Primeiras impressões sobre o trabalho de cinco mil dólares.
Pior do que acordar cedo para trabalhar é ir para o trabalho sem ter dormido. Não compreendo as regras do mundo
profissional. Por que uma empresa de vendas quer ver a cara dos funcionários às sete da manhã? Pra se certificar de
que o cara acordou? Se não houver produção a pessoa não recebe, por que então as empresas acham que haveria
sabotagem do funcionário? Por que diabos eu não podia ter ficado na cama trabalhando em casa, pelo telefone ou coisa
parecida?
Aquele era o meu primeiro dia de trabalho, tive que controlar os meus impulsos de rebeldia profissional e dar um
jeito de não parecer uma morta viva. Já que tinha sido uma opção mudar de vida, no mínimo eu precisava respeitar os
horários impostos, mesmo sabendo que eu não me adaptaria facilmente.
Cheguei na Teletel me arrastando. Corri para o banheiro, lavei o rosto e fiz cara de empolgada (expressão padrão no
rosto dos bons vendedores da empresa). Era ridículo, não existem vencedores em horário comercial. Das oito às seis
todos somos escravos, mesmo que bem remunerados. Aqueles caras estavam na profissão errada, eram atores de primeira
linha e com uma fachada impecável sempre: sorrisos estampados e hálitos de pasta de dente, roupas engomadas e beges,
cabelos escovados e barbas feitas exalando bozzano. Um bando de gente tão limpa que chegava a brilhar. Sempre achei
que alguns deles não faziam sexo. Ninguém tão lustrado consegue trepar à vontade. Nada contra os princípios da
higiene, muito pelo contrário, mas acho estranho o excesso de limpeza calculado e cobiçoso. Além disso, sexo tem que
ter um quê de suor, de saliva, de roupa amassada, cabelo despenteado. Pensar em sexo com uma figura que beira o
branco do Omo todo santo dia faz com que a minha mente fértil pense um monte de esquisitices sobre a pessoa. Neura
minha ou não, além de não curtir muito o asseio intencional, ainda tinha dificuldades com o assédio natural e
saudável que os ambientes de trabalho proporcionam. Não dava para levar a sério cantadas de vendedores. Não
conseguia deixar de ver a estratégia de venda na atuação dos moçoilos. Vê-los seduzir as pessoas o dia todo com um
papo mole a troco de uma boa comissão, me fazia rir e desconsiderar qualquer outro tipo de interesse.
Definitivamente não tinha a menor graça ser uma das três mulheres de uma equipe de quarenta homens com aquele
perfil.
Depois de um discurso de motivação do gerente, liberaram os vendedores para as visitas diárias. Bocejei aliviada e
saí daquele recinto de Listerine para a busca dos meus cinco mil dólares mensais. A grande vantagem de você não ter
motivação sexual para ir ao trabalho é que você foca a sua energia no salário e foi isso que eu tratei de fazer.
Eu não tinha dúvidas de que o meu cofrinho da Turma da Mônica, no final do mês, estaria cheio de doletas. Era tudo
muito fácil: era só apresentar o vídeo-texto, fechar o contrato de locação do equipamento pela maior quantidade de
meses que eu conseguisse e pronto! Duvido que alguém resistiria àquela maravilha do século vinte! Era batata! Cinco
mil dólares na mão e um terminal de vídeo-texto portátil para brincar nas horas vagas. Mas não foi bem assim…
Minha primeira visita foi um “talvez”, a segunda, um “não”, a terceira, um “chá de cadeira”; na quarta me botaram
pra falar com o office-boy e na quinta, às oito horas da noite em um bar noturno na estrada do guarapiranga tive que
explicar como o sistema funcionava para o dono do bar e para um freguês bêbado que decidiu bater o recorde mundial
da pentelhice. Às minhas custas óbviamente.



Postado por:Alê Félix
04/02/2003
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