prefere Adolpho, mas isso é brincadeira do meu filhinho.
O Adolpho (com “ph”, como ele dizia) estrangeiro de vinte e sete anos era, na verdade, o Adonísio da Silva. Tinha dezoito anos e havia nascido em
Sergipe. Os pais também eram brasileiros. Por um segundo saí do meu estado de fúria e olhei à minha volta. As paredes do quarto tinham prateleiras de
cima a baixo; vários, vários livros. Livros didáticos em inglês e alemão, muitos cadernos de estudo por correspondência em diversas áreas e muitos,
mas muitos, livros sobre a segunda guerra mundial e Adolph Hitler.
Voltei meus olhos para aquele garoto e para a sua mãe. Minha primeira impressão da senhora grande, porém frágil e idosa deu lugar à visão de uma
mulher assustadora. Sua voz fina, seu jeito pausado e sinistro de falar, de tratar o filho como se fosse um bebê, todos aqueles elementos começaram a
me causar uma onda de pavor. Me dei conta de que tinha insanamente invadido a casa de alguém para apontar o dedo no nariz de um moleque. Um moleque
que visivelmente cresceu sofrendo todo tipo de discriminação. Tanta que, sob a segurança do seu quarto, usou todos os meios de comunicação
disponíveis na época para se proteger e se transformar em outra pessoa. Eu não conhecia aquela gente, não sabia nada sobre eles e nem do que eram
capazes. E eu? Eu estava no território inimigo, expondo a vida deles. Um friozinho de medo atravessou minha coluna de ponta a ponta. Virei as costas
para os dois e saí a passos largos sem me despedir. Já estava no meio do corredor, em direção à sala, quando ouço um estrondo de panelas caindo no
chão. Uma porta foi aberta ao meu lado.
– Ahhhhhhhhhhhhhhhh!
– Ahhhhhhhhhhhhhhhh! Quem é você?
– Ela é a miguinha do Nisinho, meu véio…
Nem respondi! Ouvi de longe a vozinha estridente da mãe do “Nisinho” e sai correndo em direção à porta. Amedrontada, avistei uma chave na fechadura,
arranquei-a de lá, bati a porta, dei duas voltas na chave, passei a identidade do moleque que estava colada na minha mão por baixo da porta, respirei
fundo, olhei para o número 666 do apartamento, fiz o sinal da cruz pela primeira vez na vida e fui embora correndo pelas escadas. Passei verde pelo
porteiro, dei-lhe a chave e falei:
– Ó, entrega no meia, meia, meia, falô? Valeu, obrigada e adeus!
Corri antes que ele pronunciasse qualquer palavra. Entrei no carro, engatei a primeira marcha e saí cantando pneu.
– Deus-me-livre-e-guarde!
Clique aqui para ler o Post I – O começo de toda a
história



Postado por:Alê Félix
07/04/2003
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