Primeira. Não sei porque demorei tanto. Como é difícil tomar decisões. Penso tanto e não chego a lugar algum.
Segunda. Tempo estranho, devia ter olhado para o céu antes de sair. Agora é tarde. A garoa vai virar chuva e esta
ladeira parece não ter fim. E se cair um temporal? Eu não vejo nada debaixo dos temporais.
Terceira. Aqui me sinto livre, relaxada, penso melhor em mim, na minha vida, no meu coração. Meu coração… ele bate
tão tranqüilo quando pode olhar pra frente. Também, com essa minha vida cheia de curvas, ladeiras e becos estreitos,
quem é que pode ter um coração batendo em paz? Estava cheia de mim, ainda bem que saí.
Quarta. Vou ouvir música. Este é o único lugar que consigo ouvir direito. Algo me diz que as músicas que tocam aqui
dentro, conversam com os meus pensamentos. Eu não disse? Há anos não ouço esta banda! Eu devo mesmo ser louca. Achar
que este processo randômico de melodias de rádio existe para me dar respostas, só deve ser coisa de gente louca ou
pior, que se acha o centro do universo. Antes fosse egocentrismo, atualmente uma dose não me faria mal. Pronto! A
chuva chegou. Por que eu não saí antes de casa? Chuva forte atrapalha a minha visão, rouba as minhas idéias, acentua
a minha miopia e cega a minha razão. Bendita tempestade, não é que ela é bonita até daqui? Onde estão meus óculos?
Nunca saio com eles. Onde está minha bolsa? Nunca sei onde a deixei. Achei a bolsa… Não sei porque ando com ela a
tiracolo, nunca encontro nada dentro dela quando preciso. Achei. O mundo é mais claro através destas lentes.
Sacanagem de deus ter feito eu ficar míope! Deve ser castigo por eu ter passado tanto tempo sem olhar para os lados.
Caramba, peguei o caminho errado! Por que não coloquei os óculos antes? Lentes de contato! Lentes resolveriam tudo.
Mas enfiar o dedo dentro do olho, nem pensar! Não tenho tanta intimidade assim com meus olhos. Preciso voltar para o
caminho certo.
Quinta. Como as pessoas podem ter vivido tanto tempo sem a quinta marcha? Esse barulhinho de motor, de pneu raspando
o asfalto, de ultrapassagem. Melhor diminuir a velocidade. Não entendo porque eu corro tanto, não estou com pressa
de chegar, posso passar a vida toda aqui, só não consigo respeitar os limites de velocidade. Como é que eu saio
daqui? Nem retorno parece que existe. Será que, no final, todos os caminhos levam para o mesmo lugar? Seria bom.
Assim, paro de me repetir que estou no lugar errado. Por que sempre tenho crise de riso quando erro o caminho? Quem
vê de fora, deve achar esquisito. Quem vê de fora sempre acha mais do que deveria. Meu deus, essa estrada parece não
ter fim. A linha do horizonte está tão distante e esse concreto parece que segue o seu traço o tempo todo. Não é à
toa que eu sempre gostei mais da estrada do que do destino. Quer saber? Chega de óculos! Não quero mais ver placa
alguma. Que se dane aonde eu vá parar. A chuva está parando. Que sol tímido é aquele lá longe? Sol e chuva casamento
de viúva, chuva e sol, casamento de espanhol! Vou bater este carro se continuar rindo e correndo deste jeito. Só não
queria que fizesse muito calor.
Será que, por conta desta indecisão do homem do tempo, vai dar para ver um arco-íris?
Nossa, faz tempo que eu não vejo um. Saudade do tempo que eu achava que era possível pegá-lo com as mãos. Minhas
crenças, bem que poderiam estar perdidas dentro da minha bolsa. Seria um bom dia para encontrá-las.
Putz, olha ele ali! Por que tem sempre esse jeito de mágica? E se eu for atrás dele? Estou no caminho errado mesmo!
Quem sabe não acho um pote de ouro no final?