Estava aqui me perguntando o que escrever em um blog na véspera de natal. O que eu queria mesmo, era postar umas
histórias engraçadinhas de casamentos que eu já fotografei, mas a que eu estou terminando é muito religiosa para o
dia de hoje. Vou deixá-la pra depois, antes que eu pareça uma tipica pagã. Em breve eu devo postar uma série de
histórias sobre os casamentos da minha época de fotógrafa. Preparem-se para o “Albuns de Casamento, I, II, III, IV,
XIX e por aí vai.” Mas vamos voltar ao Natal…
A grande verdade é que o Natal, para mim e para muitos outros revoltadinhos socialistas como eu já fui, não passa da
grande festa da manipulação. Nunca consegui compreender como conseguiram dar um ar tão pesado para estas
comemorações de final de ano..
Festas de confraternização, ceia de natal, necessidade de unir a família, obrigação de dar presentes, participar de
amigos secretos, distribuição de beijos e abraços com cara de fim de mundo e, no final, é só mais um ano.
Faço parte de uma família que liga cada vez menos para estas datas. Não por tradição, mas por cansaço. Meus pais bem
que se esforçaram: saíamos para fazer compras de roupas, sapatos, presentes. E nas noites de Natal íamos sempre para
a casa dos meus avós. Todos arrumadinhos, penteadinhos de cabeleireiro, cheirando a loja de shopping e com vários
embrulhos de Papai Noel. A mesa farta de comida, a família unida, tudo certinho, com jeito de inverno europeu num
verão de quarenta graus, mas por algum motivo isso tudo começou a ficar insuportável com o passar dos anos.
Não sei se por conta da falta de crianças em casa, se por conta da fartura da mesa que gerava sobras constrangedoras
ou se foram as dificuldades para manter a idéia de união. Sei que, há muitos anos, ninguém se importa. Mas, mesmo
assim, todos sentem culpa.
É esta sensação que me incomoda. Todo mundo se sente culpado no fim do ano e tudo contribui para que as pessoas se
sintam assim. Começa com este papo do nascimento de Jesus, essa coisa dele ter morrido crucificado por nossa causa.
As pessoas carregam a cruz da história bíblica de Jesus até hoje! Se ele foi quem foi, duvido que ele ficaria
satisfeito ao ver o que fizeram da sua estadia na Terra.
Eu tinha onze anos e meu pai tinha acabado de construir uma casa de frente para a nossa e no mesmo terreno.
Uma família vinda do Norte soube da casa e quis alugá-la. Meu pai, movido pela possibilidade de receber uma grana a
mais por mês, ignorou o fato de dividirmos o quintal com desconhecidos e alugou a casa.
Um marido, uma esposa grávida, três filhos com idades entre três e seis anos e um cachorro vira-lata (nós tínhamos
uma dobermann.).
Logo depois que eles mudaram, vieram as festas de fim de ano. Na véspera do natal, meus pais, na tentativa de unir
as famílias um do outro, acabaram discutindo. Meu pai, bravo, saiu de casa e não disse para onde ia e minha mãe
ficou, lá, desolada perante os quilos de peru que havia assado.
Nove horas da noite e eu fui dormir. Acordei uma hora depois com barulho de música no último volume e um rebuliço de
gente. Nossos vizinhos convidaram todos os parentes, amigos e retirantes para passarem o natal na casa deles,
conseqüentemente, no nosso quintal.
Fiquei putíssima! Minha mãe triste, meu pai fora de casa e aquele povo que mal nos conhecia fazendo aquele auê na
nossa casa. Fui em direção à casa da frente com um quente e dois fervendo, mas o quintal estava tão abarrotado de
pessoas felizes que antes que eu conseguisse localizar alguém responsável por aquela situação, acabei dançando meia
dúzia de forrós.
Vi meus irmãos no meio da festa se divertindo e fui atrás da minha mãe. Entrei em casa pela cozinha e a vi sentada
olhando para a mesa que ela havia preparado com tanto carinho.
– Não vai vir ninguém aqui em casa?
– Não.
– E o papai?
– Não sei…
Não pensei duas vezes: peguei uma travessa de quitutes e ajeitei sobre a cabeça. Minha mãe reagiu à cena e seguiu
atrás de mim:
– Alessandra, onde você vai com essa comida?
– Alguém tem que salvar este dia de merda. Vem mãe, bóra levar este monte de comida para o povo comer.
Sai de garçonete servindo a vizinhança que se espremia entre as duas casas, quando ouço a voz da minha mãe:
– Quem quiser se servir fique à vontade, tem cerveja e refrigerante aqui na geladeira.
Em um segundo, a festa se espalhou pela nossa cozinha, em um segundo não lembrávamos mais dos contratempos das
últimas horas, em um segundo a casa estava cheia de gente alegre e sem as firulas das festas de natal tradicionais.
Meu pai chegou no momento da confraternização entre as duas casas, vi ele olhar para minha mãe no meio da multidão,
beijá-la no rosto e puxá-la pra dançar.
Acho que foi naquele dia que eu aprendi a dar valor para uma boa festa. Também tratei de não dar tanta importância
para as pressões de fim de ano. Passei a pensar nessas festas como se elas fossem festas de forró, o resto é só
protocolo.