Rambo X Juma Marruá
Eu nunca dei a menor bola para a forma como as pessoas se vestem. Aliás, nunca entendi porque algumas pessoas
costumam avaliar as outras pela etiqueta que elas carregam em suas roupas. Não, eu nunca fui assim. Mesmo porque não
tenho moral para julgar alguém pela aparência. Eu já usei blazers com ombreiras, gel com purpurina, já fui dark…
Sim uma dark dos anos oitenta; daquelas que só usavam roupas pretas, capas, borravam os olhos e a boca com cajal
preto e dançavam de frente para as paredes do Madame Satã.
Não dei a mínima para o fato do rapaz usar roupas estranhas do exército, mas confesso que fiquei muito apreensiva
com a faca amarrada na coxa. Convenhamos, é no minimo estranho. De qualquer forma, não poderia simplesmente sair e
deixar o moço a ver navios. O que eu não quero pra mim, não faço com os outros. Ignorei a primeira impressão,
considerei as qualidades que ele tinha demonstrado nas nossas conversas pelo videopapo e fui almoçar com o Loiro27a
como havia combinado.
Adolfo não era brasileiro. Mudou-se para São Paulo com os pais quando era um garoto de colo. Era filho temporão,
ganhava a vida como jogador de golf e até me deu uma bolinha de presente. Introspectivo, de poucas palavras,
escrevia melhor do que conversava, o que, para mim, não era um grande problema já que eu sempre falei por meia dúzia
de tímidos. Tinha vinte e sete anos, embora seus traços aparentassem dez anos menos. Tudo corria bem e,
provavelmente, eu sairia dali a tempo de não causar traumas. Provavelmente… quisera todos os esquisitos fossem
simples. Não foi o caso.
Naquela tarde, o garçom enganou-se com o pedido feito pelo Adolfo e eu escapei de um grande equívoco.
– Aqui está o suco de abacaxi com hortelã que o senhor pediu.
– Não. Não foi isto que eu pedi. Leve de volta e traga o meu pedido corretamente.
– Desculpe… Que suco o senhor pediu?
– Suco de abacaxi natural, isto é polpa. Eu só tomo sucos naturais. E o quero batido com hortelã, uma colher
de açucar, sem gelo e com um copo de gelo à parte.
– Pois não senhor, volto já com o seu suco.
Observei a cena calada e com um gosto de indignação diante do tom de voz dirigido ao garçon. Adolfo, continuou:
– Não suporto pessoas burras. Se um homem não é dotado de capacidade mental suficiente para ser um reles
anotador de pedidos, nem deveria ter nascido.
Por um instante eu achei que tinha ouvido errado, mas não resisti às agressões que o maluco disparou a fazer por
conta de um simples suco. Muitas coisas neste mundo me tiram do sério, uma delas é gente que se acha superior e se
vê no direito de menosprezar pessoas menos afortunadas. Algumas pessoas acham que quanto mais amigos melhor.
Naquele dia eu descobri que quero meus amigos peneirados, selecionados e escolhidos a dedo. Não, eu não suporto todo
tipo de gente. Muito menos pessoas como o Adolfo que, meia hora depois do caso do suco, defendia a separação dos
estados do sul e sudeste do resto do país e que os sub-empregos deveriam empregar somente negros, índios e
nordestinos. Segundo ele, este seria um gesto de generosidade com raças que não servem para muita coisa.
Levantei da mesa, paguei a conta e dei a maior gorjeta da minha vida.
– Ei! Onde você pensa que vai? – Agarrou meu braço com força e como se tivesse este direito.
– Como assim onde eu penso que vou? E solta meu braço! Dentro deste braço corre o sangue de um avô nordestino,
uma avó negra e uma bisavó índia. Solta antes que este mesmo braço te mostre a força que tem cada uma dessas
heranças!
Se ele se achava o Rambo, se deu mal, porque eu virei uma onça. Uma Juma Marruá! Também, que cabeça, a minha! O que esperar de um cara que anda com uma faca
amarrada na perna?
>>> Continua…
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